Ano da edição original: 2000
Autor: Jon Fosse
Tradução: Manuel Alberto Vieira
Editora: Cavalo de Ferro
"Um menino está prestes a nascer - chamar-se-á Johannes como o avô e será pescador como o pai. Uma vida boa, é esse o desejo de quem o traz ao mundo, embora este seja um mundo duro, ruim e cruel. Um homem, velho e sozinho, morre - chama-se Johannes e foi pescador.
É o seu melhor amigo que o vem buscar rumo a esse destino onde não há corpos nem palavras, apenas tudo aquilo que se ama. Antes do regresso definitivo ao nada, Johannes revisita o museu da sua vida, longa, simples e quotidiana, confrontando-se paulatinamente com a morte num constante entrelaçamento de real e alucinação, passado e presente.
Manhã e Noite é um romance sobre o maravilhoso sonho que é viver e a aceitação do ciclo natural das coisas. Numa linguagem poética e elíptica, inovadora e despojada, Jon Fosse condensa toda uma existência em dois momentos-chave, urdindo uma reflexão encantatória sobre o significado da vida, Deus e a morte."
É um pequeno livro, em tamanho, mas que diz muito. A escrita embala, tem uma cadência que nos leva a compreender o que sentem as personagens. Sentimos a confusão, a alegria, o medo, o entusiasmo. Parece que estamos dentro da cabeça deles ou que aqueles pensamentos podem até ser nossos.
Pensei que fosse ter dificuldade em acompanhar a história, porque a forma como o livro está escrito, os parágrafos, as repetições, podiam ter sido motivo para me perder mas a verdade é que a linguagem é tão simples, como é Johannes e todos os que fizeram parte da sua vida e, da sua morte e, por isso, a história quase que baila dentro de nós
E é disto que se trata, do nascimento, da vida e da morte de Johannes. Da naturalidade e inevitabilidade que é subjacente a tudo isto. Nasce-se, vive-se, o melhor que conseguirmos e, depois morremos. Deixamos para trás as pessoas que nos preencheram a vida, que amámos, com quem rimos e chorámos. Encontramos os que partiram antes de nós e que, agora nos ajudam para que esta transição seja o mais pacífica possível, sem dor, confusão, medo ou revolta.
A parte final, em que se insinua uma espécie de vida depois da morte, uma visão mais religiosa da passagem para uma outra dimensão, porque me diz pouco, acabou por me estragar um pouco o resto do livro. Nada contra, até porque nunca se menciona Deus ou o paraíso ou algo semelhante mas, parece que me arrancou à pura ficção e me levou para os bancos da igreja. :)
Gostei desta primeira experiência com Jon Fosse. Gostei especialmente da linguagem e da forma como está escrito. Voltarei a ele, de certeza.
Boas leituras!
Excerto (pág. 28):
"(...) por aquela altura já deveria ter-se levantado, pensou, não podia ficar mais tempo deitado, e além disso ansiava por um cigarro, que bem me saberia um cigarro agora, pensa Johannes, e faz frio no quarto dele, na divisão principal também, mas na cozinha a lenha do figão esteve a arder toda a noite, de maneira que devia ir até lá, enrolar um cigarro, pôr a cafeteira ao lume e depois preparar qualquer coisa para comer, uma fatia de pão com queijo caramelizado, mais um dia igual a todos os outros dias, pensa Johannes. Mas e depois? O que faria ele depois? Talvez caminhar para oeste em direção à Enseada, para ver como estão as coisas por lá? e se o tempo não estiver especialmente mau talvez possa fazer-se à água, pescar um pouco, sim, talvez não seja má ideia, pensa Johannes, e logo lhe ocorre que acaba de pensar o que pensa todas as manhãs, todas as manhãs sem exceção tem exatamente o mesmo pensamento, pensa Johannes, mas que outro pensamento pode ele ter? que mais pode ele fazer senão caminhar para oeste em direção à Enseada?, pensa Johannes, e pensa também que não há razão para se sentir tão acabrunhado, não é assim tão terrível, ainda tem um tecto sobre a cabeça, calor bastante com se aquecer, e tem filhos, são bons filhos, os que ele tem, e a filha mais nova, Signe, não vive muito longe e visita-o quase todos os dias, é verdade, (...)"
Sem comentários:
Enviar um comentário