Ano da edição original: 2011
Autor: João Tordo
Editora: Publicações D. Quixote
“Um jornalista insensato e ambicioso quer provar ao seu editor – um comunista irascível, alcoólico e com bastante desprezo pelos jovens – que não é só mais um na redacção. Escolhido para ir a Berlim entrevistar o biógrafo de um mártir religioso, aproveita a deixa para fazer, no seu artigo, uma analogia com a história de Catarina Eufémia, a camponesa que se tronou um ícone do Partido Comunista, mas de quem, na verdade, pouco ou nada sabe. Quando, porém, o artigo é publicado, as reacções de indignação por parte dos leitores não se fazem esperar, algumas das quais bastante ameaçadoras; e, na noite em que o editor é encontrado na rua em coma, aparentemente brutalizado, o jornalista pergunta-se se não terá sido por defender publicamente o seu artigo e começa a suspeitar de que existe muito mais em jogo do que a simples memória de uma camponesa assassinada pela GNR durante a ditadura. É então que decide investigar obsessivamente a vida de Catarina, desbravando por entre o nevoeiro que paira sobre os mártires e os transforma em mitos de que sempre alguém se apodera. E encontra realidades bem distintas – e mais tenebrosas – do que podia esperar.”
João Tordo tem sido um escritor que me tem dado algum gozo conhecer. Com Anatomia dos Mártires, embora o tema seja muito interessante e as reflexões que faz muito pertinentes, achei-o um pouco repetitivo ao longo de todo o livro, o que me deu uma sensação de estagnação. Ao longo da leitura só me lembrava de uma crítica algures que dizia que João Tordo utilizava demasiadas provocações, referindo-se muito a acontecimentos já passados mas dos quais o leitor nada sabe, ou seja levanta muito a ponta do véu e no fim, debaixo do véu não havia assim nada de muito extraordinário. Confesso que este Anatomia dos Mártires é um pouco assim. Não é que me tenha sentido defraudada nas minhas expectativas, mas esta técnica de prender o leitor à história terá sido utilizada em demasia. :)
Expectativas à parte, o meu gosto na descoberta de João Tordo em nada foi beliscado por este livro menos ao meu gosto. A escrita dele agrada-me e a forma como ele nos apresenta uma história, como explora as personagens e nos mantém interessados é algo com o qual me identifico. Neste Anatomia dos Mártires gostei sobretudo do tema. Da reflexão que faz sobre a relação das pessoas com a política, das crenças humanas e da religião. Gostei da interpretação que dá as estas personagens que vivem muito para além dos seus feitos, como Catarina Eufémia, nome que não me era estranho, mas não sabia ao certo quem era e qual o papel que lhe coube numa época tão cheia de mártires.
Achei a caracterização da personagem principal, o jornalista, muito bem conseguida. A representar muito bem a soberba dos jovens, o facto de acreditarmos que sabemos tudo e que não existe nada que a geração que nos criou tenha para nos ensinar. A ignorância de toda uma geração sobre um dos, senão mesmo o mais importante acontecimento da nossas vidas, como país e como sociedade, o 25 de Abril de 1974 e toda a luta que o tornou possível.
O jornalista representa a geração daqueles que ficou sem nada por que lutar, uma geração sem ideologias, sem fé, um pouco desenraizada da terra, culturalmente europeu, uniformemente europeu, sem nada que o distinga de um alemão ou francês.
Um jovem adulto, não estou a falar da geração que agora atravessa os 20, mas dos que já entraram há muito nos 30 e se aproximam dos 40, os filhos da revolução dos cravos. Um homem, adulto, egoísta, que não soube lidar com a morte da mãe e não sabe como viver com o envelhecimento do pai, que despreza e praticamente abandona. A forma como este homem lida com o pai é, à falta de melhor expressão, chocante. Um homem que vive obcecado consigo mesmo, até quando pensa que está a fazer coisas pelos outros, é só em si e na sua sanidade mental que pensa.
Este jornalista parece horrível... e na realidade não me ocorre nada de muito positivo sobre ele. É depressivo, centrado em si, incapaz de assumir responsabilidades pelos seus actos.
Resumindo, a história é boa, as personagens estão bem construídas. O que me deixou um travo amargo foi a repetição de ideias que acabam por não ser mais desenvolvidas a cada repetição e o uso excessivo do "se eu soubesse na altura o que ia acontecer...". Tirando isso, gostei. Não é o meu preferido dele, mas acho que tem coisas muito boas que fazem com que o recomende sem hesitações.
Boas leituras!
Expectativas à parte, o meu gosto na descoberta de João Tordo em nada foi beliscado por este livro menos ao meu gosto. A escrita dele agrada-me e a forma como ele nos apresenta uma história, como explora as personagens e nos mantém interessados é algo com o qual me identifico. Neste Anatomia dos Mártires gostei sobretudo do tema. Da reflexão que faz sobre a relação das pessoas com a política, das crenças humanas e da religião. Gostei da interpretação que dá as estas personagens que vivem muito para além dos seus feitos, como Catarina Eufémia, nome que não me era estranho, mas não sabia ao certo quem era e qual o papel que lhe coube numa época tão cheia de mártires.
Achei a caracterização da personagem principal, o jornalista, muito bem conseguida. A representar muito bem a soberba dos jovens, o facto de acreditarmos que sabemos tudo e que não existe nada que a geração que nos criou tenha para nos ensinar. A ignorância de toda uma geração sobre um dos, senão mesmo o mais importante acontecimento da nossas vidas, como país e como sociedade, o 25 de Abril de 1974 e toda a luta que o tornou possível.
O jornalista representa a geração daqueles que ficou sem nada por que lutar, uma geração sem ideologias, sem fé, um pouco desenraizada da terra, culturalmente europeu, uniformemente europeu, sem nada que o distinga de um alemão ou francês.
Um jovem adulto, não estou a falar da geração que agora atravessa os 20, mas dos que já entraram há muito nos 30 e se aproximam dos 40, os filhos da revolução dos cravos. Um homem, adulto, egoísta, que não soube lidar com a morte da mãe e não sabe como viver com o envelhecimento do pai, que despreza e praticamente abandona. A forma como este homem lida com o pai é, à falta de melhor expressão, chocante. Um homem que vive obcecado consigo mesmo, até quando pensa que está a fazer coisas pelos outros, é só em si e na sua sanidade mental que pensa.
Este jornalista parece horrível... e na realidade não me ocorre nada de muito positivo sobre ele. É depressivo, centrado em si, incapaz de assumir responsabilidades pelos seus actos.
Resumindo, a história é boa, as personagens estão bem construídas. O que me deixou um travo amargo foi a repetição de ideias que acabam por não ser mais desenvolvidas a cada repetição e o uso excessivo do "se eu soubesse na altura o que ia acontecer...". Tirando isso, gostei. Não é o meu preferido dele, mas acho que tem coisas muito boas que fazem com que o recomende sem hesitações.
Boas leituras!
Excerto (pág. 156):
"«Claro que estás enganado. Olha para o país à tua volta: quem é que grita à porta dos tribunais hoje em dia? São as mulheres. Quem é que vai à frente das manifestações contra o governo? São as mulheres. Historicamente, elas tornam a repressão mais suave. Por um lado, e em certos contextos, são muito mais histriónicas; por outro têm a seu favor o poder da comoção, que lhes permite desafiar a autoridade.» Ouvi-a pigarrear. «Seria impensável que um polícia, hoje, se atrevesse a tocar numa mulher, que carrega um filho ao colo, pelo menos numa sociedade democrática. Ou talvez tenha sido isso que pensou Catarina e as outras mulheres que a acompanhavam: que, apesar de não conhecerem a democracia ou nunca terem ouvido falar nela, que nem uma besta como o tenente Carrajola se atreveria a tocar-lhe mesmo debaixo de um regime que usava a força como modo de repressão. Teoricamente, está correcto: é uma demonstração de força e, ao mesmo tempo, de fragilidade. Faz parte do reportório da resistência, em situações de manifestação, que os mais fracos tomem a liderança.»
«Enganaram-se.» rematei.
«E não nos enganamos todos?» (...) "
«Enganaram-se.» rematei.
«E não nos enganamos todos?» (...) "
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