novembro 18, 2021

A Menina que Roubava Morangos - Joanne Harris

Título original: The Strawberry Thief
Ano da edição original: 2019 
Autor: Joanne Harris
Tradução: Ana Saldanha
Editora: Porto Editora

"O coração de Vianne Rocher, a encantadora e inquieta maga do chocolate, parece ter finalmente serenado. A vila de Lansquenet-sous-Tannes, que em tempos a rejeitou, é agora o seu lar. Com a filha mais velha, Anouk, a viver em Paris, Vianne dedica-se por inteiro à chocolaterie e a Rosette, a filha mais nova, a sua menina "especial". A acompanhá-las estão os seus amigos do rio, os extravagantes vizinhos, e o circunspecto padre Reynaud. Mas o vento, quando sopra, traz sempre mudanças… E estas começam com a morte de Narcisse, o temperamental florista. A vila fica em alvoroço pois Narcisse deixa não só uma surpreendente herança a Rosette, mas também uma inesperada confissão.
Nada voltará a ser como dantes. E quando uma loja nova abre onde antes se dispunham as magníficas flores de Narcisse, tudo parece um prenúncio de algo: um confronto, alguma turbulência, ou talvez até… um crime? Conseguirá Vianne impedir que o vento leve tudo o que lhe é mais querido?
Há magia no ar. Há luz e sombra. Vingança e amor. Vinte anos depois da publicação de Chocolate, Joanne Harris regressa à pitoresca vila francesa num romance sobre a força do passado, o poder da memória e a aceitação das marcas que a vida deixa em nós."

Sinto saudades de um livro de Joanne Harris que me encha as medidas. Não consigo sentir muito interesse pelo que se passa na vida de Vianne porque sempre a achei uma chata, mascarada de excêntrica. É chata, é aborrecida e desinteressante.

Vianne está, neste livro, particularmente parva e incoerente. No entanto, o maior protagonismo de Rosette acaba por tornar o livro menos aborrecido e menos óbvio, porque Rosette é uma miúda especial, mesmo para os padrões da família Rocher. É mais complexa, mais densa e perspicaz. É uma miúda inteligente e destemida, com vontade de viver a própria vida sem medos e limitações.

A Menina que Roubava Morangos não deixa, no entanto, de ser mais do mesmo. A mudança do vento, a chegada de uma estranha irresistivelmente sedutora, que ameaça a paz e o sossego dos habitantes de Lansquenet-sous-Tannes, e em particular, parece ameaçar tudo o que Vianne conseguiu alcançar e que ama na sua vida.

Por mais que me custe, não sei se voltarei a ler mais algum livro da Joanne Harris que inclua a Vianne Rocher. Conhecendo todos os outros livros dela e todas personagens femininas que já criou, sei do que ela é capaz e, por isso, tenho muita dificuldade em gostar de Vianne e em reconhecer-lhe as qualidades que me levariam a querer saber mais sobre a sua vida.

Recomendo, para quem gosta do universo Vianne Rocher. Para quem nunca leu Joanne Harris, acho que deveriam começar por qualquer outro, fora da saga Vianne. 

Boas leituras! 

Excerto (pág. 144):

"Voltei para a chocolaterie invadida por uma profunda sensação de  inquietude. Morgane ficou a observar-me da porta, com as suas calças pretas largas a esconder aqueles pés perturbadores. O que quer que fosse que os antigos Chineses acreditassem, não tenho razão para pensar que há algo de maléfico em Morgane; e, no entanto, tudo nela me deixa inquieta. A sua chegada, na mudança do vento. As cores à volta da entrada da loja dela. A maneira como Rosette se sentiu atraída para ela apesar dos meus avisos de que devia manter-se afastada. E, agora a conversa dela sobre os Maias parece demasiado a propósito para ser uma coincidência."

novembro 14, 2021

A Infância de Jesus - J. M. Coetzee

Título original: The Childhood of Jesus
Ano da edição original: 2013
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações Dom Quixote

"Depois de cruzarem oceanos, um homem é um rapaz chegam a uma nova terra. Recebendo ali um nome e uma idade, são alojados num campo do deserto enquanto aprendem espanhol, a língua do novo país. 
Agora chamados Simón e David, dirigem-se ao centro de realojamento da cidade de Novilla, onde os funcionários são corteses, mas não necessariamente prestáveis. Simón assume então a incumbência de localizar a mãe do rapaz. Embora, como todos os que chegam a este novo país, pareça estar completamente limpo de todos os vestígios de recordações, tem a convicção de que a reconhecerá quando a vir. E , de facto, ao passear pelo campo com o rapaz, Simón vislumbra uma mulher que tem a certeza tratar-se da mãe dele, persuadindo-a a assumir esse papel. E será a nova mãe de David a aperceber-se de que está é uma criança excecional, um rapaz inteligente e sonhador, com ideias muito invulgares sobre o mundo. As autoridades académicas, porém, detestam nele um traço de rebeldia e obstinam-se em que ele seja enviado para uma escola especial distante. A mãe recusa-se a entregá-lo, e é Simón que terá de conduzir o automóvel durante a fuga do trio pelas montanhas. 

A Infância de Jesus é um belo e profundo romance, sempre surpreendente, assinado por um esplêndido escritor. "

Tinha algumas expectativas quando peguei neste livro para ler. Gostei de tudo o que li de J. M. Coetzee e por isso, quando comecei a ler A Infância de Jesus, e a primeira impressão foi de estranheza, fiquei preocupada.
A verdade é que estranhei um pouco a história, as personagens e a dinâmica entre elas. Estranhei o ritmo. Houve momentos em que pensei que não estava a gostar muito, e outros em que me consegui embrenhar em tudo aquilo.
Acabei por ler o livro em muito poucos dias, o que hoje em dia é uma raridade e, terminado o livro, gostei bastante. É um pouco diferente dos outros que li dele, achei-o original, gostei das personagens e da forma como nos permite refletir sobre algumas questões que, enquanto sociedade, devíamos todos refletir.

De uma forma muito resumida, não querendo repetir ou acrescentar mais ao muito que já é dito na sinopse, A Infância de Jesus conta-nos a história de um homem e de uma criança, que chegam juntos a Novallis. O homem não é familiar da criança, não o conhecia até há pouco tempo e não sabe o nome dele. Aliás, nenhum dos dois tem memória da sua vida passada, algo que parece ser uma consequência da viagem que todos fazem até ali, uma espécie de preço a pagar para poderem entrar e ficar em Novallis porque, "não há mais nenhum sítio para estar a não ser aqui." Por isso, na verdade, nenhum dos dois sabe como se chama e os seus nomes e idades foram escolhidos no centro de onde vieram antes de poderem avançar para Novallis.
 
Simón fica como responsável por David, a quem prometeu que iria encontrar a mãe, embora não saiba o nome dela, nunca a tenha visto e o rapaz não se lembre dela. No entanto, Simón tem a certeza que quando a vir vai saber que é ela.

Novallis não é uma cidade normal, parece que estamos, de alguma forma, a viver numa espécie de distopia. As pessoas são todas muito simpáticas, mas não são particularmente disponíveis e prestáveis. Não parecem genuinamente interessadas em ninguém ou por nada. São burocráticas, vivem de acordo com as regras e não as questionam. Não parecem precisar de mais nada, não criam novos laços e já perderam a memória dos laços que existiam antes de lhes ser dada a oportunidade de viverem em Novallis.
David é um miúdo inteligente que questiona tudo e todos, principalmente a autoridade e, começa a destacar-se num meio onde todos obedecem.

Não existe propriamente uma autoridade repressiva ou autoritária que incute o medo. É mais uma espécie de apatia que parece estar entranhada em todos os habitantes de Novallis. Não há uma proibição de questionar nem existe violência ou reações extremadas. As crianças vão à escola e os adultos trabalham, em qualquer coisa, para poderem comprar comida e ter um sítio onde morar. Mais nada.

Trabalham sem que exista um objetivo definido no trabalho que desenvolvem. Simón arranja trabalho nas docas na descarga de mercadoria e, passado uns tempos apercebe-se de que tudo o que ele e os colegas descarregam não serve para nada, toda aquela carga é levada, por outros colegas, para um outro sítio nas docas e fica por lá sem qualquer serventia. 
Muita da nossa economia é exatamente isto: Consumir matérias-primas finitas, para produzir coisas que ninguém vai comprar ou que têm uma utilidade muito limitada e que acaba no lixo. Existem milhares, milhões de pessoas que se levantam todos os dias para passarem mais de metade do seu dia a produzirem algo que vai diretamente para o lixo. Trabalho inútil que só serve para dar trabalho, também ele inútil, ao próximo agente na cadeia de valor. E andamos todos, a correr atrás da própria cauda, preocupados em aumentar produtividade, em aumentar lucros, quando na realidade a grande maioria de nós está a trabalhar para produzir lixo... É angustiante... 

Gosto muito de J. M. Coetzee. Para além de falar em assuntos que, de uma forma geral, são pertinentes, há uma leveza na escrita e na forma como nos conta uma história que faz com que tudo nos pareça muito próximo.
A Infância de Jesus não fugiu à regra. Primeiro estranhei, é verdade, mas depois entranhou de tal forma que já comprei o segundo volume, Jesus na Escola, da trilogia, que fecha com A Morte de Jesus.

Recomendo, sem qualquer hesitação.

Boas leituras.

Excerto (pág. 28):

" - Para que é que estamos aqui, Simón? - pergunta baixinho. 
 - Já te disse: estamos aqui só por uma ou duas noites, até encontrarmos um sítio melhor para ficarmos.
 - Não, o que eu quero dizer é porque é que estamos aqui? - o seu gesto abarca o quarto, o Centro, a cidade de Novilla, tudo. 
 - Tu estás aqui para encontrar a tua mãe. E eu estou aqui para te ajudar. 
 - Mas depois de a encontrarmos, para que é que estamos aqui? 
 - Não sei o que dizer. Estamos aqui pela mesma razão pela qual todas as outras pessoas estão. Deram-nos uma possibilidade de viver e nós aceitámos essa possibilidade. É uma grande coisa, viver. É a maior de todas as coisas. 
 - Mas temos de viver aqui? 
 - Aqui em vez de onde? Não há mais nenhum sítio para estar a não ser aqui. Agora fecha os olhos. São horas de dormir. "