abril 06, 2010

A Peste - Albert Camus

" A Peste é, sem dúvida, o romance de consagração de Albert Camus. Publicado em Junho de 1947, o seu sucesso foi imediato e avassalador. Em Orão, na Argélia, no início dos anos 40, tem início uma epidemia de peste. A cidade, sujeita a quarentena, torna-se um território irrespirável. É talvez por isso que as mulheres quase não são visíveis nestas páginas. Mas a sua ausência não deixa um espaço vazio. Pelo contrário. Sentida como uma falta, como uma ferida aberta (que as lágrimas de Grand, porventura uma das mais tocantes personagens do livro, tornam evidentes), essa ausência sublinha a importância da ternura e da felicidade. E, ao mesmo tempo, vem tornar claro o verdadeiro significado desta obra: trágica alegoria de um tempo consagrado à inumanidade. O nosso."

A Peste é o primeiro livro que leio de Albert Camus, e estou certa não será o último, embora tenha sido um pouco diferente do que estava à espera.

Em A Peste, Orão é uma cidade próspera do litoral argelino, construída de costas voltadas para o mar, cujos habitantes vivem para trabalhar e acumular riqueza, vivendo de rotinas e sem qualquer sobressalto que os faça questionar a vida que levam. Orão é uma cidade moderna onde as relações humanas são relegadas para segundo plano, sobrevivendo no hábito e na tranquilidade das coisas dadas como certas, "Em Orão, como no resto do mundo,por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber." Os negócios são demasiado importantes e o divertimento tem dia e hora marcada. Fez-me alguma confusão a descrição de Albert Camus faz dos habitantes de Orão, tão indiferentes e desligados uns dos outros, mesmo durante a epidemia. Enquanto lia pareceu-me tão irreal que semelhante cidade existisse, mas a verdade é que é um retrato bastante fiel do que vivemos nos dias de hoje.
Fiquei ansiosa quando os ratos começaram a subir à cidade para morrer, por ver a falta de reacção da população. Era quase como se pensassem que ao ignorar o problema, ao não enfrentar a realidade, os ratos acabariam por desaparecer sem consequências. Eram algo desagradável, é certo, mas que apenas lhes alterava a rotina tranquila do dia a dia. Quando as pessoas começaram a morrer de forma tão avassaladora e em tão grande quantidade, a negação da epidemia deixou de ser possível e a cidade foi fechada ao exterior, ficando de quarentena por tempo indeterminado. A morte tinha-se instalado em Orão, separando famílias, amantes e amigos. Quando se viram isolados, sem poderem comunicar com o exterior, todos perceberam a importância que essas pessoas tinham nas suas vidas. Casamentos que se mantinham apenas pelo hábito ganharam nova vida e os amantes separados pelas portas da cidade reavivavam o sentimento devido à separação. Com o passar dos meses a dor da separação foi, para muitos a única razão para se manterem sãos, mesmo que para fim já nem os rostos das pessoas amadas conseguissem recordar com clareza.

Alguns viviam obcecados em fugir da cidade. Reencontrarem-se com quem ficou do lado de fora, era o mais importante. Aparentemente o medo de morrer sozinho era bem maior do que o perigo de contagiarem aqueles a quem desejavam voltar a ver e, que tinham por um golpe de sorte escapado à peste. Outros, como Rieux, Rambert, Tarrou e Grand, entregaram aqueles intermináveis meses de isolamento, medo e dor ao combate e à luta contra a epidemia. Relegando para segundo plano as aflições pessoais de cada um, em prol da comunidade. E houve, como sempre, aqueles que vêm em situações destas a oportunidade de lucrar com a miséria, como Cottard. Este livro tem de tudo e para todos os gostos... :)

Enfim, A Peste é um livro que faz um reflexão muito interessante sobre a morte e a vida, sobre as fragilidades humanas e sobre a forma como lidamos uns com os outros, em sociedade. Gostei muito de o ler, embora tenha ficado com a sensação de que a tradução desta edição não é das melhores. Fez-me confusão a forma distante como a história é narrada, numa espécie de crónica, onde os factos são relatados com muita objectividade pelo narrador. As excepções a esta objectividade resultaram, para mim, nos momentos que mais gostei de ler, embora falar de gosto seja provavelmente de mau gosto, pois foram momentos dramáticos. É o caso da morte do filho do juiz, apenas uma criança e a morte de Tarrou, uma pessoa intrinsecamente boa. Gostei muito das personagens que constituem o núcleo desta narrativa, Rambert, Grand, Cottard e, particularmente de Rieux e Tarrou.

Vale muito a pena ler A Peste. :)

Pretensos Factos:
- Dizem os dissecadores de livros que A Peste é uma alegoria à invasão de França pelas tropas alemãs, em 1940, em pleno nazismo. E, provavelmente essa leitura é válida.
- Albert Camus ter-se-à inspirado na epidemia de cólera que dizimou, em 1849, uma elevada percentagem da população de Oran, a segunda maior cidade da Argélia.

17 comentários:

  1. Eu adoro a escrita de Camus. Este foi também o primeiro que li do autor e depois sempre que passava por uma livraria acabava por trazer um livro dele para casa. :)

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  2. Vim a correr para ver qual seria o próximo :)
    Agora vou ler o texto.

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  3. Já li o texto. Vou procurar o livro, agora também fiquei com vontade de ler este :)

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  4. Também gostei muito da escrita. Tinha uma ideia diferente da escrita dele, pensei que fosse complicada e mais pesada, mas não é, lê-se muito bem. O próximo dele será o Estrangeiro. :)

    Pois, desta vez fiquei indecisa sobre o próximo. Os livros que me restam na estante (excepto os das revistas que são compras de oportunidade) são quase todos parte de séries e não queria estar a começar uma maratona de George R. R. Martin e Stieg Larsson. Vou para o Robert Wilson porque não me deve "obrigar" a continuar a leitura dos próximos da série Javier Falcón. :)

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  5. Sim este e o "Estrangeiro" são histórias que se lêem muito bem. "A Queda" e "O Avesso e o Direito", já considero um pouco mais, não digo complicados, mas requerem uma outra concentração. Este último é uma conjunto de várias histórias.
    "A Queda" é uma excelente introspecção a nós mesmos e à espécie humana.
    Fazes bem em que o próximo do autor seja "O Estrangeiro". Caso querias ler a minha opinião sobre o livro, aqui fica o link:
    http://tonsdeazul.blogspot.com/2009/08/um-estranho-na-sociedade.html
    Boas leituras! :) Eu de momento estou a descobrir a escrita de David Soares, com "Os Ossos do Arco-Íris"

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  6. Vim espreitar qual era o próximo.
    Ainda não li nada do Robert Wilson.

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  7. tonsdeazul: Nunca li nada do David Soares, mas ando curiosa, porque tenho lido coisas boas sobre ele. Fico a aguardar a tua opinião. :)

    redonda: É a minha estreia com o Robert Wilson. Avancei pouco no livro, mas tenha a impressão que vai ser muito bom... :)

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  8. N. Martins já o li e gostei imenso da sua escrita. Muito diferente de tudo o que tenho lido. Não sabia o que me esperava e no início achei um pouco estranha, pois por vezes chega a ser cruel, crua e negra, mas este livro engloba três contos (que não são nada mesmo de encantar) muito bem escritos e prendem-nos até ao fim, mesmo que, por vezes, nos repugne! Agora quero mesmo ler "O Envangelho do Enforcado", pois parece-me que vou encontrar algo diferente d'"Os Ossos dos Arco-Íris".

    Nem sempre coloco as minhas opiniões literárias no tonsdeazul, pois tenho um grave problema :) não gosto de escrever logo a seguir que os leio. É raro isso acontecer. Por isso é que a maioria das vezes coloco citações sobre eles. :)

    Não sabia que a minha opinião sobre "O Estrangeiro" te tinha levado a experimentar Camus! É sempre bom saber. :)

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  9. Tenho lido críticas muito positivas ao "O Envangelho do Enforcado" e pela tua opinião sobre "Os Ossos do Arco-Íris" parece que vou ter mesmo de ler alguma coisa do autor...
    Comigo é o contrário, como a minha memória não é das melhores, se não opino logo acabo por ir "esquecendo". O blogue acaba por funcionar como uma cábula. :)
    A tua foi uma das opiniões que me fez pegar no Albert Camus quando pesquisei um pouco sobre ele na net. Só quando segui o link que me deste é que me apercebi que já a tinha lido há uns meses... Outra vez o tal problematizo da memória! :/

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  10. Camus é excepcional e a Peste é um dos seus melhores livros.
    Expoente máximo do existencialismo francês, Camus foi um escritor brilhante mas também um grande homem. Li este livro há muitos anos e hei-de reler.
    Aconselho-te também O Mito de Sisifo, se bem que mais filosófico (é uma leitura difícil mas vale a pena).

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  11. Manuel, acho que foi uma boa maneira de entrar na obra de Camus. Tenho a certeza de que vou ler mais coisas dele pois gostei muito da maneira como ele escreve. :)

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  12. Consegui arranjar A Peste e comecei a ler :)

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  13. Acabei ontem. Gostei e também concordo com o que achaste quanto à distância do narrador e momentos mais dramáticos. Camus escreve mesmo bem. E entretanto lembrei-me que há muitos anos atrás li O Estrangeiro. Foi mesmo há muito tempo, quando teria à volta de 11, 12 anos. Só me lembro que o achei sério e não gostei. Estou a pensar em voltar a lê-lo e ver se me recordo mais do que li antes :)
    um beijinho (e tenho estado atenta e curiosa sobre qual vai ser o teu próximo livro :)

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  14. Li o Estrangeiro já à muitos aninhos e adorei contudo não li mais nada de Camus, mas certamente que as minhas maninhas têm alguns pois já ouvi maravilhas cá em casa sobre a Peste.

    Boas leituras. :)

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  15. Carla: É um bom livro e ando muito curiosa para ler o Estrangeiro. :)

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  16. Acabei de ler, há cerca de um mês, O ESTRANGEIRO, grande, grande livro, aconselho vivamente.

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