março 31, 2019

[Kindle] As Mãos Desaparecidas - Robert Wilson

Título original: The Silent and the Damned
Ano da edição original: 2004
Autor: Robert Wilson
Editora: Publicações Dom Quixote

"Um detective torturado, três perturbadores suicídios, um mundo de terror.
Mario Vega tem sete anos e a sua vida vai mudar para sempre. Numa casa de um subúrbio rico de Sevilha, o pai jaz morto no chão da cozinha e a mãe foi sufocada na sua própria cama. Inicialmente parece ser um suicídio, mas o inspector-chefe Javier Falcón tem as suas dúvidas quando encontra um enigmático bilhete amarrotado na mão do morto.
Sob o calor brutal do Verão, Falcón inicia a investigação à obscura vida de Rafael Vega e começa a receber ameaças da máfia russa que opera na cidade há algum tempo. A sua investigação aos vizinhos de Vega levam-no a um casal americano com um passado devastador e ao tormento de um actor famoso, cujo único filho se encontra na prisão por um crime terrível.
Seguem-se mais dois suicídios - um deles o de um polícia graduado - e um incêndio florestal que alastra pelas colinas de Sevilha. Falcón tem agora de desvendar a verdade, revelando que está tudo ligado e que há mais um segredo na vida sinistra de Rafael Vega."

Li o primeiro livro desta série de Robert Wilson - O Cego de Sevilha, há uns bons anos, em 2010, e deixou-me uma boa impressão. Desde então que fazem parte da minha lista de livros a ler ou de autores a manter debaixo de olho. Por não ser a maior fã de policiais e porque os livros têm estado sempre caros, só agora aproveitei a edição digital, mais em conta, e voltei a encontrar Javier Falcón, em As Mãos Desparecidas, o segundo volume de O Quarteto de Sevilha.

Javier Falcón é chamado para investigar um aparente homicídio seguido de suicídio de Rafael Vega, um empresário de sucesso em Sevilha. Javier tem algumas dúvidas sobre o que aconteceu na casa de Rafael Vega. Entre ameaças da máfia russa, redes de pedofilia e espiões dos tempos modernos, Falcón volta a ser confrontado com o seu passado e com os seus pesadelos. Mais uma vez o passado do pai, Francisco Falcón parece regressar para o atormentar.

Talvez tenham passado demasiados anos desde que li o primeiro, porque tive alguma dificuldade em reentrar na história. Mais ainda porque havia muitas referências ao primeiro livro, do qual já não tenho grandes memórias. Acho que por isso a minha ligação à história foi menos conseguida e a personagem de Javier Falcón pareceu-me menos credível e menos apelativa. Ao reler a minha opinião sobre O Cego de Sevilha (aqui), algumas das coisas que me dificultaram a leitura são comuns aos dois livros. A história começa de forma lenta, existem muitos acontecimentos que parecem desnecessários e que nos afastam da investigação propriamente dita. Só mais para o fim o livro parece ganhar alguma velocidade e as pontas soltas começam a juntar-se e tudo começa a fazer mais sentido.
Desta vez não fiquei muito impressionada com a escrita e com a forma como Robert Wilson conta a história e achei as personagens pouco desenvolvidas. No geral, não fiquei muito impressionada com este segundo livro. Não tenho a certeza se tem a ver com a distância entre o primeiro e o segundo livro ou se com o facto de estar mais velha e de já ter lido muita coisa entretanto. A verdade é que, se este tivesse sido o livro que li em 2010, não tenho a certeza se teria voltado a ler alguma coisa relacionada com Javier Falcón. Não acho que seja mau, só acho que não é o meu tipo de livro.

Por ter lido o primeiro e ter gostado, provavelmente vou ler os restantes da saga, só não sei quando. :)

Boas leituras!

Excerto:
"Estarei com medo? Não tenho nenhuma razão física para ter medo, aqui deitado na cama, ao pé da Lúcia, com o meu pequeno Mário e os sons do seu sono no quarto ao lado. Mas estou assustado. Os meus sonhos assustaram-me e além disso já não são sonhos. Estão mais vivos do que isso. Os sonhos são de rostos, só de rostos. Não me parece que os conheça, e no entanto há momentos estranhos em que me sinto prestes a reconhecê-los, mas é como se eles não quisessem isso para já. É então que acordo porque… Estou outra vez a ser pouco rigoroso. Não são propriamente rostos. Não são de carne. São mais fantasmagóricos do que reais, mas têm feições. Têm cor, mas não são sólidos. Apenas sentem falta de ser humanos. É isso. Só sentem falta de ser humanos, Será uma pista?"

março 05, 2019

Antes de Ser Feliz - Patrícia Reis


Título original: Antes de Ser Feliz
Ano de edição: 2009 
Autor: Patrícia Reis
Editora: Publicações Dom Quixote

"O princípio possível começa na Figueira da Foz, uma cidade que é uma espécie de décor, guardiã de memórias de Verão e outras vivências. Um miúdo apaixona-se na idade em que os sentimentos são voláteis e sem importância. O objecto do seu amor é uma rapariga difícil, esquiva e perturbada. Há a morte da mãe dela, as tardes de praia no areal imenso, as idas a Buarcos, as festas do Casino. E ainda um pai tímido e um tio criativo atrelado a um cão chamado Tejo. O amor não se desfaz com o tempo. O miúdo chega a rapaz e depois faz-se homem. Parte para Lisboa mas regressa sempre, como uma fatalidade. Espera que ela, a mulher que o obriga a parar no tempo, volte também à cidade, tome conta da sua herança e lhe dê outra vida. Enquanto espera, acompanha o pai dela na doença, organiza papéis e pensamentos, vai a funerais, pendura um Canaletto precioso. Herda a casa que, em tempos, foi chão sagrado para ela; ela, que finge que não está."

Tenho sempre alguma dificuldade em escrever sobre os livros de Patrícia Reis. E não é por não gostar deles ou por não ter o que dizer sobre eles, é mesmo porque sinto, e sentir é se calhar a palavra certa, que os livros de Patrícia Reis são feitos de sentimentos, de impressões, de sensações, mais do que de histórias e personagens.
Acho que é isto que dificulta, para mim, a tradução para palavras das sensações que me provocam os livros dela. Provavelmente, também é por isso, que me limito ser leitora e deixo esta coisa da escrita a sério para quem sabe o que faz. E Patrícia Reis sabe, definitivamente o que faz. :) Pode deixar-me sem palavras, mas deixa-me cheia de "bons feelings", como a música da Sara Tavares, independentemente de ser um livro feliz ou não.

Antes de Ser Feliz é, para além de muitas outras coisas, um livro sobre o amor, a amizade, a paciência, a certeza de que, no fim, tudo terá valido a pena.
Não encontro em mim, mais nada para dizer sobre este livro, a não ser que vale a pena ler, tal como tudo o que me tem passado pelas mãos (as minhas opiniões aqui) da Patrícia Reis.

Boas leituras! :)

Excerto:

"Vim aqui para morrer. Cheguei hoje.
A Figueira da Foz surgiu-me sem rasto de fim de mar, abismo de antigos pescadores e outras almas de fortuna e fé. É um décor, tinhas dito a rir, um dia num pequeno restaurante, a depenicar peixinhos da horta, os dentes brancos numa aparição quase obscena. Pareceu-me, então. Nada do que aqui se passa é real. A terra que não existe. Os tempos dos espanhóis em férias, os que fugiam da guerra, as famílias importantes, os passeios a Tavarede e todas as outras. Nada disso existe realmente. Percorrer a marginal no deslumbramento marítimo até Buarcos. O que é que tudo isto interessa? E quando é que deixou de interessar? Saberás dizer com exactidão, por seres esse tipo de criatura, a pessoa das datas, aniversários, horas certas para tudo."

Em Teu Ventre - José Luís Peixoto

Título original: Em Teu Ventre
Ano da edição original: 2015
Autor: José Luís Peixoto
Editora: Quetzal Editores

"A partir de um ponto de vista inteiramente novo, Em Teu Ventre retrata um dos episódios mais marcantes do sécula XX português: as aparições de Nossa Senhora a três crianças, entre maio e outubro de 1917.

Cruzando o rigor da sua dimensão histórica com a riqueza de uma galeria de personagens surpreendentes, este livro propõe uma reflexão acerca de Portugal, naquilo que tem de mais subtil e profundo.

Tanto na aparente simplicidade como no abismo dos seu mistério, a maternidade é também um dos temas marcantes de Em Teu Ventre.

O sereno prodígio destas páginas, atravessado por inúmeros instantes de assombro e milagre, constrói aqui um mundo que permanecerá na memória dos leitores por muito tempo."

Tinha alguma curiosidade para ler este livro do José Luís Peixoto, embora soubesse muito pouco sobre o que era, gostava do título e pronto. Por vezes é o que basta. Não fazia ideia que estava relacionado com as aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos de Fátima. Confesso que quando li a sinopse, torci o nariz. Livros sobre temas religiosos... não estava para aí virada. Depois pensei, é José Luís Peixoto, de certeza que vai ser diferente. E não me enganei. :)

Tendo como ponto de partida a 1ª aparição de Nossa Senhora aos três primos, vamos conhecendo os portugueses do início do século XX. A forma como viviam, fora das grandes cidades, e o que pensavam, em que acreditavam.
É um livro surpreendente, na forma como retrata a família de Lúcia, a mais velha das crianças, e a reação da mãe à história das aparições. Não estava à espera que a resistência desta fosse tão grande, que tivesse tantas dúvidas sobre a veracidade do que as crianças relatavam. Um misto de não acreditar e ser ríspida com a filha enquanto, ao mesmo tempo a tentava proteger das consequências que um acontecimento como aquele iria trazer para a vida de todos. É talvez a personagem mais marcante e que mais me deixou com sentimentos ambíguos, não só pela forma como geriu a questão das aparições, como pela forma como José Luís Peixoto descreve o tratamento dado à órfã que vive com eles.

De forma inconsciente, todos esperamos que as mães nos livros sejam carinhosas, ternurentas e sábias. Perfeitas e sem falhas. É um desejo estranho tendo em conta que nenhum de nós conhece uma mãe assim, perfeita. A única perfeição que lhes conhecemos é a capacidade de amar e perdoar. E, na realidade é a única perfeição de que necessitamos. Em tudo o resto podem e devem ser humanas, o mais possível. :)
Talvez pelo título, Em Teu Ventre, estava à espera de um livro sobre a beleza da maternidade. Estava à espera de uma espécie de poema às mães. Não sei onde fui buscar esta ideia sobre o livro, se li alguma coisa sobre ele ou se foi apenas uma ideia pré-concebida na minha cabeça. De facto, acaba por ser um livro sobre a maternidade, mas num sentido menos poético e mais lato. Não é apenas um livro sobre a mãe de Lúcia, é também sobre a necessidade de termos alguém, superior que não compreendemos totalmente como existe, que olhe por nós, que nos ampare e que, de certa forma, nos perdoe. Será isto que procuramos na religião? Amparo, consolo e, acho eu, também desresponsabilização. A vida é difícil, e viver com a certeza de que não existe um propósito superior é mais difícil do que acreditar que existem forças superiores que nos guiam e nos protegem.

Em Teu Ventre é, à semelhança dos outros que já li de José Luís Peixoto, um livro muito bem escrito, com verdadeiros momentos de beleza literária, com personagens muito bem construídas e verdadeiras na forma como existem de facto.

Recomendo sem hesitações.

Boas leituras!

Excerto (pág. 121):
"(AQUI ESTOU. VISÍVEL OU INVISÍVEL, AQUI ESTOU. Com os erros que não te contei, com os defeitos que fui capaz de esconder, aqui estou. Antes este mistério do que essa ideia impossível que vês em mim. A perfeição que me impuseste desprezou as minhas necessidades. Roubaste-me a lascívia, o prazer, absolveste-me de todos os crimes, até daqueles que me orgulho de ter cometido. Queres que te agradeça por me privares de ser inteira? Não sou essa voz, distorção de dúvidas e de medos. Não sou esse silêncio, essa falta proporcional à distância que te separa de mim. Sim, peguei-te ao colo, consolei-te quando soluçavas, soube alimentar-te com o meu próprio corpo, mereço castigo por te ter conhecido frágil e por ter tomado conta de ti? Na minha vida, fiz muito mais do que isso. Não faltam lugares onde estive e não estiveste, não faltam idades que te excluem. Agora mesmo, continuo a existir quando não te lembras de mim e, até quando passo por ti na sala ou quando estou sentada ao teu lado, só eu sei aquilo em que penso. Visível ou invisível, sou um mistério que sempre te escapará de, no entanto, esta ironia: aqui, nestas páginas, só consigo ser aquela que fores capaz de escrever, que fores capaz de ver.)"