março 14, 2015

Sangue Asteca (vol. 2) - Gary Jennings

Título original: Aztec
Ano da edição original: 1980
Autor: Gary Jennings
Tradução do inglês: Carlos Romão
Editora: Saída de Emergência

"Este é considerado pela crítica como o melhor romance sobre a desaparecida civilização Asteca e um dos melhores romances históricos do século XX. Gary Jennings mudou-se para o México e durante 12 anos investigou e viveu apenas para a sua criação: Asteca, deixando-nos uma obra inesquecível. Gary era famoso por ser um dos escritores mais rigorosos e com mais trabalho de pesquisa por trás dos seus romances.
Em 1530, depois de quase extinguir o povo asteca pelas mãos de Hernán Cosrtés, o Imperador Carlos, Rei de Espanha, pede ao bispo do México que lhe faculte inofrmação acerca da vida e dos costumes desse povo. O bispo Juan de Zumárraga decide redigir um documento baseado no testemunho de um ancião, um homem humilde que vai chocar a moral e os preconceitos do mundo civilizado. O seu nome é Mixtli - Nuvem Obscura.
Mixtli, um dos mais robustos e memoráveis astecas, relata com detalhe toda uma vida: a sua infância, a mentalidade e os costumes do seu povo, o sexo, a religião, a sua formação e os seus amores, sempre tormentosos e trágicos. Esta é a sua empolgante e maravilhosa história, que representa também o choque entre civilizações com formas inconciliáveis de ver o mundo."

E passados 3 anos (opinião sobre o Orgulho Asteca aqui) volto à obra-prima de Gary Jennings e conheço finalmente toda a história de Mixtli, o ancião que conta, a pedido do próprio Rei D. Carlos, a religiosos espanhóis a história da civilização Asteca, as origens, os costumes e a forma como foram conquistados pela frota de Hernán Cortés.
Neste segundo volume, Mixtli, agora um homem casado e feliz, com Zyanya, a única mulher que alguma vez amou, continua o relato das suas aventuras pelo Mundo Único e mais além. Conhecidas as suas extraordinárias habilidades linguísticas e diplomáticas, é enviado em missão, pelo Uey-Tlatoáni - o Venerado Orador, aos mais variados sítios. Neste segundo volume a vida de Mixtli, à semelhança de todo o seu povo, é feita essencialmente de perdas e de cedências. Tudo aquilo que foi conquistando, a mulher, a filha, uma família, as viagens que lhe permitiram conhecer outros povos, maneiras diferentes de pensar, tudo isso acaba por desaparecer. De forma trágica, perde a mulher, mais tarde a filha e por fim toda uma civilização desaparece perante os seus olhos. No fim, resta Mixtli para testemunhar e contar, para que não sejam esquecidos.

Sangue Asteca é, como também o é o primeiro volume, um impressionante documento histórico, com personagens tão próximas e ricas que a leitura é tudo menos maçuda. Embora seja um volume mais triste, com momentos verdadeiramente trágicos, está também cheio de momentos divertidos, onde o melhor da personalidade de Mixtli sobressai. E por isso, levarei algum tempo a esquecer a morte da filha de Mixtli, mas não será só isso que levo deste livro. Levo comigo o primeiro contacto de Mixtli com os espanhóis, hilariante. Levo ainda a viagem nunca feita até Aztlan, a terra de onde os Astecas que conhecemos terão partido para fundar o Mundo Único. Ficará, sobretudo, a sensação de se ter exterminado, em nome de Deus e da ganância, uma civilização com a qual nada se quis aprender, e não estou a falar, obviamente, dos rituais onde eram sacrificadas vidas humanas.
Fiquei com a sensação incómoda de que nós, a maioria, temos sobre a nossa vida e sobre o nosso futuro tão pouco a dizer, porque somos, a maioria, governados por uma minoria, que se tem mostrado desde sempre incapaz de ver para além de si, incapaz de pensar e planear para além da sua legislatura.

Aztec, no original, de Gary Jennings é um livro a não perder, pela história, pela escrita, pelas personagens e sobretudo pelo que podemos aprender com ele.

Gostei muito e recomendo, como é óbvio!

Boas leituras!

Excerto (pág. 289):

"-«E como lhe prestam homenagem? - perguntei, olhando ao redor da sala, que, obviamente, estava vazia, com excepção de um forte cheiro a peixe -. Não vejo sinais de sacrifício.»
 - «Queres dizer que não vês sangue - disse o velho - . Os teus antepassados também procuravam sangue e por isso saíram daqui. Coyolxaúqui nunca exigiu sacrifícios humanos. (...)
Num tempo muito distante, nós, os Azteca, não estávamos confinados apenas a esta simples cidade. Esta era a capital de um domínio considerável, que se estendia desde a costa às montanhas. Os Azteca estavam constituídos em muitas tribos, divididas em numerosos clãs, capúltin, todos sob o governo de um só Tlatocapíli, que não era - como o meu neto por casamento - um chefe apenas de nome. Eram gente forte, mas pacífica, contente com o que tinha e sentia-se satisfeita com os cuidados que a deusa lhes proporcionava.»
 - «Até que alguns se mostraram mais ambiciosos» - sugeri.
 - «Até que alguns mostraram debilidade! - emendou o ancião, com voz cortante -. As histórias narram como, um dia alguns deles, que andavam a caçar nas altas montanhas, se encontraram com um forasteiro vindo de terras distantes. Este riu-se, zombeteiro, ao saber da vida simples que levavam e daquela religião que nada exigia. O forasteiro disse: "De toda uma infinidade de deuses que há, porque escolheram a mais fraca, a deusa que mereceu ser humilhada e degolada? Porque não venerais aquele que se apoderou dela, o forte, o bravo, o viril deus Huitzilopóchtli?» (...) 
Eu estava tão horrorizado pelo que ouvia que apenas pude exclamar:
 - «Uma mulher?! Então foi uma mulher sem nome e sem importância que concebeu a ideia do sacrifício humano? A cerimónia que agora se pratica em todo o lado?»
 - «Não é praticada aqui - recordou-me Canaútli -. E a nossa suposição pode não ser correcta. Afinal, isto aconteceu há muito tempo, mas tem todas as características de uma ideia feminina de vingança, não +e verdade? E pelos vistos deu resultado, pois, como referiste, no mundo exterior, o homem contiunou a matar o próximo, em nome de um deus ou de outro, durante todos estes feixes de anos que decorreram a partir daí.»
Eu não disse nada. Nem conseguia pensar no que dizer.
 - «Assim, como podes ver - continuou o ancião -, os Azteca que se foram embora de Aztlan não eram os melhores nem os de mais valor. Eram os piores e os mais desprezíveis, e foram-se embora porque os expulsaram daqui à força.»"

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