"Onde
termina a culpa e começa a expiação? Em Nova Iorque, um estudante
apaixona-se por uma rapariga enigmática com quem vive uma intensa
relação. Mas a morte desta, inesperada e violenta, enche o protagonista
de culpa e remorso, lançando-o numa espiral descendente até o
transformar num vagabundo, sem dinheiro e sem posses. Prisioneiro do
Memory Hotel, um pardieiro na baixa de Manhattan que parece destinado a
albergar criaturas perdidas como ele próprio, é contratado por Samuel,
um milionário excêntrico, para procurar um fadista português emigrado
para os Estados Unidos quarenta anos antes.
Tendo
Nova Iorque como pano de fundo, dos anos sessenta até ao presente, e
criando a figura inesquecível de Daniel Silva, o fadista que conquista
Manhattan com o seu talento, Hotel Memória é, ao mesmo tempo um romance
de mistério e uma aventura nos meandros da condição humana - uma
história simultaneamente intrigante e comovente, que lida com os
fantasmas da memória, da culpa e da redenção."
A leitura deste livro do João Tordo, autor que tanto gozo me tem dado descobrir, apanhou-me numa altura mais atribulada e por isso de menor disponibilidade mental para a leitura em geral. Senti que o li um pouco distraída da história que me estava a ser contada e não me consegui "entregar" à leitura como acho que o livro merecia. Com isto quero dizer que embora tenha gostado do livro fiquei com uma ideia demasiado vaga do mesmo e fui passando pelas páginas sem permitir que estas me marcassem de alguma forma. Este merecia uma leitura diferente e voltará a ser lido, estou certa disso.
Feita a ressalva, passemos à história.
O protagonista da história é, mais uma vez, uma personagem sem nome. Neste livro o protagonista é um estudante, oriundo de uma pequena cidade europeia que deixou, rumo aos Estados Unidos, mais precisamente ruma à Big Apple, para prosseguir os estudos em Literatura. Este homem, surge-nos, desde
logo, como alguém inseguro, tímido, com uma personalidade pouco vincada, que parece ter encontrado nos livros e na bolsa de estudo que conseguiu, uma forma de escapar a
uma família aparentemente sufocante, que raramente é mencionada. Mesmo nos seus piores momentos a possibilidade de recorrer à família nunca é equacionada.
Tudo parece correr bem e, embora não seja a
pessoa mais sociável do mundo, encontra em Manuel e em Kim, a rapariga por quem se
apaixona, toda a companhia de que precisa.
A imagem que é passada dele é a de uma pessoa um pouco vazia de ideias
próprias, sem grandes vivências próprias para além das que encontra nos
livros. Kim, por outro lado surge-nos como uma miúda cheia de mistérios, de ar distante, que parece já ter percorrido um grande caminho para estar onde está. O nosso protagonista apaixona-se por ela logo no primeiro momento em que se cruzam e é uma paixão breve mas intensa, que acabam por viver.
Quando Kim morre de forma inesperada e violenta, a vida deste homem muda, literalmente da noite para
o dia, iniciando-se aí uma espiral crescente de loucura, alheamento e solidão. Destroçado pela perda da mulher que amava, corroído pela culpa que não consegue evitar sentir pela sua morte, soterrado em memórias do que viveram juntos e do que esperava viver ainda com ela, torna-se um homem muito só, tristemente só... A solidão é, aliás, um sentimento
ou uma condição, da qual sofrem muitas das personagens criadas por João Tordo.
Sem força anímica para dar uma volta à sua vida depois de Kim morrer, vira-se para a bebida e quando é obrigado a sair da residência universitária, por ter perdido a bolsa, chega a dormir na rua. Vai trabalhar em locais e para pessoas de índole duvidosa e acaba a viver no Hotel Memória, o único abrigo que consegue pagar. É no Hotel Memória que muitos dos acontecimentos têm
origem e é para lá que tudo parecer tender. É lá que conhece Samuel e ouve falar
pela primeira vez do fadista português Daniel Silva, um mito da cultura nova
iorquina que, reza a lenda era dono de uma voz prodigiosa mas que nunca chegou
aos ouvidos do grande público porque a única cópia da sua única gravação em
estúdio desapareceu sem deixar rastro, tal como o seu autor.
Samuel é um multimilionário, mecenas da cultura, e procura o protagonista para que este o ajude a encontrar Daniel Silva. O que o levou a ele, quem é Daniel Silva e qual e o interesse de Samuel no mesmo, são apenas algumas das questões que vão sendo respondidas ao longo do livro e que ajudam o nosso protagonista a sair do estado de apatia em que se encontrava.
É um livro muito bem escrito, com uma aura de mistério que
João Tordo consegue transmitir muito bem. A história, à semelhança dos outros
dois livros que li dele, é um pouco absurda, no sentido de não ser, de todo,
uma história linear e que respeite uma estrutura narrativa típica dos livros de
mistério ou mesmo dos policiais. As personagens são estranhas, inadaptadas e
cheias de conflitos interiores. O protagonista vai sofrer, e muito até conseguir
encontrar a paz interior necessária para prosseguir com a sua vida. Esta não é uma personagem particularmente simpática, é fraco, como se costuma dizer "não tem espinha dorsal", mas acaba por crescer, ao longo de livro, tornando-se mais merecedor da nossa empatia. Aliás, com excepção de Kim e Manuel, com quem foi fácil criar alguma empatia, nenhuma das outras personagens são simpáticas. Não quero dizer com isto que são más personagens, ou mal concebidas, antes pelo contrário, são antes seres humanos cheios de vícios, egoístas, que se movimentam num mundo cheio de tudo e ao mesmo tempo cheio de nada.
É um livro relativamente pequeno, em número de
páginas, mas é um que exige uma leitura mais cuidada, mais atenta para poder
saborear e apreender tudo aquilo que está para além das palavras.
Gostei e recomendo!
Boas leituras!
Excertos:
"Acordado, concluía que a solidão não era um estado de espírito, mas a ausência dele - agora que não sentia nada, que não estava em estado nenhum, nem aqui nem ali, mas num mundo entre dois mundos, estava mais sozinho do que alguma vez estivera. Não era eu, nem era outrem; era um casulo disposto a ser preenchido, um espírito vazio ansiando por uma chegada."
"Deitado sobre a cama, esperando que Manuel regressasse, começava a entender o poder fascinante da memória sobre a minha vida - sobre qualquer vida. Tudo era memória. O presente era a memória de si próprio, e era possível existir apenas se pudéssemos conservar as recordações de momentos que nunca se repetiriam. E, no entanto, paradoxalmente, a memória era aquilo que de mais falível um homem possuía: nomes esquecidos ou trocados, caras que se confundiam com outras, lugares onde julgávamos já ter estado, um lápis desaparecido para sempre, os constantes deslizes que tornavam a realidade o lugar de um romance, de uma história, encantadora pela sua falibilidade, e não pela sua certeza."
Tenho muita pena que não tenhas conseguido entregar-te muito ao livro, foi o segundo que li do Tordo e consolidou-o como um dos meus autores portugueses favoritos!
ResponderEliminarA forma como cria personagens complexas e a maneira como mistura todas as suas influências, fazendo um romance que parece tudo, mas não se parece com nada, é genial!
Espero que leias de novo, com a atenção que ele merece ;)
Jorge
http://metaforaderefugio.blogspot.pt/2012/08/hotel-memoria-joao-tordo-by-jorge.html