Ano da edição original: 1927
Autor: Stefan Zweig
Tradução: Alice Ogando
Editora: Publicações Europa-América
"A rotina de um hotel na Riviera é abalada por uma notícia escandalosa. Uma mulher abandona o marido e as duas filhas, em nome de uma paixão por um jovem que havia acabado de conhecer. Este episódio despoleta uma acesa discussão entre os hóspedes do hotel e leva a Senhora C., uma aristocrata inglesa de sessenta e sete anos, a recordar um episódio secreto da sua vida que a tortura há mais de duas décadas. Vinte e quatro horas na vida de uma mulher é um relato apaixonante e intimista sobre a vida de uma mulher que se liberta das correntes do pudor e do preconceito social em nome de uma paixão avassaladora."
Num hotel na Riveira, quando uma mulher abandona o marido e as filhas para fugir com um homem que tinha acabado de conhecer, todos ficam chocados e todos os hóspedes têm uma opinião sobre o assunto, sendo que a maioria é bastante crítica e intolerante com a mulher fugitiva. Nenhum deles a conhece, no entanto, todos eles não hesitam em classificar como inaceitável e vergonhoso o comportamento desta mulher.
Apenas um jovem homem parece sentir necessidade de, de certa forma, apoiar a mulher fugitiva, tentando trazer para a discussão pontos de vista que vão para além dos argumentos do socialmente aceitável, para uma mulher casada e com filhos.
A Senhora C., sexagenária, e uma das hóspedes, fica impressionada com a atitude deste jovem na defesa da mulher fugitiva. Talvez por isso julga ter encontrado, neste total desconhecido, o ouvinte perfeito para a sua história. Uma história, que aconteceu há vinte anos atrás, e que nunca partilhou com ninguém. Talvez se a partilhar, se a contar em voz alta, a alguém que não a julgue, consiga expurgar todos os sentimentos de culpa e de vergonha que a atormentam desde então.
Há vinte anos atrás, a Senhora C., recentemente enviuvada e devastada por ter perdido o companheiro de uma vida inteira, sente-se perdida, por não saber como viver sem o marido, e solitária, com os filhos crescidos e ocupados nos seus afazeres. Decide, por isso, sair da cidade onde vive e ir até ao casino passar algum tempo entre desconhecidos. Foi algo que sempre gostou de fazer e o objetivo nunca foi jogar. O que a atrai é poder observar os jogadores, mais precisamente as suas mãos. É fascinada por mãos e, é impressionante aquilo que se consegue saber sobre desconhecidos, quando estes não se sabem observados, principalmente quando se encontram mais vulneráveis, como acontece num casino, a apostar muitas vezes tudo o que têm e o que não têm.
É no casino que a Senhora C. repara num par de mãos como nunca tinha visto até então. Umas mãos delicadas, nervosas e agitadas e que espelham o turbilhão de emoções que habitam o homem a quem pertencem.
Fascinada pelo que observa, quando o homem sai do casino, arruinado e claramente perturbado, a Senhora C., é incapaz de não sair atrás dele.
Toda a história começa aqui, na interação desta viúva, nos seus quarentas, com um desconhecido com metade da idade dela, que não consegue abandonar à sua sorte, embora não perceba muito bem porquê. Não percebe, ou não quer perceber, porque teria de admitir que o interesse que o homem desperta nela e parece ir além do instinto maternal.
A vergonha e a perplexidade não a abandonam ao longo daquelas vinte e quatro horas mas, ao mesmo tempo não a retraem ou impedem de continuar e de não abandonar o homem.
A vergonha e a perplexidade nunca a abandonaram durante os vinte anos que separam aquelas vinte quatro horas e a noite no hotel da Riviera em que decide partilhar a sua história com mais um desconhecido.
É um livro pequeno, que se lê num instante mas que está cheio de conteúdo e, está muito bem escrito, num tom meio irónico e leve.
Não conhecia Stefan Zweig, não me recordo porque entrou na minha lista de autores a conhecer. O mais provável é ter sido sugerido por alguém cujas opiniões valorizo mas, o que importa é que fiquei agradavelmente surpreendida e vou querer ler mais livros dele.
Recomendo sem qualquer hesitação.
Aproveitem a Feira do Livro de Lisboa para encontrarem os livros dele a preços mais convidativos.
Boas leituras!
Excerto (pág. 63)
"Nunca, até esse momento (não me canso de o repetir), vira um rosto onde a paixão brotasse tanto a descoberto, tão bestial na sua impudica nudez, e fiquei para ali completamente entregue à contemplação fixa desse rosto... tão fascinada, tão hipnotizada pela sua loucura, como estava o seu olhar pelos movimentos palpitantes da bola em rotação.
A partir desse momento, não vi mais nada na sala, tudo me parecia apagado, embaciado, tudo se me afigurava obscuro em comparação com o fogo que brotava daquele rosto; e, sem dar atenção a mais ninguém, observei, talvez durante uma hora, apenas aquele homem e cada um dos seus gestos. Um luz brutal iluminou-lhe os olhos, o novelo convulso das mãos foi bruscamente desfeito como por uma explosão, e os dedos alargaram-se com violência, frementes, mal o croupier empurrou, em sua direcção, vinte moedas de ouro.
Nesse momento, o seu rosto iluminou-se e rejuvenesceu por completo; as rugas desfizeram-se lentamente; os olhos começaram a brilhar; o corpo antes contraído, endireitou-se, tornou-se leve como um cavaleiro impelido pelo entusiasmo do triunfo; os dedos faziam tilintar com amor e vaidade as moedas redondas, obrigando-as a escorregar umas de encontro às outras, fazendo-as dançar e tinir como numa brincadeira. Depois, voltou de novo a cabeça com inquietação, percorreu o pano verde com as narinas dilatadas como um cãozinho de caça farejando a boa pista, e, a seguir, num gesto rápido e nervoso, atirou todas as suas moedas de ouro para um dos quadros.
E logo começou a mesma atitude de expectativa, a mesma hipertensão."
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