setembro 01, 2013

A Luz é mais Antiga que o Amor - Ricardo Menéndez Salmón


Título original: La Luz es más Antigua que el Amor
Ano da edição original: 2010
Autor: Ricardo Menéndez Salmón
Tradução do inglês: Helena Pitta
Editora: Assírio & Alvim

"Numa segunda-feira de 1350, quando a Europa recupera da Peste Negra, o futuro papa Gregório XI visita o pintor toscano Adriano de Robertis para destruir a sua última obra, a blasfema Virgem Barbuda. A 25 de fevereiro de 1970, o pintor norte-americano Mark Rothko corta as veias no seu estúdio de Nova Iorque. A 11 de setembro de 2001, enquanto o mundo penetra na Era do Desconsolo, o pintor russo Vsévolod Semiasin redige uma carta onde revela as razões da sua loucura.

A história destes três mestres, baseada num enigma (o destino insuspeito da Virgem Barbuda de Adriano de Robertis) e gravitando em torno de uma ideia central (o compromisso do pintor com a sua arte face ao poder encarnado pela Igreja, Mercado ou Estado), é o eixo condutor de A Luz é mais Antiga que o Amor, livro de que um romancista chamado Bocanegra nos fala durante três momentos cruciais da sua vida: o nascimento da sua vocação, a morte da mulher e a sua consagração em 2040 como glória da literatura universal.

Depois da aplaudida Trilogia do Mal, Ricardo Menéndez Salmón regressa com um texto audacioso que pode ser lido como um ensaio sobre o génio artístico, como um romance de aprendizagem e até como uma obra de mistério." 

Esta opinião está a sair a ferros... Isto porque não me sinto, relativamente a este livro capaz de o comentar ou de estruturar uma opinião. É provável que a dificuldade esteja associada ao facto de não ser propriamente um romance, mas antes uma espécie de ensaio. Portanto a dificuldade começa logo por não o conseguir categorizar... :)
Enfim, rótulos à parte, A Luz é Mais Antiga que o Amor é, primeiro que tudo um livro que só pelo título vale a pena comprar, ou no mínimo merece uma espreitadela à sinopse. A frase é linda! Depois, é um livro do genial Ricardo Menéndez Salmón (RMS), o autor da surpreendente Trilogia do Mal (já aqui comentada). Estas foram as razões que me levaram a comprá-lo e agora que foi lido, não me parece que tenha corrido mal. :)

A Luz é Mais Antiga que o Amor, é um livro sobre pintura, sobre pintores e sobre a arte de criar, cuja narrativa chega até nós através de um escritor, Bocanegra que se parece muitas vezes com o próprio RMS.
Nele RMS percorre três períodos da história, cada um dedicado a um pintor distinto. Conhecemos Adriano de Robertis, no século XIV, em 1350, a defender a sua obra mais polémica, a Virgem Barbuda contra a censura da Igreja. Dá-se um salto no tempo e já no século XX é-nos apresentada a obra e vida de Mark Rothko (a única personagem não ficcionada), que em 1970 pôs termo à própria vida no seu estúdio e, terminamos, já com um pé no século XXI, com Vsévolod Semiasin, que numa série de cartas ao cunhado, descreve a sua delirante e tortuosa caminhada para a loucura. Nos entretantos vamos também conhecendo a vida e o percurso de Bocanegra, o narrador. 

Nada parece ligar estes três pintores, viveram em épocas distintas e nenhum deles atingiu a tão procurada imortalidade através das suas obras. No entanto, são os três atormentados pelos mesmos medos, pelas mesmas dúvidas e todos eles são de certa forma loucos ou donos de uma sanidade mental precária.
Os três lutam contra a rotina e contra aquilo que os outros acham correcto. Tentam de uma forma ou de outra ser únicos, originais, notando-se que excentricidade evolui a par com o passar do tempo, sendo Vsévolod Semiasin o seu expoente máximo. De Robertis apenas descobre a sua capacidade de "pensar fora da caixa" depois do seu único filho morrer, vítima da peste negra. Até aí fazia aquilo que esperavam dele, não sentido necessidade de criar algo diferente, até que o filho o incentiva a utilizar a criatividade sem amarras. A Virgem Barbuda nasce da dor de perder o filho e desejo de lhe prestar homenagem. É uma obra de tal forma surpreendente que temos sérias dúvidas que Beaufort tenha tido coragem de a destruir. A Virgem Barbuda embora apenas seja mencionada no início do livro quando Pierre Roger Beaufort (futuro papa Gregório XI) é encarregue de a destruir por a considerar uma obra demoníaca, é uma referência que parece estar sempre presente em todo o livro, a rondar as vidas de Rothko e depois de Vsévolod Semiasin.

"O oval que Beaufort contempla é de uma beleza insultuosa, apesar da encrespada barba  cor de cinza que esconde a sua parte inferior. Beaufort treme de raiva embora ao mesmo tempo se interrogue de que corpo nascido para a corrupção e para a tumba conseguiu De Robertis extrair semelhante explosão de beleza."

Embora seja um livro um pouco diferente dos que estou habituada a ler e, mesmo considerando a dificuldade que tive em acompanhar alguns temas, nunca pus a hipótese de o deixar de lado e não o acabar. :) A verdade é que gosto mesmo muito da forma com o RMS conta as suas histórias e, A Luz é Mais Antiga que o Amor, não é uma excepção. Ele consegue manter-nos interessados não só no destino das personagens como nas considerações que vai fazendo, neste caso, sobre o processo criativo, quer de pintores quer de escritores, sendo os dilemas muitas vezes comuns, e sobre o amor e a luz.

Gostei e recomendo com a reserva de ser um livro um pouco diferente que, mais do que não ser para todos, é um livro que tem um tempo próprio e uma altura certa para se ler.

Boas leituras!

Excerto:
"Quando conheceu Matilde, Bocanegra era um homem satisfeito. Não feliz. Satisfeito. A sua vida era aprazível, estava saciada até onde a razão tinha imposto o seu império. As superfícies do mundo não eram brilhantes, é verdade, mas eram nítidas. Embora não tivessem relevo, os objectos possuíam substância. As suas mãos apertavam, tocavam, apalpavam. E, apesar de nem sempre serem capazes de reconhecer o que apertavam, o que tocavam, o que apalpavam, dava-se por satisfeito.
Não feliz. Satisfeito.
Então apareceu Matilde e tudo mudou.
Desmoronou-se. Ardeu. Ficou laminado. Transformado em lava. Dissolveu-se como açúcar num tanque de água. Não há metáforas que possam expressar semelhante descoberta. Porque Matilde era, e o que é não precisa de nenhum crédito fora do seu ser. O que é, é a sua própria evidência."

Sem comentários:

Enviar um comentário