dezembro 06, 2011

A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile - Gabriel García Márquez

Título original: La Aventura de Miguel Littín, Clandestino en Chile
Ano da edição original: 1986
Autor: Gabriel García Márquez
Tradução: Margarida Santiago
Editora: Publicações Dom Quixote (Colecção Autor Nobel - Revista Sábado)

"A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, conta-nos de uma forma magistral, a verdadeira história do realizador chileno que, proibido de entrar no seu país, aí filmou clandestinamente durante seis semanas. Este livro de Gabriel García Márquez é, pelo método de investigação e pelo carácter do material, uma reportagem. Mas acima de tudo é a reconstituição emocional de uma aventura muito mais íntima e comovedora. Uma obra ímpar, de leitura obrigatória."

Miguel Littín é um dos mais conceituados realizadores chilenos e que, por ser apoiante declarado de Salvador Allende, viveu exilado durante os anos da ditadura de Pinochet. Em 1985, após 12 anos no exílio, Miguel Littín, entrou clandestinamente no Chile, onde permaneceu seis semanas, durante as quais filmou o documentário "Acta General de Chile". Uma reportagem emocionada de um regresso à muito desejado e não satisfeito na totalidade por não poder ser ele próprio no seu país, continuando a sentir-se, de certa forma, exilado,
"embora ainda me encontrasse exilado dentro de mim próprio: usava uma identidade falsa, um passaporte falso e até uma esposa falsa".

Em A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, Gabriel García Márquez relata essas seis semanas em que o realizador pôde passear pelo país, sentir a pulsação dos chilenos, o seu medo e a repressão existente, disfarçada, numa primeira impressão, pelo aparente progresso e prosperidade.
Esta primeira impressão assustou Littín, que sentiu, inclusive, algumas dúvidas acerca da veracidade dos relatos que chegavam a quem se encontrava longe do Chile,
"...ao contrário do que nos contavam no exílio, mostrava-se uma cidade resplandecente com os seus veneráveis monumentos iluminados, e as suas ruas limpas e em ordem."

Um olhar mais atento ao rosto dos chilenos revelou que na verdade o seu país tinha mudado e não para melhor,
"As almas estavam nos seus rostos sacudidos pelo vento gelado. Ninguém falava, ninguém olhava numa direcção definida, ninguém gesticulava nem sorria, ninguém fazia o menor gesto que traísse o seu estado de alma dentro dos casacos escuros, como se todos estivessem sozinhos numa cidade desconhecida."

E, depois de um período de adaptação à identidade que lhe permitiu regressar ao Chile e ao próprio país, Littín filma o seu documentário e vai-nos relatando os sustos, as aventuras, as alegrias e as peripécias que aconteceram nas seis semanas que permaneceu no Chile.
Achei deliciosas algumas passagens, como a do equívoco causado pela palavra "escanhoar", aparentemente caída em desuso nos 12 anos que Littín andou pela Europa.

Embora seja notória a influência de Gabriel García Márquez na forma como o relato de Miguel Littín chega até nós, a verdade é que pouco espaço há para a imaginação fértil do escritor e, por isso este não será um daqueles livros que nos deixam de alma cheia. É, à semelhança de outros que o autor tem publicados como o O Relato de um Náufrago (uma pequena pérola do García Márquez) ou Notícia de Um Sequestro, um livro que faz com que olhemos para factos históricos de uma forma diferente. Como já disse anteriormente, Gabriel García Márquez até uma lista de compras consegue tornar interessante e, tendo em conta que este livro nada tem a ver com listas de compras, o resultado só pode ser bom! :)

Embora de início me parecesse um pouco distante e sem que nada acontecesse realmente, apenas a sensação de que poderia acontecer alguma coisa que depois não se concretizava, ganha algum ritmo lá para o meio e no fim fechamos o livro com alguma pena. :)
Fiquei também, com curiosidade para ver o documentário que resultou desta aventura clandestina no Chile de Pinochet.

Recomendo, como não poderia deixar de ser.

Boas leituras! :)

Excerto:
"A sua memória multiplica-se em todos, nos velhos que votaram nele quatro vezes, nos que votaram três vezes, nos que o elegeram, nas crianças que só o conhecem pela tradição da memória histórica. Várias mulheres entrevistadas repetiram a mesma frase: «O único presidente que falou sobre os direitos da mulher foi Allende.» Porque quase nunca dizem o seu nome mas referem-se a ele como «o Presidente». Como se ainda o fosse, como se tivesse sido o único, com se estivessem à espera que regressasse. Mas o que perdura na memória das poblaciones não é tanto a sua imagem como a grandeza do seu pensamento humanista. «Não nos importa a casa nem a comida, mas sim que nos devolvam a dignidade», diziam. E concretizavam:
- A única coisa que queremos é o que nos tiraram: voz e voto."

8 comentários:

  1. Como já te tinha dito gostei bastante deste relato. García Márquez é fenomenal a descrever esta aventura do chileno Miguel Littín! Consegue prender-nos à história e vibrar com os acontecimentos que vão sendo narrados. No final também fiquei com uma enorme vontade de ver o documentário. Também ainda andei à procura de umas músicas e de alguns locais do Chile que são falados no livro. ;)
    Bom domingo!

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  2. tonsdeazul: Já leste "O Relato de um Náufrago"? É muito bom! :)

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  3. Não, N. Martins. Nem fazia ideia que era de García Márquez. Fiquei curiosa. Tenho de o procurar. ;)

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  4. Paloma: E meu. Acho estranhas as pessoas que não gostam de GGM! :p

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  5. Boa tarde,
    Temos para venda os 6 livros da colecção, em www.paulusstore.com ou poderá enviar email para geral@paulusstore.com
    Sempre ao dispor

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  6. "Gabriel García Márquez até uma lista de compras consegue tornar interessante"
    Concordo plenamente, este livro é uma prova disso.
    Gostei do livro, não existe o realismo mágico tão característico neste autor, mas a obra tem a qualidade que sempre nos habituou.
    Deixo aqui o link da sugestão que fiz da obra:
    http://sugestaodeleitura.blogspot.pt/2012/09/gabriel-garcia-marquez-aventura-de.html

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    1. Qualidade é o que nunca falta nas obras de Gabriel García Márquez e este não é a excepção. :)

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