junho 29, 2012

O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu - Jonas Jonasson

Título original: Hundraaringen som klev ut genom fönstret och försvann
Ano da edição original: 2009
Autor: Jonas Jonasson
Tradução do francês: Mário Matos
Editora:Porto Editora

"No dia em que Allan Karlsson celebra 100 anos, toda a cidade o aguarda para uma grande festa em sua honra. 
Mas Allan tem outros planos... Morrer de velho? Sim, mas não ali!
Munido de um par de chinelos gastos, joelhos empenados e uma ousadia tremenda, Allan lança-se numa extraordinária aventura, arrastado numa torrente de equívocos e golpes de sorte.
E ao mesmo tempo que acompanhamos a sua última viagem (ou será que não?), conhecemos o seu passado, perdido entre guerras, explosões e mulheres fatais - qual delas a mais perigosa"

Este livro é absurdo da primeira à última página! A história é absurda, Allan Karlsson, o centenário que no dia do seu centésimo aniversário decide que não quer morrer no lar de terceira idade, é absurdo e, por fim, todo o livro é absurdamente bom e divertido! :)

Allan Karlsson decide, num impulso, no dia do seu centésimo aniversário que, não quer participar na festa que o lar de terceira idade lhe está a preparar. Calça as pantufas, salta, com alguma dificuldade, pois os seus joelhos já não são o que eram, pela janela do seu quarto e parte, sem destino, à procura de mais uma aventura.

O livro relata aquela que julgamos ser a última aventura de Allan Karlsson, ao mesmo tempo que nos conta a longa vida do velhinho. E que vida a deste homem! Dono de uma personalidade simples, de bom carácter mas com uma noção de certo e errado por vezes duvidosa, viajou pelo mundo e atravessou a pé os Himalaias. Quem diria, ao iniciar a leitura deste livro, que estaríamos na presença de alguém que participou de forma activa, embora nada premeditada, nos destinos do mundo, sendo que na maior parte das vezes a única coisa que o guiava era o prazer de comer uma boa refeição acompanhada de uma boa bebida, qualquer uma, desde que contivesse álcool. :) Allan Karlssom, o homem que não suportava falar de política, que não tomava partido, ao longo da sua longa vida, jantou com todos os líderes mundiais, Franco, Estaline, Mao Tsé-Tung, Truman, Churchil, De Gaulle e por aí fora, tudo porque Allan tinha um talento especial para lidar com explosivos...

O Allan com cem anos continua igual a si mesmo, vivendo segundo o lema de que o que tiver que ser será e que tudo se resolverá. Ao fugir do lar de terceira idade dá início a uma aventura hilariante que toma proporções inimagináveis, que vai envolver a polícia, a imprensa nacional e um grupo de gangsters que só queriam recuperar a mala que Allan levou consigo, apenas e só porque lhe pareceu o melhor a fazer, talvez na mala estivessem uns sapatos que pudesse trocar pelas suas pantufas mija-pés!
E mais não digo. Acrescento apenas que Allan, ao longo desta sua aventura, reúne à sua volta um grupo de pessoas dignas de conhecer. Temos Jullius, um pequeno delinquente sexagenário, Benny um vendedor de cachorros quentes que é quase licenciado em tudo o que se possa imaginar, Minha Linda uma ruiva explosiva e Sónia a paquiderme... Curiosos? :)

Adorei este livro, é muito divertido sem deixar de ser um livro historicamente interessante. Gostei muito da escrita de Jonas Jonasson, e as personagens são extraordinárias! O tom é muito semelhante ao da série de

Recomendo!

Boas leituras!

Nota: Os países nórdicos têm uma tara qualquer por títulos enormes e descritivos! Neste caso funciona muito bem, porque acaba por ser o primeiro indício de que estamos na presença de um livro genialmente divertido!


Excerto:
"Allan constatou que conseguia ser ao mesmo tempo uma ratazana e um cão, em menos de um minuto. Estaline devia ser doido, se ainda achava que ia ter a ajuda dele. De qualquer forma estava farto de ser insultado. Tinha ido a Moscovo para ser útil, e não para ser maltratado. Estaline que se desembrulhasse sozinho. 
- Estava a pensar cá numa coisa - disse Allan.
- Ah, sim? E em quê? - perguntou Estaline, furioso.
- Não acha que devia rapar esse bigode?
A noite terminou com esta pergunta. O intérprete perdera os sentidos."

junho 21, 2012

Por Favor Não Matem a Cotovia - Harper Lee

Título original: To Kill a Mockingbird
Ano da edição original: 1960
Autor: Harper Lee
Tradução: Fernando Ferreira-Alves
Editora:Difel

"Durante os anos da Depressão, Atticus Finch, um advogado viúvo de Maycomb, uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos, recebe a dura tarefa de defender um homem negro injustamente acusado de violar uma jovem branca. Através do olhar curioso e rebelde de uma criança, Harper Lee descreve-nos os dia-a-dia de uma comunidade conservadora onde o preconceito e o racismo caracterizam as relações humanas, revelando-nos, ao mesmo tempo, o processo de crescimento, aprendizagem e descoberta do mundo típicos da infância. Recentemente, alguns dos mais importantes livreiros norte-americanos atribuíram grande destaque ao livro, ao elegerem-no como o melhor romance do século XX."


Não sei por onde começar... Por um lado tenho imensas coisas para dizer, por outro, o que dizer sobre este livro fabuloso, emocionante e divertido? Harper Lee escreveu um único livro e, fê-lo tão bem, que ficou sem palavras, optando por não escrever mais nada.

A história passa-se numa pequena cidade do sul dos EUA, em Maycomb, nos anos 30, em plena Grande Depressão, no seio de uma comunidade conservadora e fechada. 
Scout Finch é uma menina de 7 anos, rebelde e maria-rapaz, é extremamente inteligente e possui uma inocência desarmante. O irmão, Jem, uns anitos mais velho é o seu companheiro inseparável de brincadeira. Juntamente com Dill, o rapaz que passa os Verões em casa da tia, vizinha dos Finch, formam um trio maravilha, cujas brincadeiras acabam muitas vezes em castigo. Um preço baixo a pagar pelo excesso de imaginação. :)
Atticus Finch é pai de Scout e Jem, viúvo e advogado, é um pai invulgar para a época, deixando as crianças mais ou menos à vontade e tratando-os sempre como seres inteligentes e capazes, e não como meras crianças. A relação deste com os filhos é fantástica porque, embora estes o tratem pelo nome, muito raramente o chamam de pai, o carinho que os une é indiscutível e notório. As personagens são, a par da história, um dos pontos mais fortes deste livro.

Quando Atticus é escolhido para defender em tribunal um negro acusado de violar uma jovem branca, a vida da família Finch sofre alguns percalços, com os habitantes de Maycomb a não tolerarem que Atticus trabalhe para os "pretos". Muitas destas pessoas admitem até a inocência do rapaz, no entanto nem lhes passa pela cabeça ilibá-lo do que quer que seja, nunca quando do outro lado está um branco, mesmo que um não muito estimado na comunidade.

São estas contradições, estes defeitos de carácter que Scout e Jem vão estranhando, ao longo de todo o processo, e questionando, uma vez que, na sua inocência de pessoas bem criadas, não conseguem perceber o conceito de racismo.
Por Favor Não Matem a Cotovia é um livro que mais do que tudo fala de respeito. Respeito pela diferença, respeito pelo espaço dos outros, pelas opiniões dos outros e respeito pelos mais velhos. O facto de não se focar apenas no racismo poderá ser umas das razões que o tem destacado, ao longo dos anos, de toda a literatura que existe sobre o tema. No entanto, acredito que é o tom despretensioso com que é escrito, onde nenhum ponto de vista é imposto, que o tornam na obra incontornável e actual que é. Quem ainda acredita que é na cor da pele que reside o nosso valor como seres humanos não se sentirá ofendido ou espicaçado com a leitura deste livro, no mínimo sentir-se-à envergonhado por nunca se ter apercebido de algo tão óbvio e de ter precisado que uma criança de 7 anos lho explicasse.

Para além dos temas mais ou menos pesados, o livro é naturalmente muito divertido pois, Scout, Jem e Dill são crianças maravilhosas. A leitura é muito fluída, não só porque a escrita é muito acessível mas porque as personagens estão todas muito bem desenvolvidas e a autora consegue manter-nos, enquanto leitores, sempre interessados na história.

Gostei muito e por isso, recomendo, sem quaisquer reservas.

Boas leituras!

Excerto:
"Tinha a sua própria visão das coisas, talvez bastante diferente da minha... filho, eu disse-te que se tu não tivesses perdido a cabeça, eu ter-te-ia mandado ler para ela na mesma. Queria que visses qualquer coisa nela...queria que visses o que é a verdadeira coragem, em vez de pensares que coragem é um homem com uma arma nas mãos. Coragem é sabermos que estamos vencidos à partida, mas recomeçar na mesma e avançar incondicionalmente até ao fim. Raramente se ganha, mas às vezes conseguimos. E Mrs. Dubose ganhou, do princípio ao fim, da cabeça aos pés. Segundo a sua visão das coisas, ela morreu livre e sem dever nada a ninguém. Era a pessoa mais corajosa que já conheci."

Nota: Existe pelo menos um filme baseado na obra de Harper Lee: "To Kill a Mockingbird". Fica aqui o trailer:

junho 11, 2012

Mau Tempo no Canal - Vitorino Nemésio

Título original: Mau Tempo no Canal
Ano de edição: 1944 
Autor: Vitorino Nemésio 
Editora: INCM - Imprensa Nacional Casa da Moeda

"«Creio que o isolamento de cada ilha açoriana dá lugar à constante presença de um fantástico individual, que percorre de um modo exemplar o romance de Nemésio, desde a personagem mais singela até à de maior complexidade. Fantástico individual que está em luta aberta contra um maravilhoso colectivo. Assistimos a um descer dentro de cada um, como se dentro de si pisassem os degraus da escada em curva - perfeita sucessão de serpentes cegas - que levam, na geografia insular, ao lago subterrâneo da ilha Graciosa; a única das cinco ilhas centrais que as páginas de Mau Tempo no Canal não contemplam.»"                                                                                       
                                                             Do prefácio de João Miguel Fernandes Jorge

Mau Tempo no Canal é um livro sobre os Açores, mas não é bem um livro sobre os Açores. Foi escrito nos Açores, a acção tem lugar no Arquipélago, as personagens são açorianas, no entanto, a história poderia passar-se em qualquer outra ilha perdida no meio de um qualquer oceano. Posto isto, Mau Tempo no Canal é, para além de muitas outras coisas, um livro sobre o isolamento e sobre as amarras da sociedade que nos impõem caminhos que na realidade não desejamos. Tendo como pano de fundo o Canal do Faial, Vitorino Nemésio vai-nos contando uma história de amor, que acaba por não o ser, aliás, poucas são as coisas que correm como planeado neste livro. :) A protagonista, Margarida Clark Dulmo é uma filha da terra, pertencente a uma das famílias mais antigas e respeitáveis da ilha. Margarida é uma miúda inteligente, divertida, corajosa e sonhadora. Todos os seus sonhos acabam, no entanto, por ir contra ao que a família espera dela, um casamento conveniente que permita à família recuperar algum do fulgor económico que perdeu, com a má gestão do pai, Diogo Dulmo, e com a cada vez mais rara caça de baleias.
O livro começa com a promessa de uma história de amor entre Margarida e João Garcia, um rapaz não tão bem-visto no seio dos Clark Dulmo. João Garcia parte para o continente para cumprir serviço militar, deixando Margarida quando ainda havia muito pouco para recordar, no entanto, o que sente por ela em vez de desaparecer, cresce e Margarida acaba por se tornar na única mulher que realmente amou. Margarida, pelo contrário, acaba por afastar João Garcia, embora ao longo do livro se perceba que sente por ele mais do que quer dar a entender. Na verdade, Margarida, nos dias de hoje seria, provavelmente, uma mulher concentrada na carreira profissional, sem procurar a felicidade numa relação amorosa, mas sim no seu desenvolvimento pessoal. Posto isto e, tendo em conta que a acção se desenrola entre 1917 e 1919, num sítio rodeado por mar, podemos intuir que a vida de Margarida não será propriamente fácil e as suas escolhas serão tudo menos pacíficas. :) Tendo sempre presente que, num meio pequeno, de certa forma isolado, todos os problemas parecem maiores, todos os dilemas, questões de vida ou morte. Neste aspecto, Margarida não é muito diferente de todas as outras pessoas da ilha.

É com pena que chego ao fim deste livro sem ter gostado especialmente dele. Não me identifiquei com a escrita elaborada de Vitorino Nemésio, não me conseguiu envolver nas vidas das personagens ou mesmo fazer sentir o ambiente das ilhas. Manter a concentração foi o maior desafio que encontrei neste livro. No entanto, embora não tenha ficado impressionada com ele, fiz um esforço extra para tentar chegar ao fim (confesso que saltei parágrafos) queria saber como acabava tudo. A história é boa, a forma com nos é contada é que, pessoalmente, não me cativou. Gostei, por exemplo, dos diálogos, da escrita em "açoriano" praticamente indecifrável mas que ajudavam a criar o ambiente vivido e gostei de algumas descrições. A forma como tudo isto está ligado, pareceu-me por vezes desconexo, confuso e com muitas descrições, para mim desnecessárias. Cheguei a mais de meio do livro e pensei em desistir, custava-me voltar a pegar nele, exactamente porque me sentia completamente desligada da história, tão desligada que a memória do que tinha lido era muito vaga e cheguei a confundir personagens... Só quando li algumas críticas é que me apercebi de que nem tudo acontecia na mesma ilha e que o canal separava a ilha do Pico e do Faial... (shame on me). Só voltei a pegar nele por puro despeito e, na realidade, lá mais para a frente a história ganha outro balanço e, como já referi, gostei da parte dos diálogos e por isso fui lendo. 

Não fiquei impressionada e duvido que alguma vez volte a ele, no entanto, não li nenhuma crítica negativa sobre ele, pelo contrário, sempre li coisas muito positivas sobre este livro. Sendo assim, não posso deixar de o recomendar, é muito provável que o problema seja meu! :)

Boas leituras!

Excerto:
" O mundo, aliás, nunca lhe aparecera tão vivo, representado na sua solidão de solteiro pela própria força do silêncio da noite e do esgotamento de um dia gasto à espera daquela mensagem de Margarida que dois meses enchiam de uma necessidade dolente e tornavam cada vez mais longínqua. Mas a própria intensidade e uso desse desejo criava em João Garcia um começo de palpitação daquilo por que esperava, como se a carta fosse o seu próprio cérebro excitado, e as sombra do fundo do quarto, o guarda-fato de espelho, o cubículo que lhe servia de escritório abafado em veludos puídos e me laçarotes encarnados derivassem da projecção do papel em que Margarida lhe escrevesse."