maio 02, 2013

O Homem Lento - J. M. Coetzee

Título original: Slow Man
Ano da edição original: 2005
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações Dom Quixote

"Neste romance, Coetzee oferece-nos uma profunda meditação sobre o que faz de nos humanos e o que significa envelhecer, reflectindo no modo como vivemos as nossas vidas.
Como todas as grandes obras literárias, O Homem Lento levanta questões mas raramente oferece respostas. Em consequência de um acidente, Paul Rayment altera a perspectiva que tem da vida e começa a dedicar-se ao género de preocupações universais que nos definem a todos: O que significa fazer o bem? O que é que nas nossas vidas é, em última análise significativo? É mais importante que alguém nos ame ou que alguém se interesse por nós? Como definimos o local a que chamamos "casa"?
Na sua voz lúcida e firme, Coetzee debate-se com estas problemáticas. O resultado é uma história profundamente comovedora, sobre o amor e a mortalidade, que deslumbra o leitor a cada página." 

Agora que a Feira do Livro deste ano se aproxima a passos largos, chegou a altura de ler os livros que foram comprados o ano passado. O Homem Lento do Coetzee foi um dos que veio para casa comigo, deixando para trás tantos e tantos livros por ler...

Gosto de Coetzee, gosto da forma como conta uma história e de como constrói as personagens.
Deste, O Homem Lento, não gostei tanto... A verdade é que até estava a gostar, mas a "aparição" de Elizabeth Costello deixou-me um pouco confusa e o livro tornou-se estranho. Achei a personagem pouco credível e a forma com foi introduzida na história despropositada. O livro acabou por não ser bem aquilo que eu estava à espera, no entanto, não dei o meu tempo por desperdiçado, porque, tirando Elizabeth Costello, com quem confesso ter embirrado um pouco, as restantes personagens são interessantes e, à semelhança do que aconteceu com outros livros que li do mesmo autor (No Coração desta Terra e A Idade do Ferro, já comentados aqui e aqui), a personagem principal, Paul Rayment, está muito bem construída.

Rayment é um sexagenário divorciado e sem filhos, que num dos seus passeios diários de bicicleta vê a sua vida mudar por completo ao ser abalroado por um carro. O acidente não o mata, mas como consequência do mesmo é-lhe amputada uma perna e alguma da sua vontade de viver desaparece.
Sem família que o possa ajudar nesta fase da sua vida, Paul começa a questionar até que ponto, ao longo da sua vida, fez as melhores escolhas e se ainda vai a tempo de corrigir algumas delas.
O Homem Lento conta a história de Paul Raymen, mas poderia ser a história de outro idoso qualquer, dos muitos que chegam à terceira idade sozinhos, porque nunca lhes passou pela cabeça poderem vir a precisar de alguém para além deles próprios.
É a história de um homem que, com mais de sessenta anos se vê obrigado a aprender a viver com limitações físicas, dependente dos outros, de estranhos condescendentes que o tratam como um mentecapto. O ajustamento a um mundo que aparentemente já não lhe reconhece utilidade possível é difícil e doloroso. A resistência à mudança por parte dele é grande o que dificulta, e muito, a convivência dos outros com ele. A ideia de se suicidar ronda-o permanentemente, até ao dia em que conhece Marijana, a enfermeira croata, contratada para o ajudar na adaptação deste à sua nova vida. Marijana é a primeira pessoa, depois do acidente a tratá-lo com respeito, sem condescendência, de forma profissional. Esta mulher dos balcãs, para além da ansiada dignidade, traz a Rayment e à sua vida empoeirada, uma lufada de ar fresco.


O Homem Lento é, literalmente Paul Rayment, que lentamente vai procurar encontrar o seu lugar no mundo, tentando deixar para a história mais do que uma invejável colecção de velhas fotografias, a serem expostas, depois da sua morte. Rayment quer ser recordado com carinho, quer que alguém lhe sinta a falta. Quem não deseja o mesmo? :)

Este é um livro, como muito bem diz a sinopse, que levanta uma série de questões, relacionadas com o envelhecimento, com a solidão na terceira idade, com o amor interessado ou desinteressado, com o sentimento de pertença a um sítio ou a alguém, com a vontade de fazer o bem, de sentir que toda a nossa vida teve significado, não tendo sido uma mera passagem.

Gostei da história, gostei das ideias e das reflexões que levanta, gostei das personagens, mas de uma forma geral, se este tivesse sido o meu primeiro livro de Coetzee talvez não tivesse ficado tão impressionada com o escritor, como fiquei depois de ler No Coração desta Terra.
Conhecendo um pouco o escritor, consigo apreciar até as suas obras menos inspiradas e por isso, este foi um livro que me fez companhia e que me deu gozo ler. Desta forma só o posso recomendar!

Boas leituras!

Nota: Aparentemente Elizabeth Costello, a personagem com quem embirrei, é uma repetente nas obras de Coetzee. Existe um livro intitulado Elizabeth Costello que, a ter sido lido primeiro me poderia ter ajudado a enquadrar a forma intempestiva com que esta invade a vida de Paul Rayment. Talvez um dia o leia...

Excerto:
"Dirá alguma coisa sobre ele, essa preferência nata preto e branco e matizes de cinzento, essa falta de interesse pelo novo? Seria disso que as mulheres sentiam a falta nele, em particular a sua mulher: cor, abertura?
A história que contou a Marijana foi que guardava fotografias antigas por fidelidade aos seus objectos, os homens, mulheres e crianças que ofereciam os seus corpos à lente do estranho. Mas isso não é a verdade integral. Guarda-as por fidelidade às fotografias em si, às reproduções fotográficas, a maioria delas sobreviventes, únicas. Dá-lhes um bom lar e vela, tanto quanto consegue, tanto quanto alguém pode, por que elas tenham um bom lar depois de ele desaparecer. Talvez, por seu turno, algum estranho ainda por nascer vá rebuscar o passado e guarde uma fotografia sua, do extinto Rayment da Doação Rayment."

10 comentários:

  1. Coetzee está entre os escritores que não li, conheço obras dele adaptadas ao cinema como "Desgraça", contudo como pretendo ainda percorrer pelo menos a maioria dos nobelizados, espero um dia encontrar-me com ele.

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    1. Coetzee é dos nobelizados que não se devem perder. Gosto muito dele e estou certa de que quando o encontrares vais perceber o porquê!

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  2. Olá!

    Queria apenas dizer que, de facto, a Elisabeth Costello pode parecer uma coisa estranha neste livro. Mas para quem já a conhece é um dos pontos mais interessantes. Lê-se de forma completamente diferente quando já se conhece a personagem.
    Como gostas de Coetzee (eu também, muito, muito), sugiro-te que experimentes o Elisabeth Costello, é onde o Coetzee mais se expõe ao mundo, acho eu..

    http://pedrices.blogs.sapo.pt/26126.html

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    1. Assim que soube que existia um livro, anterior ao "O Homem Lento", com/sobre Elisabeth Costello percebi que, se calhar, tinha de o ter lido primeiro para perceber melhor o papel dela no livro. Vou seguir o teu conselho. Pode ser que o consiga comprar na Feira do Livro deste ano. :-)

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  3. Aguardava por esta tua opinião, porque este é dos livros de Coetzee que gostava de ler, mas pelos vistos não foi uma leitura muito animadora... Agora a vontade ficou um pouco abalada, mas como gosto do autor ainda o irei ler de certeza. ;)
    Bom fim de semana!

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    1. Não deixes de o ler. Podes seguir o conselho do Pedro e começar pelo "Elisabeth Costello", porque sinceramente o papel dela no livro foi do que mais me fez confusão. Acredito que com o devido enquadramento "O Homem Lento" pode ser uma boa surpresa. :-)
      Bom fim-de-semana!

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  4. Olá N.
    No global, concordo contigo. No entanto, não consigo gostar tanto da escrita dele como tu.
    Mas a minha opinião sobre Coetzee é complicada... Admiro-o imenso, é um génio, reconheço mas não consigo gostar daquele tom sombrio que reina em algumas das suas melhores obras, como Verão, por exemplo.
    Há um livro dele que até gostei, mesmo com aquele pessimismo todo: Desgraça (o título é sugestivo).
    Ou seja: é genial mas não me dá aquele prazer que outros livros dão...

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    1. Ainda não li "Verão" nem o "Desgraça". Tenho andado pelas obras menos conhecidas... Concordo que o tom seja sombrio, no entanto quando penso em Coetzee não me vêm à ideia coisas negativas. Parece que a marca que deixa é maioritariamente positiva.
      Ler é mesmo assim, tem de existir alguma química com a escrita e com o estilo do escritor, que quase nunca depende da nossa vontade e às vezes é bem irracional. :)

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  5. N. Martins, bom artigo. Li "A Desgraça "e "O Homem Lento" gostei bastante e acho que não vou ficar por aqui. Tinha ouvido dizer que "O diário de um ano mau" era bom. Qual me sugere ?

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    1. Nunca li "O diário de um ano mau". Só posso sugerir os outros dois que li dele "No Coação desta Terra" e "A Idade do Ferro", dos quais gostei bastante. :) Sendo Coetzee, atrever-me-ia a dizer que qualquer um será um boa escolha!

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