Título: A Filha das Flores
Ano da edição original: 2013
Autor: Vanessa da Mata
Editora: Quetzal Editores
Ano da edição original: 2013
Autor: Vanessa da Mata
Editora: Quetzal Editores
"Neste romance de estreia, Vanessa da Mata demonstra uma incrível destreza linguística e a capacidade de criar uma história atmosférica e magnética.
Giza cresce numa pequena cidade brasileira e ajuda, com o seu trabalho, num negócio de flores muito especial gerido por Florinda e Margarida que a tratam como irmã.
Aos 18 anos, Giza apaixona-se por Tito, mas Florinda apressa-se a pôr um fim à sua paixão.
À medida que Giza vai crescendo, a vila parece ir diminuindo, o que faz com que ela comece a procurar novos territórios e encontre a "Vila" - um bairro periférico, detestado pela população em geral. Aí faz novos amigos que a iniciam na história secreta daquele lugar que se revela estar ligada à sua própria origem."
Da Vanessa da Mata conhecia apenas a música e tinha alguma curiosidade em ler A Filha das Flores, o primeiro, e acho que até à data o único, livro que escreveu.
A sinopse resume bem a história. Giza é uma menina, pré-adolescente, que cresce numa cidade pequena, e vive com duas irmãs, Florinda e Margarida, a quem trata por Titias, embora não saiba o verdadeiro grau de parentesco que tem com elas. Giza é desajeitada, tem pouca auto-estima, acha-se feia e pouco interessante. Embora não saiba explicar porquê, sente que há qualquer coisa na vida dela e na sua história que não consegue encaixar. Sente-se deslocada, olhada de lado por toda a gente na cidade, como se todos lhes escondessem alguma coisa e sente-se pouco amada pelas duas irmãs com quem vive, algo que se vai tornando cada vez mais evidente, à medida que Giza vai crescendo e começa a despertar a atenção do sexo oposto.
As pessoas na pequena cidade, começa a reparar Giza, são invejosas, mentirosas e maldosas, escondendo o que verdadeiramente sentem. Em público são simpáticas e sorridentes, como se tudo estivesse bem, mas revelam-se no que fazem e dizem quando pensam que ninguém as está a ver ou a ouvir.
Tudo se precipita na vida de Giza quando, no dia em que faz 18 anos, conhece e se apaixona perdidamente por Tito. E quando vai, pela primeira vez à "Vila", um bairro nos arredores da pequena cidade e que é o oposto da cidade. Na "Vila" as pessoas são francas e alegres, não escondem os seus defeitos e vivem como querem sem qualquer preconceito. São afáveis e acolhedoras.
A cidade e a "Vila" vivem de costas voltadas uma para a outra. Os habitantes da "Vila" não descem à cidade e os habitantes da cidade não sobem à "Vila", pelo menos, não de forma a que todos saibam.
Giza, que não sabia da existência da "Vila", não percebe como é possível que, em toda a sua vida nunca ninguém lhe tenha falado daquele local? Sem que consiga perceber porquê sente-se em casa na "Vila", algo que nunca sentiu na cidade onde sempre viveu.
Giza vai perceber que sempre esteve ligada aquele lugar, que todos os seus desconfortos, todas as suas impressões tinham um fundo de verdade. Giza vai descobrir quem é e de onde veio e, sabendo tudo isso, está preparada para conhecer o mundo.
Gostei do início e do meio da história, para o fim achei que ela se perdeu um bocadinho e depois acabou por se encontrar novamente. Acho que se nota que a Vanessa da Mata não é uma escritora profissional. Percebe-se em alguns diálogos e em alguns acontecimentos menos interligados, no entanto, acho que acabou por resultar num livro interessante, com passagens muito bonitas e bem escritas e, com uma história diferente, que se lê muito bem. Gostei especialmente das personagens que me pareceram todas muito bem desenvolvidas e com quem conseguimos criar empatia.
Gostei e recomendo sem qualquer reserva.
Boas leituras!
Excerto:
"Havias duas buganvílias entrelaçadas que cruzavam a casa, foram plantadas de modo a agradar as vistas das titias. Cada uma de uma cor, ordenadas desde filhotes a passar de um lado ao outro e acimas das janelas dos quartos, eram de copas cheias e, quando floriam, pintavam a casa inteira de pequeninas formas. Infinitos pontos avermelhados e alaranjados causando nos olhos um furta-cor, como se fossem flores de papel - o começo de uma no final da outra, origamis de seda que se misturavam.
Percebi então, com os rasgos da parte nova da minha maioridade que quebrou, o que eu nunca quis tornar consciente: jamais tive uma grama da atenção delas. Antes achando que era pelo motivo da ignorância da infância, mas depois, crescida, vendo que era porque o que elas podiam me dar era, somente ou o bastante, um comportamento educado. Nada de dar beijo suado, exagerado e abraço demorado. Conversar o desnecessário ou chorar perto delas - isso era coisa de fracos, de impulsivos, mas entre elas havia o insuportável, elas estavam dispostas a essas manifestações humanas dentro de ambientes fechados, cuidadosamente controláveis.
Fui tomada por uma dor no peito que nem na época em que os meus seios irromperam sobre as costelas eu havia sentido, jamais achei que existia algum problema físico sério - a não ser a morte, é claro - que trouxesse uma dor tão insuportável. Pensei que poderia com todas elas, que era maior, e as dominaria se fosse necessário, mas entendi que aquela era a dor mais imponente, impiedosa, severa, indigesta e impossível de lidar para mim. Desnorteou toda a minha base, deixando descomandado o meu pensamento, desmantelado o resto do meu corpo. A dor que eu sentia não dava trégua, era permanente e me tomava da fronte aos pés, me envolvendo em um manto de chumbo de todos os sem-rumo e trazendo à tona os tristes e as tristezas do mundo inteiro. Tudo deitado em mim, como se ser adulto fosse isso: se encontrar, dentro de um feioso caixão, com a perda da infância e com o disparate da sua morte. A decepção é mesmo senhora do demônio, ainda mais quando o demônio está do nosso lado e se revela dissimulado durante tantos anos, dentro de um vestido bordado de bondade e amizade. Era muito tempo me construindo dentro de uma casa onde eu me inventava amada e querida e tudo se desmoronava, eu não me tinha mais. Me mastigava compulsivamente e, mesmo assim, não sentia um ínfimo gosto agradável depois de tidas as unhas arruinadas, restava apenas o fel no fundo do paladar.
Era possível ser de alguém, não sendo?"
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