Título original: C неба уnалu mpu яблока
Ano da edição original: 2015
Autor: Nariné Abgarian
Tradução (do russo): Nina Guerra e Filipe Guerra
Editora: Editorial Presença
Ano da edição original: 2015
Autor: Nariné Abgarian
Tradução (do russo): Nina Guerra e Filipe Guerra
Editora: Editorial Presença
"Em Maran, uma pequena aldeia aninhada nas montanhas arménias, os sonhos, as pragas e os milagres são produtos da realidade, intocados pelo tempo. É neste lugar perdido que encontramos Anatólia, tranquila, deitada na sua cama, à espera da morte, convicta de que só isso pode acontecer. Anatólia teve uma vida longa, não foi mãe como tanto desejou, passou anos a cuidar da biblioteca da aldeia, centro da sua pouca felicidade, e foi mulher num casamento em que o sofrimento substituiu o amor. Agora, sabe-o, vai morrer. Porém, Vassíli, o vizinho, entra de surpresa em sua casa: ele tem outros planos e uma proposta inesperada para lhe fazer.
E assim começa a história que vai transformar a aldeia de Maran, uma história que mescla realidade e fábula, que confunde as fronteiras do racional e do onírico, e não deixa ninguém - naquela aldeia ou deste lado do romance - indiferente."
Acho que a primeira palavra que me vem à cabeça quando penso neste livro é Beleza. Beleza nas palavras, beleza nas paisagens, beleza nas pessoas que nele são retratadas, beleza na forma como se relacionam entre si, beleza em praticamente tudo, exceto na dureza das vidas de todos em Maran, uma aldeia isolada nas montanhas da Arménia.
A história inicia com Anatólia, que se prepara para morrer, sozinha na sua casa. Sendo a mais nova de Maran, com cerca de 50 anos, acha que já viveu e sofreu o suficiente, está preparada para morrer e não quer que nenhuma das vizinhas saibam que se está a esvair em sangue e que a obriguem a ir para o Hospital no vale ou, que tentem curá-la com mezinhas. Está pronta para morrer e deixar Maran.
Quando acorda no dia seguinte e se apercebe que ainda está viva, sente-se um pouco desesperada, quer morrer e se não for rápido como achou que iria ser, não vai conseguir esconder o seu problema dos vizinhos.
A história começa por aqui, é-nos apresentada uma aldeia sem crianças, apenas velhos, que se conhecem desde sempre. Vivem como sempre viveram, com as suas rotinas, as suas birras e as suas alegrias. Tentam manter uma vida normal, mesmo sabendo que a aldeia desaparecerá quando o último habitante de Maran morrer.
A história de Maran e dos seus habitantes é uma história dura, cheia de perdas. É uma aldeia isolada numa montanha da Arménia onde, com o passar dos anos é cada vez mais difícil chegar, vindos do vale, onde se situa a cidade mais próxima.
Tal como toda a região, passou por guerras, fome e perdeu praticamente todos os jovens e crianças que lá nasceram, para a fome e para a guerra. Não há uma única pessoa na aldeia que não tenha perdido um filho.
No entanto, não se sente essa tristeza nas pessoas, talvez por terem perdido tanto e a desgraça ser tão democrática, ninguém se sinta no direito de andar infeliz porque o vizinho do lado perdeu tanto ou mais do que ele. Vivem em comunidade, são afáveis e preocupam-se uns com os outros e, à sua maneira acreditam no amor e na felicidade.
A história está repleta de algum misticismo, algum realismo mágico, que resulta muito bem em toda a narrativa. É quase normal que as coisas não sigam uma lógica racional e certinha em Maran. É um local isolado, meio perdido no tempo onde, para sobreviver a tanta perda, as pessoas recorrem a explicações menos racionais. Veem os seus mortos, encontram neles proteção e interpretam certos acontecimentos como sinais que podem indicar o caminho certo.
É uma história muito bonita, muito bem escrita e que, embora relate muita tristeza, me manteve com um sorriso no rosto porque está repleta de bom humor, de ternura, de aconchego e de gente muito mas muito real e próxima, que sentimos que podemos abraçar.
Gostei muito e recomendo sem qualquer hesitação.
Nariné Abgarian é para manter debaixo de olho.
Boas leituras!
Excerto (pág. 41):
"Cada linhagem da aldeia de Maran tinha a sua alcunha. Na maioria dos casos, era cómica e engraçada, às vezes irónica, mas havia, embora raramente, as muito ofensivas. A alcunha da linhagem estava em conformidade com o comportamento da pessoa, boa ou indecente, e depois o apelido era herdado pelos descendentes.
Por exemplo, o bisavô de Iassaman, na sua juventude, visitava muito o seu primo, ator principal de um dos maiores teatros do Vale. O primo levava-o aos espetáculos, apresentava-o nos círculos da alta-roda, ensinava-lhe como era preciso vestir-se. Uma vez, o bisavô voltou do vale com um chapéu nunca visto, até provocatório do ponto de vista dos conterrâneos. Quando lhe perguntaram que coisa era aquela que trazia enfiada na cabeça, o bisavô respondeu em tom de desafio:< Chlapka! > Pelo que foi apelidado de Chlapka, e os seus descendentes de Chlapkants.
Quanto à alcunha da linhagem dos Chalvarants, a história foi outra. O avô de Ovanés preparou-se para a guerra mundial como se fosse para uma festa: retorceu o bigode, enfiou na testa o gorro, cingiu a tiracolo duas cartucheiras em cruz, vestiu umas calças novas, caríssimas. Não chegou, porém, a juntar-se ao seu regimento, pelo caminho viu-se sob um canhoneio. Um estilhaços atingiu-lhe uma perna abaixo do joelho, o ferimento foi tão grave que lhe amputaram uma parte da perna e, acabado o tratamento, mandaram-no para casa. No hospital, o avô de Ovanés, em vez de se preocupar com a perna mutilada, lamentou as calças novas que teve de deitar fora.
- Chalvars, Chalvars - queixava-se às irmãs de misericórdia e aos médicos. Pelo que foi alcunhado de Chalvars, e todos os seus descendentes, de Chalvarants.
Na aldeia, brincavam que Iassaman e Ovanés se completavam como peças de vestuário."
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