maio 28, 2010

A Leste do Paraíso (Vol.I) - John Steinbeck

"A Leste do Paraíso (1952), de John Steinbeck, relata, sob a forma de um grande «fresco histórico», a vida de várias gerações californianas, os Trask e os Hamilton, de 1860 a 1920. Nas palavras do próprio autor: «O assunto é o mesmo que cada Homem tem utilizado como tema: a existência, o equilíbrio, a batalha e a vitória, na eterna guerra entre a sabedoria e a ignorância, a luz e a treva, o bem e o mal»."

Acabei de reler o primeiro volume do A Leste do Paraíso e, acho que faz algum sentido separar também a minha opinião em "dois volumes". :) Isto porque, no segundo livro dá-se um salto no tempo, com algumas personagens a morrerem e onde os filhos de Adam Trask, Caleb e Aaron, assumem uma maior notoriedade que não têm no primeiro volume.

É a terceira vez que leio esta saga familiar que John Steinbeck, um dos meus escritores favoritos, escreveu em 1952. Na primeira vez fiquei apaixonada pela história, pelas personagens enfim, pelo livro. Voltei a lê-lo numa altura em que precisava de me sentir próxima de alguém que julguei ter perdido e por isso foi uma leitura de saudade, li-o não pela história mas pelas recordações que me trazia o livro em si.
Por isso achei que estava na altura de lê-lo novamente apenas e só porque me apetecia, sem a sofreguidão da primeira leitura e os fantasmas da segunda.

O mais estranho é que continua a ser uma leitura surpreendente, porque estando eu mais velha, identifico-me com outras coisas, reconheço-me noutras partes da história, anseio pelo que sei que vai acontecer e sofro por antecipação. No fim, a sensação de que o livro é muito bom permanece! Gosto desta capacidade que os livros têm de nos surpreender mesmo quando os estamos a reler. Acho que é por isso que não tenho qualquer pudor em reler livros que gostei, porque sei que há livros que não se esgotam numa primeira leitura, exigindo que voltemos a eles passados uns anos.

Bem, vamos então ao livro, porque é para isso que aqui estou. Aviso desde já que a partir daqui está cheio de spoilers. :)

Em A Leste do Paraíso, John Steinbeck apresenta-nos duas famílias, os Trask e os Hamilton, contando-nos tudo sobre as suas vidas entre 1860 e 1920, ao mesmo tempo vamos percorrendo a história dos EUA nessa época.

Neste primeiro volume, conhecemos Adam Trask, ainda criança, o seu estranho meio-irmão Charles e o pai de ambos, Cyrus Trask.
Adam e Charles têm uma relação difícil. Charles é pura força física, um bruto que resolve tudo à pancada. Adam odeia o pai e tem pelo irmão sentimentos ambíguos, teme-lhe a capacidade destrutiva mas não o odeia. É um rapaz que repudia a violência tendo uma natureza sonhadora. Por isso não é de estranhar que se apaixone perdidamente pela mulher que um dia aparece à porta da casa que partilha com o irmão. Esta mulher, Cathy Ames, aparece no rancho dos irmãos Trask, quase morta, depois de ter sido violentamente espancada por um homem que tentou enganar. Adam acolhe-a como se esta fosse um anjo caído do céu, completamente cego a todos os sinais de perigo que emanam desta mulher com aparência de anjo.
Cathy Ames é uma personagem fascinante de tão cruel e desumana que é. John Steinbeck descreve-a como um monstro, dizendo: "Se há monstros físicos, não haverá monstros mentais ou psíquicos? A cara e o corpo podem ser perfeitos; mas se um esperma deficiente ou um factor hereditário produzem monstros físicos, porque não hão-de produzir almas disformes?" E Cathy é assim, uma criança que não nasceu com a capacidade de amar, nasceu antes com a convicção de que todos os seres humanos são intrinsecamente maus e aprendeu desde logo a aproveitar-se dessa maldade para atingir os seus objectivos.
Adam casa-se com Cathy e muda-se com ela para o Vale de Salinas, onde sonha construir um jardim para a mulher e para o filho que esta carrega na barriga. Cathy, no entanto tem outros planos, assim que se restabelece do parto dos filhos (afinal eram dois e não um) vai-se embora abandonando Adam e os gémeos. Afinal eles foram um percalço e Adam nunca significou mais do que uma oportunidade para sair da situação em que se encontrava. Sem quaisquer remorsos abandona-os, deixando Adam completamente perdido e alienado do mundo.

Os Hamilton são uma família irlandesa que se estabelece no vale do Salinas, no pedaço de terra mais pobre e seco da região. Samuel é um homem cheio de ideias, um inventor. Inteligente e culto, quase um filósofo. No início é olhado de lado pelos habitantes da região, no entanto, depressa todos se rendem à sua boa disposição, pois é um homem honesto e trabalhador e a sua forma de olhar o mundo é vista como sendo apenas uma excentricidade inofensiva. É casado com Lizzie uma mulher pequena e seca, extremamente religiosa que, ao contrário de Samuel, nunca questiona nada, aceitando tudo como sendo desígnios de Deus. Têm nove filhos todos diferentes uns dos outros.
Samuel é uma personagem fascinante, o oposto de Cathy, por ser tão humano. Torna-se conselheiro de Adam, não sendo exagero dizer-se que lhe salvou a vida mais que uma vez.
John Steinbeck ter-se-à inspirado nos seus avós maternos para criar esta família, uma vez que A Leste do Paraíso começou por ser uma história que explicaria aos seus filhos como era o vale de Salinas, na Califórnia, vale onde nasceu e cresceu, que amava e que serviu de cenário a praticamente todas as suas histórias.

Paralelamente à história central destas duas famílias, vão sendo feitas algumas reflexões sobre a sociedade da época e sobre o progresso tecnológico que começava a surgir. Estas são feitas pela voz do narrador que neste caso é o próprio John Steinbeck. Outras reflexões mais filosóficas e bíblicas são protagonizadas por Samuel Hamilton e Lee, o criado chinês de Adam que terá um papel muito importante para o desenrolar da história. Lee é uma personagem muito interessante e curiosa.
Estas reflexões fazem com que este livro seja muito mais do que um livro sobre duas famílias, pois levanta questões pertinentes que são, curiosamente, ainda muito actuais.

Para além de tudo isto, nota-se sempre em cada palavra escrita sobre o vale de Salinas o amor que Steinbeck nutria pela terra onde nasceu e cresceu e que imortalizou nos seus livros. Terra difícil, com um clima instável, onde os anos de seca podiam destruir o fruto de anos de trabalho árduo. No entanto, eram poucos os que abandonavam as suas terras, era como se a terra exercesse uma espécie de feitiço sobre eles. Todos pressentiam nela qualidades ainda por descobrir.
É muito interessante conhecer o modo de vida das pessoas, as dificuldades que enfrentavam e as suas maiores preocupações. Nestas páginas e em outras escritas por Steinbeck, está bem patente o espírito inovador e progressista dos americanos. A resistência e a capacidade de transformarem tudo à sua volta. As histórias de Steinbeck são "muito americanas" porque são sobre os americanos, os verdadeiros, não os heróis inverosímeis retratados nos filmes de Hollywood. Retratam uma época muito complicada, de grandes mudanças e de grandes dificuldades. Steinbeck escreveu muito sobre os problemas sociais que assolaram o país durante a Grande Depressão com a pobreza e os consequentes fenómenos migratórios e sobre a guerra. Problemas que, não sendo exclusivamente americanos, nos permitem uma identificação com a história. Não sentimos a distância de um oceano entre nós e aquelas pessoas.

Se nunca leram nada dele, façam-no e já! Recomendo, para além do A Leste do Paraíso, o As Vinhas da Ira (à espera de ser relido um dia destes) e o Ratos e Homens. Eu gosto de todos, mas estes talvez sejam os mais emblemáticos.

Boas leituras! :)

maio 23, 2010

Ler na Praia

Fiz uma pausa na releitura do John Steinbeck, porque não deu para levá-lo para a praia ontem. Isto porque, livro das Edições "Livros do Brasil" ao qual não salte a capa na primeira leitura não é, de certeza, livro da Edições "Livros do Brasil"... Tive receio de perder a capa ou que algumas folhas começassem elas próprias a querer estender-se ao sol! :)


Levei então o Parábola do Cágado Velho do Pepetela. Faço questão de levar sempre um livro para a praia, no entanto, são raras as vezes que pego nele. Sai muitas vezes da mala, mas é muito raro pegar nele e ler. É normal voltar para casa cheio de areia, como se tivesse sido lido e relido durante o dia de praia mas não, a areia é que é insidiosa e mete-se em tudo o que é reentrância. Também nunca durmo na praia, provavelmente pela mesma razão que não leio, porque adoro tudo o que tem a ver com a praia, perco-me a olhar o mar, gosto de enterrar os pés na areia, adoro a areia e sou das que fica como um croquete mal chego à praia, gosto de estar estendida ao sol, de me sentar à beira-mar e adoro estar dentro de água! Se pudesse passava horas e horas no mar... Sou uma autêntica pata. Porquê pata e não peixe? Porque não nado assim tão bem! :) Mas adoro o mar!


Por isso, sobra-me pouco tempo para a leitura e mesmo que pegue no livro que levei, nunca consigo ler muito porque o riso das crianças distraí-me, o barulho do mar deixa-me hipnotizada e o sol brilhante deixa-me com mais vontade de namorar do que de ler. E é tão bom namorar na praia... ;)
A verdade é que me sinto intensamente feliz quando estou na praia onde tudo parece mais simples e sereno. Só me apetece olhar, contemplar, observar e absorver toda aquela energia que me rodeia. Ler na praia não é algo que eu faça com frequência, mas o livro vai sempre comigo, para me fazer companhia. :)

Boas leituras e boa praia!

maio 19, 2010

O Livro das Ilusões - Paul Auster

"Após a morte da mulher e dos filhos num acidente de avião, David Zimmer entra em depressão. Para tentar fugir ao desespero, entrega-se à escrita de um livro sobre Hector Mann, um virtuoso do cinema mudo dado como desaparecido em 1929. Publicada a obra, David aceita traduzir as Memórias do Túmulo, de Chateaubriand, e refugia-se num lugar perdido para fazer face à hercúlea tarefa que se impôs. É então que recebe uma estranha carta proveniente de uma pequena cidade do Novo México, supostamente escrita pela mulher de Hector: «Hector leu o seu livro e gostaria de encontrá-lo. Está interessado em fazer-nos uma visita?» Trata-se de uma impostura ou Hector Mann está realmente vivo? Zimmer hesita, até que uma noite uma jovem mulher lhe bate à porta e o obriga a decidir-se, transformando para sempre a sua vida. Contada pela jovem mulher, a história do extraordinário e misterioso Hector Mann é o fio condutor o presente romance. Mas o poder narrativo de Paul Auster transporta-nos bem lá para além da magia do cinema mudo e mergulha-nos no coração de um universo muito pessoal, em que o cómico e o trágico, o real e o imaginado, a violência e a ternura se mistura e se dissolvem."

Este é o primeiro livro que leio de Paul Auster, autor que nunca me suscitou grande curiosidade até ao dia em que passei pelo blogue Os Meus Livros e Paul Auster surgia como sendo um escritor a não perder. Tendo em conta os livros fantásticos lá mencionados, para mim foi óbvio que o Paul Auster teria que entrar para a minha lista de escritores a ler. :)
Demorei mais do que o normal a ler este livro, não que não estivesse a gostar, mas sim porque ando menos concentrada na leitura e, para ajudar, as alergias primaveris deixam-me meia zombie. :/

Não sei bem o que dizer acerca do O Livro das Ilusões, pois é mais do que um simples livro que conta a história de David Zimmer, um professor escritor (ou vice-versa) e Hector Mann, um actor de filmes mudos.
David Zimmer volta a rir, com os filmes cómicos de Hector Mann, depois de ter perdido a mulher e os dois filhos num trágico acidente de avião. Deprimido e completamente perdido, agarra-se aos filmes de Hector e decide escrever um livro sobre eles. Dá desta forma sentido à sua vida, esquecendo por momentos a dor que sente pela perda da família e a culpa que carrega com ele.
Hector Mann, um actor cómico de filmes mudos, dono de um bigode com personalidade própria, era um jovem com uma carreira promissora no mundo do cinema até ao dia em que desapareceu misteriosamente para nunca mais ser visto.
Sobre Hector mais não posso dizer para não revelar demasiado, basta apenas acrescentar que, quando Hector entra na vida de David, passaram-se já mais de sessenta anos desde o seu desaparecimento e já ninguém se lembra dele e do seu prodigioso bigode.
Alma é uma mulher com uma marca de nascença que lhe divide o rosto ao meio, de um lado a perfeição, do outro aquilo que ela considera ser uma janela aberta para a sua alma. É através dela que vamos conhecendo a história por detrás do desaparecimento de Hector e, é por causa dela que assistimos ao renascimento de David.

Basicamente a história é esta. Não acho que me deva alongar muito mais porque é, como disse um livro difícil de descrever.
Senti em cada frase a possibilidade de n interpretações e, em todas elas um significado mais profundo. As histórias, mais ou menos paralelas, dos filmes de Hector Mann são mais do que meras descrições, são uma forma de conhecermos as personagens e os seus medos.
Um dos filmes referidos no livro, o The Inner Life of Martin Frost, acabou mesmo por saltar para a realidade, realizado pelo próprio Paul Auster e co-produzido por Paulo Branco, tendo sido filmado em Portugal, em Azenhas do Mar, Sintra.

Não é um livro alegre, embora fale de filmes cómicos, é um livro repleto de contratempos e reviravoltas iguais aos que a vida nos reserva. Quando achamos que a vida já não vale a pena, eis que esta nos dá uma nova oportunidade. Quando achamos que tudo se resolverá, eis que a ela nos troca as voltas novamente. No fim, o que fica é que desistir não pode nem deve fazer parte do nosso vocabulário porque, sabe-se lá o que nos reserva o dia de amanhã. :)
Gostei muito da escrita do Paul Auster e vou, de certeza ler mais livros dele. E, já agora os agradecimentos a quem de direito, ao Manuel Cardoso do blogue Os Meus Livros, pela sugestão.

Continuação de boas leituras! ;)

maio 09, 2010

Estorvo - Chico Buarque


"Chico Buarque, compositor, cantor, poeta, escritor e dramaturgo é uma das figuras mais populares da cultura brasileira. Conhecido pelas suas canções, é no entanto um ficcionista de indiscutível talento. Narrativa simultaneamente poética e alucinante, Estorvo constitui uma grande metáfora do Brasil e porventura do mundo contemporâneo. Uma das mais sólidas obras da literatura brasileira dos últimos tempos, e um livro de grande sucesso em Portugal."



Primeiro livro que leio do Chico Buarque e, embora não o tenha achado extraordinário deixou-me com vontade de ler outros dele. Mais do que da história, gostei da escrita, é próxima e permite uma leitura muito serena e tranquila, embora a história não o seja.

O livro fala-nos de um homem de quem nada sabemos, nem o nome e, de quem a história não irá revelar muito mais. O livro é uma sequência de acontecimentos por onde este homem vagueia de forma quase fantasmagórica e aparentemente sem qualquer lógica, como que perdido dentro de um sonho do qual não consegue despertar. Todas as acções dele são estranhas e todos os sítios por onde passa são bizarros e repletos de personagens estranhas e desconcertantes.
Tudo começa quando um homem de fato e gravata toca à campainha do nosso homem sem nome. Ele não o conhece, não faz ideia do que está ali a fazer mas, como não conhece ninguém que use fato e gravata, acha que não pode ser coisa boa e foge. Assim, sem mais nem menos, espera que ele se vá embora e sai de casa para não mais voltar.
O resto do livro é uma viagem repleta de regressos a sítios esquecidos há muitos anos, de reencontros embaraçosos e de recordações que sentimos serem dolorosas mesmo não sabendo o porquê. Este homem é extremamente solitário, preso a uma vida que parece não compreender e da qual percebe cada vez menos. Nunca percebemos porque faz o que faz, porque decide fugir, porque decide roubar a irmã, porque fala constantemente de uma mãe que parece não existir a não ser na cabeça dele e porque é que ao ao longo do livro ele vai parecendo cada vez menos real. Estará a enlouquecer? Será ele real? Não sabemos, e a verdade é que a história está escrita de uma maneira tal que isso não importa. O que se retira da história são sentimentos. Sentimentos que eu identifico com a alienação que vivemos hoje em dia, afastados das pessoas que nos amam e que magoamos sem querer, inseridos numa sociedade cada vez mais violenta, exigente e corrupta.
Ele vê-se envolvido em algo que não pediu mas que também não repeliu. A mente dele é uma confusão permanente e temos dificuldade em distinguir o que está realmente a acontecer daquilo que apenas está na cabeça dele. Vive cheio de remorsos e tem pavor de enfrentar e assumir as responsabilidades pelo que fez no passado.

No início achei o livro difícil e confuso. Estava a gostar da escrita mas a história estava-me a deixar baralhada. No início este homem pareceu-me demasiado esquisito para me prender à história mas, à medida que ele vai ficando cada vez mais perdido, comecei a gostar muito de ler. A páginas tantas sentimos uma inevitabilidade na vida deste homem sem nome, como se nada do que ele fizesse pudesse parar o decorrer dos acontecimentos, ele é cada vez mais um espectador na sua própria vida, uma marioneta.
O facto de o Chico Buarque conseguir fazer passar com as palavras sentimentos tão complexos é de louvar e, o livro vale por isso, pela força que se sente em cada palavra e frase escrita.

Vale a pena ler, mas por favor façam-no numa edição de qualidade. Esta tinha gralhas imperdoáveis por serem escandalosamente fáceis de detectar e, se calhar até de corrigir. Em todo o livro, nas palavras com "ó" este aparece substituído por um "ú" e vice-versa. Por exemplo, em todo o livro "último" é "óltimo", "dúvida" é "dóvida" e "ónibus" à vezes é "únibus"... Mais para a frente, também os "É" passam a ser "Ú"... Porquê?! Não faço ideia, mas acho estranho porque esta edição, da revista Visão, não deixa de ser uma edição Dom Quixote. Quer isto dizer que o livro "oficial" da Dom Quixote também está cheio destas gralhas?! É óbvio que não. Mas, então como é possível que fazer uma edição mais barata altere a grafia do que já está bem escrito?! Não percebo...

Queria só dizer, para terminar, que é ao ler livros de autores lusófonos que me apercebo da inutilidade do acordo ortográfico na literatura. A língua portuguesa é tão mais rica desta forma. Eu pelo menos vivo bem com as diferenças. E gosto delas! :)