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maio 28, 2016

1Q84 - Haruki Murakami (vol.1, 2 e 3)


Título original: 1Q84
Ano da edição original: 2009-2010
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Maria João Lourenço e Maria João da Rocha Afonso
Editora: Casa das Letras

"Um mundo aparentemente normal, duas personagens - Aomame, uma mulher independente, professora de artes marciais, e Tengo, professor de matemática - que não são o que aparentam e ambos se dão conta de ligeiros desajustamentos à sua volta, que os conduzirão fatalmente a um destino comum. Um universo romanesco dissecado com precisão orwelliana, em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes.
Em 1Q84, Haruki Murakami constrói um universo romanesco em que se cruzam histórias inesquecíveis e personagens cativantes. Onde acaba o Japão e começa o admirável mundo novo em que vivemos? Uma ficção que ilumina de forma transversal a aldeia global em que vivemos."

"O Livro 1 revelou a existência do mundo de 1Q84. Algumas perguntas encontraram resposta. Outras permanecem em aberto: Quem é o Povo Pequeno? Como farão esses seres para abrir caminho até ao mundo real? Existirão mesmo?, como sugere Fuka-Eri. Chegarão Aomame e Tengo a reencontrar-se? «Há coisas neste mundo que é melhor nem saber», como diz o sinistro Ushikawa. Em todo o caso, o destino dos heróis de 1Q84 está em marcha. No céu, distinguem-se nitidamente duas luas. Não é uma ilusão. Murakami descreve aqui um universo singular, que absorve, que imita a realidade, e a faz sua. A narrativa decorre em dois mundos que se cruzam, qual deles o mais real e o mais fascinante - o de 1984 e o de 1Q84.
A perturbante história de um amor adiado, recortada num cenário marcado pelo desencanto e pela violência. Uma fábula sobre os dilemas do mundo contemporâneo. Murakami retrata o mal-estar da sociedade japonesa que se esconde por debaixo de uma aparente quietude."

"O Livro 3 revela o estilo forte e truculento de uma personagem única, Ushikawa de seu nome. A par de Tengo e Aomame, a voz da Ushikawa ecoa nas páginas do terceiro volume de 1Q84 e provoca as reações mais intensas. Amem-no ou detestem-no, mas deixem-no entregue à sua sorte. Tengo e Aomame continuam sem saber, mas aquele é o único lugar perfeito no mundo. Um lugar perfeitamente isolado e, ao mesmo tempo, o único que escapa às malhas da solidão.
Este mundo também deverá ter as suas ameaças, os seus perigos, claro, e estar cheio dos seus próprios enigmas e de contradições. Mas não faz mal. A páginas tantas, é preciso acreditar. Sob as duas luas de 1Q84, Aomame e Tengo deixam de estar sozinhos... Inspirado em parte no romance 1984, de George Orwell, 1Q84 é uma surpreendente obra de ficção, escrita de forma poderosa e imaginativa - a um tempo um thriller e uma tocante história de amor.
Murakami continua a provocar o espanto e a emoção, comunicando com milhões de pessoas de todas as idades, espalhadas pelo mundo inteiro. Ao pousar este livro, quantos leitores não se sentirão desafiados a ver o mundo com outros olhos?"

Haruki Murakami é um extraordinário contador de histórias e é muito bom a criar mundos estranhos, personagens caricatas e vidas impossíveis. 1Q84 é mais uma prova desta habilidade do escritor japonês.

Aomame é uma jovem solitária, com um talento especial e Tengo que, em criança, era um prodígio da matemática, em adulto deseja ser escritor. 
Aomame e Tengo conhecem-se na escola, ela uma menina esquisita, filha de pais religiosos, com uma educação muito rígida. Ele, um menino inteligente, fisicamente imponente, filho de um cobrador da NHK, a televisão pública lá do sítio. Ambos são miúdos diferentes dos outros. Ela é obrigada a andar com a mãe, aos fins-de-semana a pregar a palavra de Deus, todos os dias tem de rezar em voz alta em frente aos colegas na escola e é, naturalmente gozada por toda a gente. Ele é arrastado pelo pai todos os domingos para irem de porta em porta cobrar a taxa da NHK, devida por todos os cidadãos que tenham televisão. Goza de alguma popularidade na escola mas não se pode dizer que tenha amigos. Um dia Aomame, que nunca dirigia a palavra a ninguém, agarra a mão de Tengo e sem pronunciar uma única palavra entrega o seu coração a Tengo e leva consigo o do menino.
Nunca dirigiram a palavra um ao outro, nunca mais voltam a olhar um para o outro e um dia ela muda de escola e nunca mais se veem. No entanto nem um nem outro se esquecem do dia em que Aomame segurou a mão de Tengo.

Passam-se anos e os dois meninos cresceram. Ela é instrutora num ginásio, ele professor de matemática e aspirante a escritor. Passados tantos anos, e sem nunca se terem voltado a ver, amam-se. Aomame tem a certeza de que um dia voltará a encontrar Tengo, no entanto sente que não deve forçar esse encontro, não deve procurá-lo. O reencontro deles deve ser o mais inesperado e espontâneo possível. Aomame sabe desde sempre que o ama e que nunca deixará de o amar. Sente-se de certa forma sortuda por sentir o que sente por Tengo, por ser capaz de amar, por ter alguém no mundo por quem era capaz de tudo. 
O amor de Tengo por Aomame não é algo tão consciente. Tengo é mais passivo com relação a tudo o que diga respeito à sua vida, embora nunca tenha esquecido a menina e pense nela muitas vezes, nunca pensou em procurá-la, nunca achou que poderia fazê-lo. Só quando ela, de forma inesperada volta a entrar na vida dele é que se apercebe que a ama, que a ama desde o dia em que ela lhe deu a mão e o olhou. Percebe que nunca mais a quer perder de vista.
Um dia Aomame desce umas escadas, numa autoestrada, e entra num mundo que, embora se pareça muito com o que ela conhece não é bem igual. Ela chama-lhe 1Q84. Em 1Q84 existem duas luas no céu, criaturas misteriosas designadas por Povo Pequeno e que criam crisálidas de ar, de onde com a ajuda da mã se cria uma nina, uma espécie de alter-ego da menina que é visitada pelo Povo Pequeno e que com eles constrói as crisálidas de ar. Confuso? Não, é Murakami. :)
Tengo também acaba por ir parar a 1Q84, sem saber muito bem como. Terá sido quando reescreveu a história de Fuka-Eri? Será que ao reescrever a história 1Q84 passou a ser uma realidade paralela, que o vai permitir encontrar Aomame?

Julgo que não vale a pena entrar muito mais na história. Três volumes de Murakami dariam para duas teses de mestrado e não é esse âmbito deste cantinho. 1Q84 fala de muita coisa. Fala de violência sobre mulheres e crianças. Fala de religião e da forma como ela pode mudar a vida de uma pessoa, de uma comunidade e até do mundo inteiro. 1Q84 fala de fanatismo e de obsessão. Fala de solidão, de injustiça, de vingança e de dor. 1Q84 fala de amor. Amor entre um homem e uma mulher, amor entre um filho e um pai, amor entre uma mãe e um filho e fala de perdão, de aceitação e de perseverança.

De uma forma geral gostei dos livros, não acho que sejam os melhores que já li dele, no entanto é uma história à Haruki Murakami, com todos os seus defeitos e muitas qualidades e com todos os seus fetiches (qual é que é cena dele com orelhas?) :)
Gostei das personagens e gostei da história e do ambiente criado à volta da história.
Pontos menos positivos, acabei por não perceber qual a relação com o 1984 de Orwell e talvez seja um tudo ou nada extenso demais.

Não posso não recomendar Haruki Murakami, por isso leiam. Um conselho, leiam os três volumes de seguida. Na realidade são uma história apenas e nenhum deles faz muito sentido sem os outros.

Boas leituras!

Excerto (pág. 253 vol.I):
"Então, um belo dia, a menina agarrou a mão de Tengo. Era uma tarde de sol, nos primeiros dias de Dezembro. Do outro lado da janela, o céu estava límpido e via-se uma nuvem branca e plana. Por mera coincidência, depois da limpeza da sala de aulas, ela e Tengo haviam ficado sozinhos. Não havia mais ninguém. Em passo ligeiro, como se estivesse decidida a qualquer coisa, ela atravessou a sala em direcção a Tengo. Sem hesitar, agarrou a mão dele, ergueu os olhos e olhou-o de frente. (Tengo era dez centímetros mais alto.) Ele também olhou para ela, apanhado de surpresa. Os seus olhares encontraram-se. Tengo logrou captar nos olhos dela uma profundidade transparente que nunca vira antes. A rapariga ficou durante muito tempo em silêncio, sempre agarrada à mão dele. Com força, sem deixar por um instante de fazer pressão. Às tantas, soltou-a de repente e saiu da sala de aulas disparada, com a saia a dar, a dar."

abril 21, 2013

Norwegian Wood - Haruki Murakami

Título original: ノルウェイの森 (Noruwei no mori)
Ano da edição original: 1987
Autor: Haruki Murakami
Tradução do Inglês: Alberto Gomes
Editora: Civilização Editora

"Ao ouvir a sua música preferida Beatles, Norwegian Wood, Toru Watanabe recorda-se do seu primeiro amor, Naoko, a namorada do seu melhor amigo Kizuki. Imediatamente regressa aos seus anos de estudante em Tóquio, à deriva num mundo de amizades inquietas, sexo casual, paixão, perda e desejo – quando uma impetuosa jovem chamada Midori entra na sua vida e ele tem de escolher entre o futuro e o passado."

Norwegian Wood é uma música do Beatles, uma das preferidas de Naoko e que despoleta a torrente de memórias em Toru Watanabe, anos mais tarde, sempre que a ouve. São essas memórias e a história que envolve estes dois adolescentes, na altura, que Haruki Murakami se propõe partilhar connosco.

Quando Toru conhece Naoko esta é a namorada de Kizuki, o seu melhor e único amigo. Kizuki funciona como o núcleo agregador do trio mantendo-o unido. Quando Kizuki, com dezassete anos e sem que nada o fizesse prever, se suicida, deixa a namorada e o melhor amigo sozinhos e perdidos. Naoko e Toru perdem o contacto, a relação dos dois sem Kizuki não parece fazer muito sentido. Anos mais tarde os dois voltam a encontrar-se, por acaso, e reatam a amizade.
Toru está na faculdade, não é a pessoa mais sociável do mundo, sendo, no entanto uma pessoa extremamente equilibrada e madura. No dia em que Kizuki morreu, houve algo que se quebrou dentro dele, algo que nunca voltou a recuperar, mas conseguiu, de alguma forma, seguir com a  sua vida e, embora não seja um estudante típico vai vivendo o dia  a dia de acordo com aquilo em que acredita.
Naoko conhecia Kizuki quase desde que nasceram, o terem-se tornado namorados foi algo natural e para eles quase inevitável. Quando Kizuki morre, Naoko perde-se para o mundo, e a sua já frágil saúde mental degrada-se, torna-se uma espécie de espectro com dificuldade em comunicar, em falar, escrever ou em expressar-se. Quando reencontra Toru sente, pela primeira vez em anos, reacender-se a vontade de viver, de ser compreendida e amada. É difícil mas parece estar disposta a tentar e Toru parece disposto a ajudá-la. Gosta dela e assume naturalmente a missão de ajudá-la a manter-se ligada à vida e a fortalecer esta ligação. Afinal ambos perderam algo com a morte de Kizuki, só os dois se podem ajudar um ao outro.
Por muito amor que existisse, entre os dois, desde o princípio que temos dificuldade em acreditar num final feliz para estes dois. Por muita boa vontade que exista, não passam de dois jovens, acabados de ser largados no mundo, às portas da idade adulta, e os traumas e as feridas com que têm de lidar são um fardo demasiado grande para qualquer um deles.
Naoko, num dos seus períodos mais negros decide afastar-se e internar-se numa instituição para pessoas que, não sendo loucos, são pessoas que em determinada altura das suas vidas perderam alguma capacidade de se manterem socialmente capazes e integradas. Toru é deixado novamente sozinho e a sofrer com a distância e falta de notícias de Naoko. É nessa altura que conhece Midori, uma rapariga cheia de vida, descontraída também ela com uma história familiar complicada, mas que consegue manter a sanidade. Midori é a antítese de Naoko, as duas são como o dia e a noite. Inicialmente Midori é apenas uma amiga para Toru, alguém com quem gosta de passar o tempo e com quem se identifica. Só se apercebe dos seus verdadeiros sentimentos quando quase a perde. Toru fica destroçado porque não era suposto apaixonar-se por outra pessoa. Encara o que sente por Midori como uma traição a Naoko e aos projectos que tinha traçado para os dois.
É como diz a sinopse, uma escolha entre o passado e o futuro, escolha que acaba por ser facilitada pelo destino...

Este é um livro triste, com muita dor e muitas cicatrizes mal saradas. A morte é uma constante ao longo de todo o livro, mais como uma ameaça que paira sobre todos eles e que, de vez em quando, atinge efectivamente alguém.
Para mim é um livro que capta muito bem alguns dos aspectos mais sombrios da adolescência e do difícil que é crescer. Capta muito bem a confusão, o medo, a tensão sexual (fala muito de sexo) e aquela sensação que todos o adolescentes têm de que o mundo parece conspirar contra eles, seres incompreendidos.
Fala muito de suícidio e de perda. É por isso um livro triste, essencialmente triste.

Haruki Murakami mesmo quando não é genial é muito bom. É o que acontece com este Norwegian Wood, é bom mas a genialidade que Murakami imprime a quase todas as suas obras não é tão evidente.

Gostei e recomendo!

Excerto:
"A voz serena da Midori rompeu por fim o silêncio: - Onde estás agora?
Onde estava eu agora?
Afastei o auscultador, levantei a cabeça e virei-me para ver o que havia para lá da cabina telefónica. Onde estava eu agora? Não fazia ideia. Não fazia a mínima ideia. Que lugar era este? Tudo o que perpassava pelos meus olhos eram os inúmeros vultos de pessoas caminhando para algures. Eu chamava uma e outra vez pela Midori do centro morto deste lugar que não era lugar nenhum."

Gostava de ver o filme - Norwegian Wood - acho que, neste caso é capaz de ser uma mais valia para o livro:

fevereiro 25, 2011

Crónica do Pássaro de Corda - Haruki Murakami

Título original: Nejimaki-dori Kuronikuru
Ano da edição original: 1995
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Maria João Lourenço
Editora: Casa das Letras

"Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após um telefonema anónimo de uma mulher. Começam a aparecer personagens cada vez mais estranhas em seu redor e o real vai degradando-se até se transformar em algo fantasmagórico. A percepção do mundo torna-se mágica, os sonhos invadem a realidade, e pouco a pouco, Toru sente-se impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida.

Este livro conta com uma galeria de personagens tão surpreendentes como profundamente autênticas e, quase por magia, o mundo quotidiano do Japão moderno aparece-nos como algo estranhamente familiar.

Crónica do Pássaro de Corda, ao qual foi atribuído o Prémio Yomiuri, é considerado, por muitos, a obra-prima de Murakami."

O que dizer sobre este livro do Haruki Murakami? Só penso em palavras como extraordinário, fabuloso, intenso, grandioso, fascinante, surreal e outros adjectivos que tais. Mas conseguir verbalizar, expressar por palavras o porquê desses adjectivos afigura-se-me extremamente complicado de fazer, senão mesmo impossível. Ler Haruki Murakami é uma experiência tão pessoal e tão única que só quem já passou por ela a consegue compreender. É estranho, mas é isso que sinto. Não só relativamente a este livro como relativamente a todos os outros que já li dele.

A história, muito superficialmente, porque é impossível colocar tudo aqui, narra a viagem alucinante que Toru Okada faz para recuperar a sua mulher e a sua vida. Quando digo viagem digo-o no sentido figurado, uma vez que, o Sr. Pássaro de Corda, fisicamente não se afasta muito da sua casa. É uma viagem que o vai mudar, porque nela vai conhecer um mundo que desconhecia, pessoas bizarras com poderes estranhos e difíceis de entender, um mundo cheio de perigos nunca antes imaginados. O que não se altera na vida de Toru Okada é o que sente por Kumiko, e o desejo de a trazer de volta para casa é a única coisa que o move e mantém ligado ao mundo real.
Até que ponto conhecemos as pessoas que amamos? Esta é uma das perguntas que o livro levanta. Até que ponto esse conhecimento é importante e pode, ou não, alterar os nossos sentimentos é outra questão, cuja resposta cabe a cada um de nós responder.
A personagem de Toru Okada é fascinante, não por ser especialmente inteligente ou por ser um herói, mas sim por ser tão normal ou anormal, dependendo do ponto de vista, uma vez que enfrenta tudo com uma ligeireza impressionante. Por mais coisas e pessoas estranhas que apareçam na sua vida ele parece aceitar tudo sem grande surpresa. Na verdade deixa-se levar pela corrente. Quem sabe onde esta o levará? Antes de a sua vida começar a mudar, Toru Okada era apenas um jovem desempregado, que não tinha ainda descoberto o que queria fazer com a sua vida. Casado com Kumiko, viviam os dois um para o outro, até ao dia em que o gato desapareceu, uma estranha mulher começa a ligar para Toru Okada e Kumiko desaparece sem deixar rasto.
Nas duas primeiras partes do livro, que está dividido em três, sentimos uma imensa solidão na vida de Toru Okada, uma solidão quase palpável, um isolamento aflitivo, um afastamento do mundo e das pessoas que faz confusão e que me deixou com o coração apertado. O telefone é uma presença constante, quase uma entidade com vida, o único elo de ligação de Toru com o mundo. Toca muitas vezes, são muitas as vezes em que Toru não o atende, mas é com o seu silêncio que Toru Okada mais sofre.
Na terceira parte acentua-se o clima de tensão, de terror, com momentos onde sustive a respiração e onde o meu coração acelerou. Toru embrenha-se cada vez mais, e de uma forma mais consciente, num mundo estranho e perigoso, as coisas à sua volta tornam-se cada vez mais irreais onde não se consegue vislumbrar nada de bom no futuro de todos os envolvidos. É muitas vezes um livro angustiante e sufocante. É, no entanto, nesta parte que Toru Okada deixa de ser levado pela corrente e começa a tomar as rédeas do seu destino. É nesta parte que o Sr. Pássaro de Corda começa a encontrar-se e a aproximar-se daquilo que procura.
Por este livro passeiam-se personagens verdadeiramente fascinantes e únicas, com histórias no mínimo originais. Referi-las todas aqui seria um esforço inglório porque não seria possível apenas mencioná-las e, esta opinião correria o risco de ser a maior da história da blogosfera. :) Portanto, fico-me por aqui. :)

Foi muito bom voltar a entrar no mundo de Murakami, que já não lia há mais de um ano. Um mundo para o qual somos sugados e, no caso deste livro, um mundo que corremos o risco de não conseguir abandonar, tal é a velocidade vertiginosa a que viajamos entre o real e o irreal. Perdemos, com as personagens, a noção se o irreal não será real e o que temos como real não passe de um mundo inventado, sonhado. Andamos permanentemente na fronteira ténue entre o que nos mantém mentalmente sãos e o que nos pode alienar da realidade que nos rodeia. Os dois mundos tocam-se, sobrepõem-se e confundem-se. É até um pouco assustadora a forma como a escrita de Murakami nos pode provocar esta alienação, a forma como nos consegue tocar e, acredito que a todos toque de maneira diferente. Poder-se-ia pensar que o faz por ter o dom das previsões astrológicas, de ser genérico, de o que escreve poder ser sentido por todos, porque todos, de uma forma ou de outra, nos identificamos com o que é narrado. É verdade que todos nos podemos identificar com uma ou outra parte da história, mas a escrita e as histórias de Murakami nada têm de genérico e de banal. A escrita é natural, fluída, próxima, sem grandes subterfúgios linguísticos e tem uma oralidade tal que me faz sentir que tenho as personagens junto a mim, quase que as oiço. Parece que Murakami utiliza uma linguagem que nos remete para um lugar em que a palavra não é necessária, onde a linguagem é a dos sentimentos, das sensações. A força da escrita de Murakami é algo que não consigo explicar por palavras, mas que se sente quando se lêem os livros é uma realidade. E acho difícil que alguém não a sinta... acho mesmo estranho que ler Murakami não seja, para toda gente, uma experiência do outro mundo. :) Para mim tem sido, com diferentes intensidades, sempre uma experiência indescritível, por vezes é até assustadora a forma como temos dificuldade em sair da história quando o livro chega ao fim. Neste livro a imaginação não tem limites e só não assino por baixo na afirmação de que é a obra-prima de Murakami, porque não quero admitir ou aceitar que qualquer coisa que leia dele daqui para a frente não será tão boa. ;)

É um livro extraordinário que mais que aconselhar, considero de leitura obrigatória!

Excerto:
"Vindo do arvoredo ali próximo chegava até nós o canto constante, estridente, de um pássaro que parecia estar a dar corda a algum mecanismo. Chamávamos-lhe o pássaro de corda. Foi Kumiko que se lembrou de lhe chamar assim. Não sabíamos ao certo o seu verdadeiro nome nem tão-pouco que aspecto tinha. Mas isso tanto fazia ao pássaro de corda. Todos os dias vinha até ao arvoredo perto de casa e punha-se a dar corda ao nosso pequeno e pacato mundo."