Título original: O Desejo de Kianda
Ano da edição original: 1995
Autor: Pepetela
Editora: Publicações Dom Quixote
Ano da edição original: 1995
Autor: Pepetela
Editora: Publicações Dom Quixote
"«João Evangelista casou no dia em que caiu o primeiro prédio. No Largo do Kinaxixi. Mais tarde procuraram encontrar uma relação de causa a efeito entre os dois notáveis acontecimentos. Mas só muito mais tarde, quando a síndrome de Luanda se tornou notícia de primeira página do New York Times e do Frankfurter Allgemeine. Aliás João Evangelista casou às cinco da tarde, na Conservatória do Kinaxixi, e o prédio caiu às seis. A existir relação, parece claro ser o casamento a causa e nunca o suicídio do prédio. O problema é que as coisas nunca são tão límpidas quanto gostaríamos.»"
Este é um daqueles livros que se lêem de uma assentada. É pequenino, quase um conto a dar para o comprido. Não é o meu Pepetela favorito, aliás este não é o registo que mais aprecio no escritor, no entanto gostei bastante da história.
No dia de casamento de João Evangelista com Carmina, membro do Comité Central, tem início, em Luanda, um fenómeno que ninguém consegue explicar. No dia do casamento cai o primeiro prédio no Largo do Kinaxixi. Cair um prédio, sem razão aparente já seria de estranhar, quando a queda do prédio parece desafiar todas as leis da física o acontecimento torna-se um fenómeno. Como é que é possível que o prédio tenha caído lentamente, com todas as pessoas a chegarem ilesas ao chão? Estranho? Sim, no mínimo. Mais estranho só mesmo se a queda do prédio não for única mas o primeiro prédio do Largo do Kinaxixi que rui daquela forma. Pouco a pouco, todos os prédios do Kinaxixi vão caindo, sem que ninguém consiga encontrar uma razão lógica para o fenómeno que acaba por ser apelidado de Síndrome de Luanda. Um por um, os prédios de um bairro residencial recente, habitado pela classe média de Luanda, vai desaparecendo.
No bairro existe um prédio cuja construção nunca foi terminada e junto a ele existe uma espécie de lago, barrento e putrefacto. Cassandra é uma das muitas crianças que moram nesse prédio e apenas ela parece pressentir a razão do estranho comportamento dos prédios naquele bairro. Cassandra ouve uma voz que apenas ela consegue ouvir. A voz de Kianda, a figura que os angolanos crêem que habita em todos os lagos, rios e mares, uma sereia. O bairro do Kinaxixi foi construído em cima de uma lagoa, onde naturalmente habitava Kianda. A pessoas que assistiram à destruição da lagoa, contam que uma mafumeira, a mafumeira de Kianda, chorou sangue pelo cepo durante uma semana. Será que o Síndrome de Luanda não é apenas Kianda a fazer cumprir o seu desejo de restituir a lagoa ao seu sítio original? Será que a natureza está a reclamar o seu espaço novamente?
Enquanto a natureza reclama o seu direito à terra, ao seu espaço, os homens guerreiam e vivem deslumbrados pelo poder e pelo dinheiro e João Evangelista vive num mundo de fantasia. Alheio ao que se passa à sua volta, passa os dias a jogar jogos de estratégia no computador, construindo civilizações enquanto lá fora se vão destruindo alguns dos pilares da civiliação.
Mais uma história de Pepetela que toca o tema da guerra e da corrupção em Angola. Onde os ideais são facilmente postos de parte se o que está em causa são milhões de dólares. Por milhões de dólares alguém que sempre lutou pelo povo e do lado do povo que tem a oportunidade de servir esse mesmo povo nas mais altas esferas do poder político de Luanda, sucumbe à tentação e fica milionário com o negócio de compra e vendas de armas, que alimentam a guerra civil que estalou na sequência das eleições. As mesmas eleições que legitimam a presença desses representantes do povo permite que estes lucrem com o conflito que se inicia
Fazendo alguma pesquisa na Internet, descobri que o prédio em eterna construção existiu durante mais de trinta anos (http://www.diariodaafrica.com/2008/07/o-prdio-do-kinaxixi.html) tal como o Largo de Kinaxixi e a lenda da lagoa de Kianda.
Gostei e recomendo!
Boas leituras!
Excerto:
"Era um cântico suave, doloroso, que uma criança um dia ouviu. Disse aos amigos, que riram. Agora a água canta? É tão bonito, mas tão triste, repetiu a criança. Cassandra de seu nome. (...) Cassandra insistia, os pais não quiseram ouvir o cântico. Os amigos riam, Cassandra pirou de vez, diziam. Então não é maluco quem ouve o que mais ninguém ouve, ou quem vê o invisível para os outros? E no entanto, o cântico subia, cada vez mais dorido, das águas escuras onde rãs e cacussos coabitavam no meio de plantas de folhas redondas. Cassandra deixou de falar nisso, por inútil. Mas muitas vezes se punha à beira da lagoa, ouvido atento, o pé ritmando a música. E a sua cara de menina entristecia como as flores ao fim da tarde."
O nome da criança, Cassandra, que ouvia a voz de Kianda, fez-me lembrar esta música do cantor espanhol Ismael Serrano:
No dia de casamento de João Evangelista com Carmina, membro do Comité Central, tem início, em Luanda, um fenómeno que ninguém consegue explicar. No dia do casamento cai o primeiro prédio no Largo do Kinaxixi. Cair um prédio, sem razão aparente já seria de estranhar, quando a queda do prédio parece desafiar todas as leis da física o acontecimento torna-se um fenómeno. Como é que é possível que o prédio tenha caído lentamente, com todas as pessoas a chegarem ilesas ao chão? Estranho? Sim, no mínimo. Mais estranho só mesmo se a queda do prédio não for única mas o primeiro prédio do Largo do Kinaxixi que rui daquela forma. Pouco a pouco, todos os prédios do Kinaxixi vão caindo, sem que ninguém consiga encontrar uma razão lógica para o fenómeno que acaba por ser apelidado de Síndrome de Luanda. Um por um, os prédios de um bairro residencial recente, habitado pela classe média de Luanda, vai desaparecendo.
No bairro existe um prédio cuja construção nunca foi terminada e junto a ele existe uma espécie de lago, barrento e putrefacto. Cassandra é uma das muitas crianças que moram nesse prédio e apenas ela parece pressentir a razão do estranho comportamento dos prédios naquele bairro. Cassandra ouve uma voz que apenas ela consegue ouvir. A voz de Kianda, a figura que os angolanos crêem que habita em todos os lagos, rios e mares, uma sereia. O bairro do Kinaxixi foi construído em cima de uma lagoa, onde naturalmente habitava Kianda. A pessoas que assistiram à destruição da lagoa, contam que uma mafumeira, a mafumeira de Kianda, chorou sangue pelo cepo durante uma semana. Será que o Síndrome de Luanda não é apenas Kianda a fazer cumprir o seu desejo de restituir a lagoa ao seu sítio original? Será que a natureza está a reclamar o seu espaço novamente?
Enquanto a natureza reclama o seu direito à terra, ao seu espaço, os homens guerreiam e vivem deslumbrados pelo poder e pelo dinheiro e João Evangelista vive num mundo de fantasia. Alheio ao que se passa à sua volta, passa os dias a jogar jogos de estratégia no computador, construindo civilizações enquanto lá fora se vão destruindo alguns dos pilares da civiliação.
Mais uma história de Pepetela que toca o tema da guerra e da corrupção em Angola. Onde os ideais são facilmente postos de parte se o que está em causa são milhões de dólares. Por milhões de dólares alguém que sempre lutou pelo povo e do lado do povo que tem a oportunidade de servir esse mesmo povo nas mais altas esferas do poder político de Luanda, sucumbe à tentação e fica milionário com o negócio de compra e vendas de armas, que alimentam a guerra civil que estalou na sequência das eleições. As mesmas eleições que legitimam a presença desses representantes do povo permite que estes lucrem com o conflito que se inicia
Fazendo alguma pesquisa na Internet, descobri que o prédio em eterna construção existiu durante mais de trinta anos (http://www.diariodaafrica.com/2008/07/o-prdio-do-kinaxixi.html) tal como o Largo de Kinaxixi e a lenda da lagoa de Kianda.
Gostei e recomendo!
Boas leituras!
Excerto:
"Era um cântico suave, doloroso, que uma criança um dia ouviu. Disse aos amigos, que riram. Agora a água canta? É tão bonito, mas tão triste, repetiu a criança. Cassandra de seu nome. (...) Cassandra insistia, os pais não quiseram ouvir o cântico. Os amigos riam, Cassandra pirou de vez, diziam. Então não é maluco quem ouve o que mais ninguém ouve, ou quem vê o invisível para os outros? E no entanto, o cântico subia, cada vez mais dorido, das águas escuras onde rãs e cacussos coabitavam no meio de plantas de folhas redondas. Cassandra deixou de falar nisso, por inútil. Mas muitas vezes se punha à beira da lagoa, ouvido atento, o pé ritmando a música. E a sua cara de menina entristecia como as flores ao fim da tarde."
O nome da criança, Cassandra, que ouvia a voz de Kianda, fez-me lembrar esta música do cantor espanhol Ismael Serrano:
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