"Nesse Domingo, à tarde, apareceu Eibi. Também ela parecia ter perdido a graça de outrora. Os cabelos loiros estavam baços e os olhos azuis fundos e pisados. As calças que vestia eram largas e a blusa, aos quadrados, demasiado masculina. Mesmo assim, noutros tempos, teria provocado uma dúzia de torcicolos no aquartelamento. Mas ela entrou e tudo pareceu natural. E, até, ao alferes lhe pareceu natural levá-la para o quarto e despi-la sem palavras. E, em seguida, possuí-la, com desespero e raiva, debruçado sobre a secretária metálica, as pernas flectidas como um animal, enquanto ela chorava, em silêncio, a dor dos últimos dias."
Foi durante as minhas deambulações pelo site da Saída de Emergência que tomei conhecimento deste escritor português premiado, com este mesmo livro, com o "Prémio Literário Cidade de Almada" em 2006. Aproveitando uma daquelas promoções 2=3 da editora mandei vir este livro, por me parecer suficientemente interessante.
O alferes Ferreira é o comandante do Destacamento 343, enviado numa missão de reconhecimento e mapeamento da região de Kimbali, Moçambique, onde uma guerrilha de turras se instalara há mais de três anos. O Destacamento é enviado para o local sem saber muito bem ao que vai. As ordens superiores vão chegando a conta-gotas sem que se vislumbre qual será o objectivo das mesmas. O alferes Ferreira é um militar honesto, trabalhador e respeitado pelas suas tropas. Chegados a Kimbali deparam-se com uma zona aparentemente pacífica onde a comunidade vive, de certa forma, afastada da guerra que assola o país. Em todo o tempo de permanência na região o contacto com elementos da guerrilha é nulo, como se eles não existissem. Nem mesmo quando a grande ofensiva, Operação Nó Górdio, é lançada há qualquer sinal de vida dos temidos guerrilheiros.
O chefe máximo da comunidade é o Chefe de Posto, um representante da metrópole portuguesa na região. Homem de trato afável, é ele quem controlo tudo na região, demonstrando desde início que não é apenas aquilo que aparenta, escondendo alguns segredos. É com certo orgulho que informa o alferes Ferreira que não tem problemas com a guerrilha instalada na outra margem do rio Kimbali. Fica incomodado pela presença dos militares, mas depressa encontra formas de beneficiar com isso, ou não fosse ele um verdadeiro político. É dele esta ideia: "Meu caro comandante, há muito tempo que aprendi uma coisa muito simples: nas relações humanas, o que verdadeiramente conta são os interesses. E um bom político é aquele que consegue conciliar o máximo de interesses individuais e transformá-los em interesses comuns. A isso é que chamo o verdadeiro interesse público." :)
A sua morte, ou assassinato, é anunciada logo no prólogo, "O chefe do posto moreste...!", pelo moleque Formiga. O livro vai desvendando o que se passou antes, guiando-nos até ao trágico fim do Chefe do Posto.
Embora a curiosidade em querer saber quem será responsável pela morte do Chefe do Posto esteja sempre presente, o livro não vive apenas disso. É um livro sobre os homens que fizeram a guerra colonial. Sobre os milhares de homens, muitos deles ainda uns miúdos, analfabetos, que morreram em nome de uma pátria que amavam mas que não compreendiam e que os esquecia. Morreram lutando numa guerra que não sentiam como sua, sem glória e sem reconhecimento.
É um livro sobre as relações que se criam em situações difíceis, sobre o amor mas é sobretudo sobre os esforços que se fazem para se manterem as aparências; o general que na metrópole anunciava que a guerra estava ganha quando se perdiam batalhas atrás de batalhas e homens atrás de homens; o pai que afinal era tio e o marido que afinal era cunhado ou primo; morria-se em serviço e não por incompetência ou por simples azar. Nesse sentido o livro é muito interessante.
De uma forma geral gostei do livro, está bem escrito e a história é interessante, embora não traga nada de muito novo. No início torna-se fastidioso estar sempre a consultar as notas de rodapé, que não estão no rodapé mas sim no fim do livro, pois ele usa muitas expressões africanas, à semelhança de autores como o Pepetela e o Mia Couto. Equanto lia lembrou-me muito o Pepetela, não sei se é uma referência para o E. S. Tagino (pseudónimo literário de António José da Costa Neves) mas a escrita pareceu-me semelhante. Mais limpa e menos rica, mas de certa forma semelhante.
Como fiquei com vontade de ler outros livros dele, sobre outros temas, acho que se pode dizer que é um livro recomendado, se vos interessar o tema da guerra. :)