abril 17, 2020

Jovens Corações em Lágrimas - Richard Yates

Título original: Young Hearts Crying
Ano da edição original: 1984
Autor: Richard Yates
Tradução: Miguel de Castro Henriques
Editora: Quetzal

"Michael Davenport e Lucy Blaine são um casal jovem e atraente. Michael formou-se em Harvard e tem a ambição de uma carreira literária; Lucy é bonita, discreta, culta e muito rica.
Recém-casados, mudam-se para Nova Iorque nos início dos anos 1950. Michael trabalha no seu primeiro livro de poemas, enquanto sustenta a família com um medíocre emprego diurno - paradoxalmente, em nome da sua liberdade criativa, recusa-se a tocar no dinheiro da sua mulher. Nesses anos, em que a contracultura Beat começa a dar os primeiros sinais, Michael e Lucy descobrem, por acidente, a nova boémia artística nova-iorquina. Embora deslocados e inseguros face à sofisticação e licensiosidade deste leque de fascinantes possibilidades sociais, sabem que encontraram o que procuravam. Porém, o curso dos acontecimentos e das relações (incluindo a deles, Michael e Lucy Davenport) deixá-los-á sempre algo aquém das suas expectativas.
Jovens Corações em Lágrimas demonstra mais uma vez a inigualável mestria de Richard Yates, o grande cronista do sonho Americano e das suas depressões."


Jovens Corações em Lágrimas é, mais uma vez, um livro onde nada parece correr bem às personagens. Página a página vamos vendo as decisões que tomam e vamos sentido que mais tarde ou mais cedo, algumas trarão consequências.

A história gira à volta do jovem casal Michael Davenport e Lucy Blaine. 
Ele um aspirante a escritor, de origens humildes, formado em Harvard. Moderadamente conhecido por um poema que publicou quando era mais novo, e que lhe trouxe alguma notoriedade no meio.
Ela veio de uma família abastada, bonita e culta. Quando conhece Michael é uma jovem alegre, cheia de ideias e, fica um pouco fascinada pela cultura de Michael.

Conhecem-se, apaixonam-se, casam-se e têm uma filha. Michael, por orgulho, não aceita que Lucy utilize o dinheiro de família para os sustentar ou ajudar na sua carreira literária.
Enquanto trabalha no seu novo livro de poemas, o livro que sente o consagrará como um escritor de culto e de relevância, trabalha para uma revista, trabalho que lhe permite pagar as contas. 
Vivem, por isso, sem luxos, num pequeno apartamento em Nova Iorque, cidade que fervilha de ideias, onde tudo acontece e onde vivem todas as novas mentes brilhantes do século XX.
Para Lucy, a mudança de vida é grande, mas respeita a decisão de Michael e, na verdade, sente-se feliz com o que tem. Sente-se encantada por Michael e pelo seu talento.

Os dois desejam pertencer à nova cena artística. Conhecem, por mero acaso, alguns desses artistas e começam a ser presença assídua nas festas e encontros do meio.
Parece que desejam pertencer a este meio mais do que desejaram alguma outra coisa nas suas vidas. Não querem apenas conhecer estas pessoas, artistas das mais diversas áreas, querem ser os seus melhores amigos. Querem pertencer e ser reconhecidos, pelo que acham ter para oferecer ao mundo.

São um casal apaixonado que vemos, inicialmente, com uma certa candura e inocência. Desejam ficar na história, de certa forma, mudar o mundo. São jovens e parecem ter tudo para serem felizes. No entanto, a constante insatisfação, a vontade de se destacarem e de pertencer, torna-os extremamente infelizes. Ao estarem tão focados nos outros, são incapazes de reconhecer neles próprios motivos para serem felizes.
Michael torna-se ciumento, amargurado e imensamente infeliz. Lucy, que sempre foi mais uma espectadora na vida dos dois do que propriamente participante, percebe que necessita de outras coisas na vida dela e afasta-se de Michael, divorciando-se dele.
Após a separação, e depois de uma fase inicial onde se sente perdida, Lucy, inicia um processo de autodescoberta onde experimenta a escrita, a pintura e a representação. Chegando à conclusão de que não é especialmente boa em nenhuma delas.
Michael, após a separação, oscila entre fases de profunda depressão, associadas à bebida, e fases de esperança alucinada.

O livro, embora até seja um livro volumoso, lê-se muito bem. 

É um livro que nos põe a reflectir sobre a vida e sobre aquilo que nos faz felizes. Põe-nos a pensar sobre as pessoas da nossa vida e de como todos nós mudamos ao longo dos anos. Mudamos a muitos níveis, mudamos fisicamente, mudamos de opiniões, descobrimos de que afinal já não faz sentido perseguir algo que sonhamos ter desde sempre. Crescemos, mudamos e, acho que, se mantivermos a mente aberta, descobrimos coisas que nunca pensámos vir a descobrir quanto mais gostar.
Ter objetivos é muito bom, essencial até, mas estes objetivos têm de deixar algum espaço para a descoberta. Nem sempre a linha recta, sem possibilidade de desvios é o melhor caminho para alcançarmos o que quer que seja. Temos de tentar viver o melhor possível, com aquilo que sabemos e com o tempo que temos disponível.

Richard Yates não me desilude. Gosto dos livros dele e pronto, não há mais nada a dizer!

Recomendo e boas leituras!


Excerto:
"Ela então parou de falar, como se falar não a pudesse senão levar a um estado de exaustão, e Michael não tinha nada para dizer. Sentia-se mais fraco do que ressentido e sabia que nenhuma resposta seria adequada, por isso contraiu os maxilares para se impedir a si mesmo de responder de todo. De vez em quando, durante os intervalos da estrada em que não se viam árvores, olhou para as estrelas que cintilavam no céu escuro como se lhes perguntasse se alguma vez - alguma vez - chegaria a altura em que ele faria algo como deveria ser."

abril 16, 2020

Morreu Luís Sepúlveda

São poucos os escritores cuja morte me deixa abalada e triste. 
Aconteceu com Saramago, com João Aguiar, com Umberto Eco e, agora com Luís Sepúlveda.

Sinto que perdi alguém próximo, alguém que ainda tinha muito para dar ao mundo das letras, mas não só. 

Sempre que pessoas como o Luís Sepúlveda desaparecem, é mais um pedaço de história que deixa de ser contada por quem a viveu. Perde-se um exemplo de honestidade, de justiça e de luta por um mundo melhor, com as armas que tinha, a sua escrita e a sua exposição como figura pública.

Os livros dele acompanham-me desde que me lembro, e sempre foi um escritor pelo qual senti muito carinho e, é com grande tristeza que o vejo partir, de forma tão prematura.

Na minha estante faltam muitos livros deles, alguns até dos mais conceituados. Alguns já li, muitos outros ainda tenho para ler. Vai, por isso continuar a fazer parte da minha vida, enquanto leitora.

Há um livro dele, dos mais recentes, História de um Gato e de um Rato que se tornaram amigos que deve ter sido dos livros que mais comprei. Acabei sempre por retirá-lo da minha estante para o oferecer. Gosto tanto dele e acho que é um livro tão bonito, que quero que faça parte das estantes das "minhas" crianças.

Ainda não tive oportunidade de voltar a comprá-lo.


Obrigada Luís Sepúlveda pela companhia, pelos ensinamentos e por todas as histórias que, tenho a certeza, contribuíram para formarem a pessoa que sou hoje.

Obrigada!

abril 04, 2020

[repost] A Peste - Albert Camus

Passaram-se praticamente 10 anos desde que li A Peste, de Albert Camus, e nenhum de nós pensou alguma vez, que estaríamos, em 2020, a passar por algo tão estranho e perigoso a tantos níveis.

Reli a minha opinião sobre o livro e, achei que fazia sentido voltar a destacá-la.


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A Peste é o primeiro livro que leio de Albert Camus, e estou certa não será o último, embora tenha sido um pouco diferente do que estava à espera.

Em A Peste, Orão é uma cidade próspera do litoral argelino, construída de costas voltadas para o mar, cujos habitantes vivem para trabalhar e acumular riqueza, vivendo de rotinas e sem qualquer sobressalto que os faça questionar a vida que levam. Orão é uma cidade moderna onde as relações humanas são relegadas para segundo plano, sobrevivendo no hábito e na tranquilidade das coisas dadas como certas, "Em Orão, como no resto do mundo,por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber." Os negócios são demasiado importantes e o divertimento tem dia e hora marcada. Fez-me alguma confusão a descrição de Albert Camus faz dos habitantes de Orão, tão indiferentes e desligados uns dos outros, mesmo durante a epidemia. Enquanto lia pareceu-me tão irreal que semelhante cidade existisse, mas a verdade é que é um retrato bastante fiel do que vivemos nos dias de hoje.
Fiquei ansiosa quando os ratos começaram a subir à cidade para morrer, por ver a falta de reacção da população. Era quase como se pensassem que ao ignorar o problema, ao não enfrentar a realidade, os ratos acabariam por desaparecer sem consequências. Eram algo desagradável, é certo, mas que apenas lhes alterava a rotina tranquila do dia a dia. Quando as pessoas começaram a morrer de forma tão avassaladora e em tão grande quantidade, a negação da epidemia deixou de ser possível e a cidade foi fechada ao exterior, ficando de quarentena por tempo indeterminado. A morte tinha-se instalado em Orão, separando famílias, amantes e amigos. Quando se viram isolados, sem poderem comunicar com o exterior, todos perceberam a importância que essas pessoas tinham nas suas vidas. Casamentos que se mantinham apenas pelo hábito ganharam nova vida e os amantes separados pelas portas da cidade reavivavam o sentimento devido à separação. Com o passar dos meses a dor da separação foi, para muitos a única razão para se manterem sãos, mesmo que para fim já nem os rostos das pessoas amadas conseguissem recordar com clareza.

Alguns viviam obcecados em fugir da cidade. Reencontrarem-se com quem ficou do lado de fora, era o mais importante. Aparentemente o medo de morrer sozinho era bem maior do que o perigo de contagiarem aqueles a quem desejavam voltar a ver e, que tinham por um golpe de sorte escapado à peste. Outros, como Rieux, Rambert, Tarrou e Grand, entregaram aqueles intermináveis meses de isolamento, medo e dor ao combate e à luta contra a epidemia. Relegando para segundo plano as aflições pessoais de cada um, em prol da comunidade. E houve, como sempre, aqueles que vêm em situações destas a oportunidade de lucrar com a miséria, como Cottard. Este livro tem de tudo e para todos os gostos... :)

Enfim, A Peste é um livro que faz um reflexão muito interessante sobre a morte e a vida, sobre as fragilidades humanas e sobre a forma como lidamos uns com os outros, em sociedade. Gostei muito de o ler, embora tenha ficado com a sensação de que a tradução desta edição não é das melhores. Fez-me confusão a forma distante como a história é narrada, numa espécie de crónica, onde os factos são relatados com muita objectividade pelo narrador. As excepções a esta objectividade resultaram, para mim, nos momentos que mais gostei de ler, embora falar de gosto seja provavelmente de mau gosto, pois foram momentos dramáticos. É o caso da morte do filho do juiz, apenas uma criança e a morte de Tarrou, uma pessoa intrinsecamente boa. Gostei muito das personagens que constituem o núcleo desta narrativa, Rambert, Grand, Cottard e, particularmente de Rieux e Tarrou.

Vale muito a pena ler A Peste. :)

Pretensos Factos:
- Dizem os dissecadores de livros que A Peste é uma alegoria à invasão de França pelas tropas alemãs, em 1940, em pleno nazismo. E, provavelmente essa leitura é válida.
- Albert Camus ter-se-à inspirado na epidemia de cólera que dizimou, em 1849, uma elevada percentagem da população de Oran, a segunda maior cidade da Argélia.

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Tudo isto vai passar, e a maioria de nós vai ficar bem, desde que, cada um de nós faça a sua parte e, sejamos sinceros, se o que nos pedem é que fiquemos em casa, não nos estão a pedir nada do outro mundo. O importante, nesta fase, é garantir que todos têm acesso ao melhor tratamento possível, em caso de necessidade.

Acredito que o difícil vai ser quando tudo isto passar. O desemprego e a recuperação económica vai ser algo que vai demorar mais do que uns meses e tudo isto irá deixar marcas profundas em todos nós, os que ficaram em casa e os que, por serem imprescindíveis, continuaram a trabalhar.

Mas, neste momento, não há muito que se possa fazer quanto a isso. Por isso, façamos todos o que nos pedem: Ficar em casa! Por nós, pelos nossos mas, também por todos os outros.

Boas leituras!