fevereiro 25, 2017

[Filme] Batalha Incerta


Título Original: In Dubious Battle
Realização: James Franco
Duração: 1h50min
Origem: EUA

Sinopse:
In the California apple country, nine hundred migratory workers rise up "in dubious battle" against the landowners. The group takes on a life of its own-stronger than its individual members and more frightening. Led by the doomed Jim Nolan, the strike is founded on his tragic idealism-on the "courage never to submit or yield." Published in 1936, In Dubious Battle is considered the first major work of Pulitzer Prize-winning author John Steinbeck.

In Dubious Battle - Batalha Incerta. O filme baseado na obra-prima e homónima, de John Steinbeck. 

Não será o melhor filme de 2017, mas é um filme que vale a pena ver pela história e pelo facto de ser baseado no livro de um escritor único e inigualável que nunca desilude.

Trailer:


O Homem Suspenso - João de Melo

Título original: O Homem Suspenso
Ano da edição original: 1996
Autor: João de Melo 
Editora: Círculo de Leitores

"João de Melo, natural dos Açores e nascido em 1949, é autor do muito premiado Gente Feliz com Lágrimas. Em O Homem Suspenso apresenta uma apaixonante análise e reflexão sobre a identidade portuguesa, construindo e desconstruindo os valores e hábitos identitários portugueses, quer através da descrição dos longos passeios numa Lisboa que tem tanto de bela e imponente como de paradoxalmente anacrónica, quer nas considerações ponderadas do seu narrador. O Homem Suspenso é indiscutivelmente um romance essencial na carreira de João de Melo, e uma obra obrigatória em qualquer biblioteca."

O Homem Suspenso é um livro um pouco estranho e tenho alguma dificuldade em escrever sobre o que li. Não sei onde é que li que o livro fazia uma reflexão sobre a identidade portuguesa após a entrada na C.E.E.. Fiquei com a ideia de que o livro seria diferente e enquanto o lia dei por mim a pensar que tinha muito pouco a ver com a entrada do país na Comunidade Económica Europeia, ou pelo menos assim me pareceu.

João de Melo tem uma escrita muito bonita, não me ocorre outra palavra que descreva a forma como ele conta as suas histórias. O Homem Suspenso não é muito diferente, nesse sentido.
O Homem Suspenso narra a história de um homem (não me recordo se alguma vez nos dizem como se chama), professor universitário, casado com Carminho, a quem traiu alguma vezes durante os anos em que esteve casado com ela.
A história é narrada na primeira pessoa e começa com este homem a vaguear por Lisboa, confuso e meio perdido, sem saber para onde ir nem o que fazer. Surge-nos como um homem a quem foram retiradas todas as certezas, tudo aquilo que sempre teve como garantido parece ter desaparecido. Quem ele achava que era, o que ele achava que tinha e tudo aquilo sobre o qual foi construindo a sua vida, parece ter deixado de fazer sentido.
Carminho terminou o casamento de anos e pediu-lhe que saísse de casa. Sem qualquer hesitação, drama ou rancor, pediu-lhe que se fosse embora porque "Creio, porém, ela deixou de viver-me; que desistiu de amar-me com amor".
É depois deste desfecho inesperado que se inicia a narrativa de O Homem Suspenso que, depois de dormir no carro, inicia uma viagem por uma Lisboa ainda meio adormecida, acompanhado apenas por um cão vadio que o conquistou na sua recente e desconhecida solidão e que nunca mais perdeu de vista.

A mim, O Homem Suspenso, pareceu-me uma reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida e o impacto que as mesmas têm em quem nos rodeia e em quem, supostamente, nos é mais próximo. É uma reflexão sobre as relações que vamos criando ao longo da vida e que nem sempre sabemos manter. É uma reflexão sobre o crescimento e a imagem que temos de nós próprios e que, muitas vezes, parece estar desfasada da realidade.

Se tem alguma coisa a ver com a entrada de Portugal na C.E.E.? Talvez, metaforicamente, o país possa ser O Homem Suspenso, um pouco perdido a tentar encontrar o seu próprio caminho, numa estrada completamente estranha, cheia de perigos, mas também repleta de oportunidades e de escolhas. :)

Boas Leituras!

Excerto (pág. 78):
"Todavia o que vai dentro de si é como um grito e um sufoco. Um grito de protesto e indignação, um sufoco de misericórdia ou pena a seu respeito.Pudesse ele chorar, dir-lhe-ia agora tudo o que sempre se esqueceu de lhe dizer chorando. Se pudesse enlouquecer, rir-se-ia alto, correria de braços erguidos pela casa fora, aos gritos, tenebroso perdido alucinado, protestando amá-la mais do que à própria vida. Sair de casa, expulso por ela, eis o infinito absurdo o ridículo o dado precioso e inexplicável da sua tragédia. Em vez do corpo de um homem vivo, sairão daqui para a morgue a chama o fogo e a cinza do seu espírito. A sua natureza. O reino a que pertence, também. Como ele muito bem sabe, como ela sempre soube, como ela nunca deixará de saber."

fevereiro 17, 2017

Gente Pobre - Fiódor Dostoiévski

Título original: Bédnie Liúdi
Ano da edição original: 1866
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradução do Russo: Nina Guerra e Filipe Guerra
Editora: Editorial Presença

"Gente Pobre marca a estreia de Dostoiévski na literatura, em 1846, e estabelece desde logo os fundamentos para uma abordagem social, psicológica e profundamente corrosiva da compreensão humana. A análise pormenorizada das personagens e suas convicções, enquadradas por um pano de fundo de crítica subtil, ganha em Dostoiévski uma força e um poder imagéticos que extravasam as páginas dos seus livros. Em Gente Pobre, o autor transporta-nos para um dos bairros mais miseráveis de São Petersburgo, onde um funcionário de meia-idade troca correspondência com uma jovem costureira. Demasiado pobres para se casarem, o seu amor passa todo e apenas por cartas mantidas ao longo do tempo, que reflectem a cruel realidade do quotidiano passado num ambiente de extrema precariedade. Uma leitura incontornável para quem sinta curiosidade pelo universo dostoievskiano."

Gosto de escritores russos, e particularmente de Dostoiévski. Gente Pobre é conhecido como sendo a sua primeira obra publicada e, embora seja Dostoievski, não deixa de ser o primeiro livro de um jovem aspirante a escritor. Quero dizer com isto que não é espectacular, é antes uma obra interessante que vale a pena ler.

A história passa-se em São Petersburgo onde a pobreza e a falta de condições é de certa forma escondida, meio envergonhada.
Um homem de meia idade, trabalhador, não ganha o suficiente para alugar um quarto, o que ganha permite-lhe apenas alugar uma cama, na cozinha de um apartamento.
Este homem está apaixonado por uma jovem mulher, órfã que vive com dificuldades. De saúde frágil, vai ganhando algum dinheiro com trabalhos de costura. Os dois moram perto um do outro, mas são raras as vezes em que se encontram. O livro é feito das cartas que trocam, diariamente, entre si. Nas cartas desabafam as suas misérias e as dificuldades que diariamente têm de enfrentar. Ele procura não a preocupar e gasta mais do que tem a satisfazer alguns dos desejos dela. Ela procura descansá-lo e desvalorizar as necessidades por que passa. Esta é uma relação que não é bem vista pelos outros. Um homem mais velho, pobre, a cortejar uma jovem órfã, educada mas pobre. São alvo de chacota e acabam eles próprios por não reconhecer, nem um ao outro, que o que sentem pode ser mais do que carinho e amizade.

Acaba por ser um livro triste. Duas pessoas procuram o apoio uma da outra, não sei se por amor ou por necessidade de sobrevivência, financeira e emocional. Duas pessoas que não têm mais nada no mundo, nem nada por que ansiar, com sonhos tímidos, como se não acreditassem verdadeiramente que as suas vidas poderiam melhorar, como se não tivessem o direito sequer a sonhar. É um livro triste.

Gente Pobre, como já disse, é interessante, e que vale a pena ler, por ser de Dostoiévski e por ser a sua primeira obra.

Boas leituras!

Excerto (pág. 14):
"Eu não estou zangado, meu amorzinho, isto é apenas um desgosto meu ao lembrar-me de tudo aquilo, um desagrado para comigo por lhe ter escrito de forma tão alambicada e estúpida. Hoje também fui para o serviço todo gabarola, de tal maneira o meu coração exultava. Estava, nem mais nem menos, com alma em festa; estava feliz! Lancei-me aos papéis com todo o zelo, mas o que resultou daí? Terminada a tarefa e olhando em volta, vi tudo como dantes: cinzento, escuro. As mesmas manchas de tinta, os mesmos papéis e mesas, eu próprio o mesmo, tudo tal como sempre foi; porquê então cavalgar Pégaso? E porque me aconteceu aquilo? Só porque brilhou o sol e o céu ficou azul... foi por isso? E que fragrâncias desencantei, se no nosso pátio, debaixo das janelas, acontece cada coisa! Só pode significar que foi por estupidez que imaginei tudo aquilo. Acontece às vezes que o homem se perde nos seus próprios sentimentos e se põe a disparatar. Não é mais do que o ardor exagerado e estúpido do coração. Não caminhei para casa, arrastei-me para casa; a cabeça começou a doer-me sem motivo; uma desgraça, como se sabe, nunca vem só. (Talvez fosse o vento que me esfriou as costas.) Feito parvo, ficara alegre com a Primavera e tinha ido para o trabalho com o capote leve. E a menina também se enganou quanto aos meus sentimentos! Percebeu o meu desabafo no sentido errado. Era o afecto paternal que me inspirava, pura e simplesmente, Varvara Alekséevna, porque, na sua orfandade amarga, eu ocupo o lugar de seu pai; (...)"