Título original: Tortilla Flat
Ano da edição original: 1935
Autor: John Steinbeck
Tradução: Gervásio Álvaro
Editora: Editora "Livros do Brasil"
Autor: John Steinbeck
Tradução: Gervásio Álvaro
Editora: Editora "Livros do Brasil"
"Apropriando-se da estrutura e dos temas do ciclo arturiano, Steinbeck imaginou um novo castelo de "Camelot", situou-o numa das colinas pobres que cerca a cidade de Monterey, na Califórnia, e deu-lhe por habitantes um particularíssimo grupo de "cavaleiros".
Os "cavaleiros" em causa são paisanos, homens de diversas origens, cujos antepassados vieram estabelecer-se na Califórnia há centenas de anos. Sem laços constrangedores a empregos específicos, nem a outras complicações do American way of life, eles resistem com todas as suas forças à maré corrupta do trabalho honesto, e ao oceano de rectidão cívica que os cerca por todos os lados."
Tinha muitas saudades de ler Steinbeck e foi muito bom regressar a ele com este livro. Adoro ler autores que já conheço porque me dão uma tranquilidade na leitura, uma sensação de estar em casa que com os autores novos normalmente não acontece, têm outras vantagens, mas esta pertence aos escritores que são nossos velhos conhecidos e nos dão esta sensação de aconchego. :)
O Milagre de São Franscisco é a história de Danny, dos seus amigos e da casa de Danny. Danny e os amigos moram em Tortilla Flat, uma espécie de subúrbios de Monterey, na Califórnia. Em Tortilla Flat vivem os paisanos, homens e mulheres cujos antepassados habitam a Califórinia há mais de 100 anos. No seu sangue corre uma mistura de sangue índio, espanhol, mexicano e caucasiano. "Os paisanos estão isentos de comercialismo, libertos dos complicados sistemas americanos de negócios, e como não têm nada que possa ser roubado, explorado ou hipotecado, não foram muito atacados por esse sistema."
Danny e os amigos, Pablo, Pilon, Big Joe Portagee e Jesus Maria, são paisanos típicos. Têm aversão a qualquer tipo de relação duradoura e isso inclui o trabalho e o namoro. A única coisa que prezam para além de um garrafão de vinho é a amizade que os une. No centro desta amizade está Danny, um rapaz que poderia ter sido alguém na vida mas que escolheu vaguear, embebedar-se, dormir ao relento e andar à pancada. Quando regressa do serviço militar descobre que o avô morreu e fez dele proprietário, deixando-lhe duas casas nas colinas de Tortilla Flat. Com esta repentina subida na escala social, Danny sente o peso da responsabilidade e começa a repensar a sua forma de viver. Incapaz de viver debaixo de um tecto e ter os seus amigos a dormir ao relento, pouco a pouco a casa de Danny torna-se a casa de todos eles. Nela passam os dias encostados, a beber e a planear como conseguirão o próximo garrafão de vinho. :)
É numa dessas alturas que surge Pirata, uma pobre alma que vive rodeado de cães, que dorme num galinheiro com eles e que ganha a sua vida a vender madeira na cidade. Não gasta um cêntimo daquilo que ganha, vive em condições miseráveis sendo, no entanto, acarinhado por todos na cidade, por ser um rapaz honesto, sem qualquer malícia no seu coração. Quando Pablo se apercebe da quantidade de dinheiro que Pirata deverá ter guardado algures na mata, enceta um plano para lhe ficar com a pequena fortuna. E é quando Pirata, com toda a sua ingenuidade, entra na vida destes homens, que não sendo más pessoas não eram propriamente possuidores da melhor moralidade, que tudo começa a mudar e a lenda da casa de Danny começa a ser escrita. É também aqui que percebemos de onde vem o título da edição portuguesa, muito bem escolhido. :)
No início estranhei bastante a forma como Steinbeck retratava este grupo especial de homens, cujo único interesse era beber, procurar um rabo de saias e agradar a Danny. Retratava-os sempre como sendo homens de bom coração, cujas intenções eram sempre as melhores, mesmo quando roubavam, mentiam e interferiam na vida dos outros pensando apenas no seu próprio benefício. Era tudo absurdo e moralmente duvidoso, no entanto, pouco a pouco, estes homens preguiçosos, completamente parasitários na sociedade, incapazes de pensar para além do círculo onde se moviam, começam a mudar e o que se começa evidenciar é o sentimento muito forte que nutrem uns pelos outros. Com um sentido de justiça muito próprio protegiam-se uns aos outros e não hesitavam em ajudar, mesmo não tendo nada para oferecer de seu. A realidade é que ao longo do livro ganham um aura de santidade, retorcida, é certo, mas que não deixa de ser mesmo assim uma coisa boa.
Mais uma vez Steinbeck coloca as suas personagens em situações limite de pobreza, evidenciando a dureza daqueles tempos e daquela região.
O Milagre de São Franscisco é uma história sobre a amizade e sobre a bondade que mesmo a mais vil das criaturas pode ter dentro de si. É uma história sobre a ingenuidade, sobre os bons corações das pessoas que cometem acções menos boas, ou moralmente condenáveis, em prol do outro. Difícil de perceber? Talvez, no entanto quando lerem o livro é fácil de perceber e de conceber.
Se juntarmos a isto tudo a escrita divertida de Steinbeck, este é um livro que não devem deixar de ler! Recomendo!
Boas leituras!
Excerto:
"Esta é a história de Danny, dos seus amigos e da sua casa. Esta história narra como eles os três se tornaram numa só coisa, de modo que, na Tortilla Flat, quando se fala da casa de Danny, não se tem em mente uma estrutura de madeira coberta de caliça velha a desprender-se do emaranhado de uma antiga roseira-de-castela. Não, quando se fala da casa de Danny, subentende-se uma unidade cujas partes são homens, uma unidade donde emanava a ternura, a alegria, a filantropia e, no fim, uma tristeza mística. É que nem entre a casa de Danny e a Távolo Redonda havia diferença nem os amigos de Danny eram diferentes dos cavaleiros."
Deixo-vos aqui o trailer de um filme de 1942, baseado no livro de John Steinbeck, e com o mesmo nome deste - Tortilla Flat:
Já tinha lido uma excelente opinião a este livro no blogue "Os Meus Livros, do Manuel Cardoso. E agora a tua, mas também vindo de Steinbeck não é de espantar. ;) Como referes os autores de que gostamos é sempre bom voltar, pela segurança que nos dão. Vou também querer ler esta obra.
ResponderEliminarCMachado: Julgo que este no Brasil está editado como "Boêmios Errantes". :)
ResponderEliminarTenho muita curiosidade para ler Philip Roth, porque é um escritor de que oiço falar muito bem. Não conheço Elizabeth Kostova... Estás a gostar?
Também gostei deste livro. No entanto, acho que personagens como Danny só existem na literatura, mas ainda bem que existem...
ResponderEliminarTiago M. Franco: Não sei se só existem na ficção. Existem algumas pessoas que possuem este "dom" de unir as pessoas. Isso pode ser bom ou mau, como a história já mostrou muitas vezes. :)
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