outubro 06, 2024

Da Meia-Noite às Seis - Patrícia Reis

Título: Da Meia-Noite Às Seis
Ano da edição original: 2021
Autor: Patrícia Reis
Editora: Edições D. Quixote

"Num mundo assolado ela instabilidade, a pergunta da canção de Caetano Veloso mantém-se: «Existimos: a que será que se destina?»

Escrita num registo de intimidade que nos envolve, esta narrativa segue a vida, presente e passada, de personagens que se cruzam e cujas opções de vida reflectem o que é prioritário em tempos de pandemia.

Da Meia-Noite às Seis é o regresso de Patrícia Reis ao espaço literário que define a singularidade, a subtileza e a sabedoria da sua voz: o território da complexidade das relações humanas e da busca de identidade."

Da Meia-Noite Âs Seis, passa-se durante a pandemia de Covid-19, numa realidade mais ou menos fiel ao que todos nós vivemos, embora no livro pareça que o confinamento terá sido mais prolongado, e é nesse contexto que conhecemos a Susana e o António Ribeiro de Andrade, o Rui Vieira, o Miguel Noronha e a Laura.

Susana trabalha na rádio, à qual regressa, após um período de luto pela morte do marido que morreu com covid. Regressa para o horário da meia-noite às seis, para o qual se voluntariou, porque não se sente capaz de enfrentar os dias, a luz e o sol. Descobre no horário da noite uma forma de fazer o luto pelo amor da sua vida e pelo tanto que ficou por viver. Vamos conhecendo a Susana e, através dela António, o marido que morreu cedo demais e a deixou perdida num mundo cada vez mais estranho.

Rui Vieira, também trabalha na rádio. A mesma onde Susana trabalha mas, nunca se tinham cruzado porque, ela trabalhava de dia e ele fazia parte da equipa da noite. O Rui teve um acidente grave, há uns anos, que o deixou com algumas sequelas, sendo que a mais visível é nunca mais ter dito uma palavra. Ficou mudo e, por isso, passou a escrever as notícias para que outros locutores as leiam na rádio. Foi também, na sequência do acidente, que toda a sua família ficou a saber que Rui é gay e, desde então nunca mais falou com os pais.
É no turno da meia-noite às seis que Rui e Susana  se conhecem, trocam emails, e é assim que dão início a uma bonita amizade que os vai ajudar a sobreviver e a superarem as suas tristezas.

Miguel Noronha, quando o conhecemos, namora com o Rui. É um homem do norte, que pertence a uma família com algum nome, é ambicioso e um pouco frio e distante nas relações amorosas. Tem alguma dificuldade em assumir compromissos. Nem ele nem Rui percebem muito bem que tipo de relação têm e o que pretendem um do outro.

Laura é a irmã do Rui, a única que continua presente na sua vida, depois de os pais se terem afastado do irmão por causa da sua homossexualidade. Laura é aquilo que todos esperam dela, sorridente, disponível, boa filha, casada com alguém que os pais aprovam e com dois filhos. Avessa ao confronto e com medo de desiludir os pais, vive presa a um casamento infeliz. Nunca abandonou o irmão que, juntamente com Miguel Noronha, ajudou a recuperar após o acidente.

Patrícia Reis é uma das favoritas, embora, como leitora, reconheça que nem tudo o que escreve é igualmente inspirado. No entanto, gosto muito da forma como escreve e das histórias que nos dá a conhecer. 
No caso deste Da Meia-Noite Às Seis, acho que é dos que gostei. É um livro pequeno, que se lê muito bem e é fácil gostarmos das personagens.
Ainda não sei se é demasiado cedo para lermos ficção que tem como pano de fundo a realidade vivida durante a pandemia. Confesso que me desconcentrou um pouco, embora a história não seja de todo sobre a Covid, traz de volta algumas das sensações daqueles tempos. E, por estar num livro, quase parece ficção científica. É um pouco estranho, não nego.

Recomendo sempre Patrícia Reis, sem qualquer hesitação.

Boas leituras!

Excerto (pág. 80):
"A tarefa, que inicialmente lhe parecera ser mais uma pedra de Sísifo, outra forma de se torturar, era agora uma razão para sair do sofá, para fazer o reconhecimento nocturno de uma cidade que amava desde sempre, era Lisboa, a cidade boa, cidade que a vira crescer e sobre a qual dominava, sabia dela os segredos de quem a ela pertence. Certas vezes, calhava-lhes inventar uma casa no campo, com árvores de fruto e uma horta, António Ribeiro de Andrade dizia que, bem vistas as coisas, era apenas a poesia do campo a invadi-los, porque nunca teriam dinheiro para comprar uma casa, nem mesmo no interior desértico do país. Apreciavam a cidade, sabiam-lhe os recantos. Com a pandemia e o vírus a afugentar as pessoas da rua, havia algo moribundo que deixava Lisboa triste, num lugar impreciso entre a beleza e a maldade. Sou muito urbana, nunca conseguiria viver no campo, tu, que és artista, também não terias como, e ele abanava a cabeça e assegurava que não, ele poderia viver no campo. Nunca tinham imaginado a morte de um ou do outro, não falaram da morte, era um amor demasiado novo. Falavam de casas, era uma construção mental, algo que os remetia para o futuro, para uma vivência tranquila com árvores de fruto."

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