Título original: Numero Zero
Ano da edição original: 2015
Autor: Umberto Eco
Autor: Umberto Eco
Tradução: Jorge Vaz de Carvalho
Editora: Gradiva
Editora: Gradiva
"A redacção de um diário reunida à pressa prepara um jornal dirigido, mais do que à informação, à chantagem, à intriga, ao lodo e às reportagens ignóbeis, que a chefia exige para aumentar as vendas.
Um redactor paranóico que, circulando por uma Milão alucinada (ou alucinado por uma Milão normal), reconstrói uma história com cinquenta anos, tendo como pano de fundo um plano diabólico arquitectado em torno do cadáver putrefacto de um pseudo-Mussolini. E, na sombra, o Gladio, a P2, o assassino do Papa Luciani, a CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de massacres e de pistas falsas, um conjunto de factos inexplicáveis que parecem inventados, até que uma transmissão da BBC vem provar que são verdadeiros ou, pelo menos, são agora confessados como tal pelos seus autores. Depois, um cadáver entra subitamente em cena na mais estreita e mal-afamada rua de Milão. E ainda uma frágil história de amor entre dois protagonistas perdedores por natureza: um ghost writer falhado e uma rapariga inquietante que, para ajudar a família, abandona a universidade e se especializa em gossip sobre amizades afectuosas, mas é ainda capaz de chorar no segundo andamento da 7ª de Beethoven. Uma história que se desenrola e, 1992, em que se prefiguram muitos dos mistérios e loucuras dos vinte anos seguintes, precisamente quando os dois protagonistas pensam que o pesadelo terminara. Um caso amargo e grotesco que se desenrola ma Europa desde o fim da Segunda Guerra até aos nossos dias.
Este é o manual perfeito para o mau jornalismo que, gradualmente, nos impossibilita de distinguir uma invenção de um directo.
Um livro que se lê avidamente, de um grande autor que surpreende sempre!"
Número Zero conta a história da criação de um jornal diário, fictício, cujo único objetivo é a chantagear e provocar desconforto em alguns grupos da sociedade italiana.
Nunca se pretendeu publicar o que quer que seja, no entanto, para além do diretor do jornal, Simei, e de Colonna, um escritor falhado, mais ninguém sabe que Número Zero nunca chegará às bancas dos jornais. Por isso, para todas aquelas pessoas contratadas para participarem na criação deste novo jornal, tudo aquilo é real e o comportamento que observamos é, para todos os efeitos real, independentemente de o jornal nunca vir a ser publicado.
Colonna é um cinquentão, um escritor fantasma que nunca conseguiu escrever nada sem ser em nome de outra pessoa. É contratado por Simei para acompanhar de perto a invenção do Número Zero e no fim escrever um livro sobre o esquema montado, onde seria revelada toda a verdade, a troco de muito dinheiro. O que o leva a participar é apenas e só a necessidade financeira, Colonna é um homem honesto, um pouco desiludido com o rumo que a sua vida parece ter levado.
Na redação deste jornal inventado conhece Maia Fresia, uma jovem jornalista de revistas cor-de-rosa, que viu neste projecto uma oportunidade para fugir às amizades coloridas dos famosos e crescer como profissional. Os dois, acabam por se aproximar, ele atraído pela sua juventude e aparente fragilidade, ela pela segurança e tranquilidade que ele lhe traz.
Número Zero leva-nos pelos meandros da imprensa, pelo que de pior pode ser e, leva-nos a reflectir sobre a importância da sua existência, como órgão isento e honesto.
Umberto Eco expõe a facilidade com que se manipula a opinião pública com as tão faladas fake news que nos deixam a todos, menos informados e mais desprotegidos. A descredibilização dos órgãos de comunicação social é, talvez um dos maiores perigos que a democracia enfrenta nos dias de hoje. Temos cada vez mais dificuldade em distinguir a verdade da mentira e estamos, como sociedade, menos sensíveis à mentira. Tendemos a desvalorizar estes comportamentos e, quem os pratica sente-se validado e deixa de ser sentir errado e julgado. Passa a ser uma forma de estar tolerada por todos. Somos mais individualistas e se, como individuo, não consigo percepcionar e efectivamente perceber as consequências da corrupção, não me sinto suficientemente interessado para exigir justiça.
É um livro pequeno, que se lê muito bem. Aborda o tema quase como uma paródia, como se não se levasse muito a sério, no entanto a mensagem é bastante clara.
Não sendo novidade que tenho um carinho especial pelo Umberto Eco, este
Número Zero foi uma versão mais levezinha do que costumam ser os livros
dele, em termos de bagagem cultural e, foi uma excelente companhia nas férias de verão.
Recomendo sem qualquer hesitação.
Boas leituras!
Excerto (pág.162)
"Amor, não estás a considerar que, pouco a pouco, também a Itália se está a tornar como os países de sonho para onde te queres exilar. Se somos capazes, em primeiro lugar, de aceitar e, em seguida, de esquecer todas as coisas que nos contou a BBC, isto significa que estamos a habituar-nos a perder a vergonha. Não viste como todos os entrevistados desta noite contavam tranquilamente que tinham feito isto ou aquilo, e que estavam quase à espera de uma medalha? Não mais claros-escuros do barroco, coisas de Contra-Reforma - os tráficos emergirão en plein air, como se os impressionistas os pintassem: a corrupção autorizada, o mafioso oficialmente no parlamento, o evasor fiscal no governo, e na prisão só os pilha-galinhas albaneses. As pessoas de bem continuarão a votar nos patifes, porque não acreditarão na BBC, ou não quererão ver programas como os desta noite, porque terão aderido a qualquer coisa mais trash, provavelmente as televendas de Vimercate acabarão no horário nobre, será morto alguém importante, funerais de Estado."
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