"Quero Um Livro" é resposta invariável à pergunta "O que queres para o Natal?", da minha família.:)
É também um blogue onde ponho em ordem as ideias sobre os livros que leio.
Título original:Jesus Cristo Bebia Cerveja Ano da edição original:2012 Autor: Afonso Cruz Editora:Penguin Random House Grupo Editorial Portugal
"Uma pequena aldeia alentejana transforma-se em Jerusalém graças ao amor de uma rapariga pela sua avó, cujo maior desejo é visitar a Terra Santa. Um professor paralelo a si mesmo, uma inglesa que dorme dentro de uma baleia, uma rapariga que lê westerns e crê que a sua mãe foi substituída pela própria Virgem Maria, são algumas das personagens que compõem uma história comovente e irónica sobre a capacidade de transformação do ser humano e sobre as coisas fundamentais da vida: o amor, o sacrifício, e a cerveja."
Jesus Cristo Bebia Cerveja é, naturalmente diferente, até porque é direccionado para outra faixa etária, no entanto gostei. Identifico-me com a escrita e com a forma como a história é contada e Afonso Cruz entrou, definitivamente, no meu radar. Adoro ler novos escritores, gostar do que escrevem e ter a oportunidade de ir descobrindo tudo o que já fizeram e irão fazer.
Jesus Cristo Bebia Cerveja é um livro que se lê bem, com uma história não muito óbvia e "normal". Embora esteja escrito com algum sentido de humor, o título já nos faz esperar algo do género, não é uma leitura de verão, levezinha e inconsequente. Julgo que a sinopse resume muito bem o livro, é uma história comovente e irónica sobre o amor, o sacrifício, e a cerveja. :)
Se ainda não conhecem Afonso Cruz, aconselho vivamente que o façam. Original e divertido é o que me ocorre quando penso nos livros, poucos, que li dele.
Recomendo sem hesitações.
Boas leituras! :)
Excerto:
"Miss Whittemore dorme dentro de um cachalote que um antepassado seu caçou nos mares do Sul. A ossada da baleia mede dezasseis metros e a sua cama, instalada entre as costelas, tem quase três metros de comprimento. Quando acorda, bem como ao deitar, bebe um chá de jasmim-pérola importado de Singapura, com duas gotas de leite de burra e outra de leite de porca. Veste-se e penteia-se antes de descer para o salão.
A casa principal tem dois andares, mas Miss Whittemore é dona de toda a aldeia. Na década de 1980, quando a povoação era habitada por apenas um casal, Miss Whittemore comprou todas as casas do lugar, todos os terrenos rurais e urbanos. Deu início à recuperação dos edifícios e, quando viu terminado o restauro, encomendou habitantes, a maioria de zonas limítrofes. Quis juntar à aldeia algumas personagens de relevo intelectual, por isso achou que seria edificante mandar vir um sábio hindu e um feiticeiro yorubá, acrescentando a estes um padre (que morreu após o primeiro almoço na aldeia) e o professor Borja, a contraparte laica e ateia. A desculpa ecléctica é a educação humanista, contudo, são apenas um disfarce para as saudades que têm das colónias e dos lugares em que viveu na sua infância, nomeadamente a Índia e a África Ocidental."
Ano da edição original: 1996 Autor: Margaret Atwood Editora: Anchor
"It's 1843, and Grace Marks has been convicted for her involvement in the
vicious murders of her employer and his housekeeper and mistress. Some
believe Grace is innocent; others think her evil or insane. Now serving a
life sentence, Grace claims to have no memory of the murders. An
up-and-coming expert in the burgeoning field of mental illness is
engaged by a group of reformers and spiritualists who seek a pardon for
Grace. He listens to her story while bringing her closer and closer to
the day she cannot remember. What will he find in attempting to unlock
her memories? Captivating and disturbing, Alias Grace showcases bestselling, Booker Prize-winning author Margaret Atwood at the peak of her powers."
Acho que nunca me tinha cruzado com nada de Margaret Atwood até ter começado a ver Handmaid's Tale, uma adaptação do livro, com o mesmo nome, desta escritora canadiana. A série é muito boa e por ser tão boa achei por bem tentar conhecer a escritora. Tendo em conta a vasta obra de Margaret Atwood, pareceu-me redundante estar a ler Handmaid´s Tale, A História de uma Serva, na edição portuguesa e praticamente dos únicos livros editados por cá e por isso acabei por comprar este Alias Grace para ler no Kindle.
Tendo em conta a história de Handmaid's Tale, acho que estava à espera que Alias Grace fosse semelhante. Na verdade é diferente do que estava à espera e, embora não tenha sido o que, por algum motivo, achei que ia ser, foi muito bom ter descoberto Margaret Atwood.
Alias Grace é a história de uma rapariga, Grace Marks, irlandesa e a filha mais velha de uma família numerosa. Conhecemos Grace quando toda a família parte para a América em busca de uma vida melhor do que a que a Irlanda do século XIX tinha para lhes oferecer. Partem de barco, naquela que iria ser a viagem que mudou a vida da pequena Grace para sempre.
A mãe não resiste à viagem até ao Canadá e Grace vê-se, num país estranho, responsável por cuidar dos irmãos mais pequenos e por aguentar o temperamento difícil do pai.
Para fugir a uma vida miserável onde o pai lhe ficava com todo o dinheiro que ganhava como criada, Grace aceita servir numa casa mais afastada da família. Ali acaba por conseguir ganhar alguma independência e conhece Mary Whitney, que se torna a sua primeira e única amiga. Mary Whitney, pouco mais velha que Grace, acaba por ser a única referência feminina na vida de Grace, depois da morte da mãe.
Grace é apenas uma miúda, bonita, responsável, educada, inocente e sem grandes ambições. Procura ganhar a vida de forma honesta e talvez a única coisa que sabe que não quer para si é uma vida igual à da sua mãe. Não pensa em casar, muito menos com um homem como o pai.
Os dias vão passando sem grandes sobressaltos, entre o trabalho e as gargalhadas com Mary, e Grace sente-se quase feliz. Até que um dia alguma coisa muda em Mary e, sem contar demasiado sobre a história, Grace vê-se novamente sozinha, sem a sua única amiga e, sem nada que a prenda àquela cidade. É por isso que aproveita a visita de uma ex-criada da casa, Nancy Montgomery, e parte com esta para servir na quinta de Thomas Kinnear, onde Nancy trabalha como governanta.
Nesta fase da leitura, já sabemos que Grace Marks se encontra presa, acusada de ter sido cúmplice no assassinato de Nancy Montgomery e Thomas Kinnear e é a própria que conta a sua história ao Dr, Simon Jordan, um médico interessado em aprofundar conhecimentos sobre saúde mental.
Embora muita gente acredite que Grace foi efetivamente culpada pela morte violenta de Nancy e Thomas, muitos outros têm dificuldade em aceitar que a doce Grace tenha sido capaz de tamanho acto de violência. A própria Grace não se recorda de praticamente nada do que aconteceu naquele dia.
O que aconteceu naquele dia e, será Grace Marks inocente ou culpada, são as perguntas que nos perseguem durante a leitura, A primeira será, mais ou menos respondida. A segunda não terá uma resposta taxativa. Para além de a culpa e inocência poderem ser conceitos muito subjectivos, acho que Margaret Atwood deixou, propositadamente, essa ambiguidade no ar, porque na realidade não é um tema fácil de se julgar e para o qual não existem, mesmo à luz dos conhecimentos atuais, regras que definem sem margem para dúvidas que alguém é culpado ou inocente, podendo até ser ambos.
Gostei bastante da escrita de Margaret Atwood, da forma como foi desenrolando a história de Grace, contada por ela própria, sendo que, ao longo de praticamente todo o livro não sabemos os pormenores da condenação de Grace e se ela é culpada ou inocente. Às vezes achamos que é culpada, outras achamos que é inocente e no fim... bem, no fim continuamos sem saber ao certo no que acreditar.
O livro faz um retrato interessante da época, do papel que a mulher ocupava na sociedade, principalmente as mulheres de classes sociais, ditas inferiores, as que circulam nos bastidores da alta sociedade. As crenças e o desejo que estas mulheres tinham de uma vida melhor, de querer fugir ao destino das suas mães e das suas avós e de todas as mulheres que viveram antes delas, como se a pobreza fosse uma doença crónica e hereditária da qual não se consegue escapar.
A abordagem às doenças mentais, pouco estudadas na época, e ao funcionamento da nossa memória quando expostos a situações traumáticas e de grande stress, é muito interessante e leva-nos a olhar para este caso em particular de uma outra perspectiva.
Em boa hora descobri esta escritora. Vou de certeza ler mais livros dela e por isso só posso recomendar.
Recomendo este Alias Grace e Handmaid's Tale, a série, porque ainda não li o livro, se tiverem oportunidade de ver não deixem de o fazer, porque é genuinamente e assustadoramente boa.
Boas Leituras!
Nesta minha opinião não vos vou deixar um excerto, deixo-vos antes três extras: :)
- Descobri que existe uma mini-série, do Netflix, baseada neste livro, Alias Grace:
- O próprio livro é baseado em factos reais. Em 1843, Thomas Kinnear e Nancy Montgomery foram assassinados por dois dos seus criados, Grace Marks e James McDermott. Toda a narrativa que Margaret Atwood constrói é ficcionada, mas estas pessoas efectivamente existiram.
- Não deixem de ver Handmaid's Tale. É uma série da Hulu. A 1ª temporada, segundo sei, é uma adaptação fiel do livro de Margaret Atwood. A 2ª temporada, que estreou este ano, continua a história de June onde a escritora a deixou, na última página do livro.
Ano da edição original: 2016 Autor: Luís Sepúlveda
Ilustrações: Paulo Galindro
Tradução: Helena Pitta Editora:Porto Editora
"Afmau, que significa «leal e fiel» na língua mapuche, a língua da Gente da Terra, é o nome ideal para um filhote de pastor-alemão que, sobrevivendo à fome e ao frio da montanha onde nasceu, assim demonstra a sua enorme lealdade à vida. Na companhia de Aukamañ, um rapazinho mapuche, Afmau aprende a conhecer o mundo que o rodeia e a respeitar a diversidade da natureza.
Porém nem todos pensam da mesma forma: um bando de estrangeiros, com costumes estranhos aos da Gente da Terra, chega à aldeia onde Afmau vive, semeando o caos e o medo.
Condenado daí em diante a uma vida de servidão e crueldade, obedecendo a uma missão odiosa - perseguir e capturar todos os que se oponham ao bando de estrangeiros -, o destino acaba por proporcionar a Afmau uma derradeira oportunidade de redenção, numa fábula maravilhosa e naturalista onde Luis Sepúlveda reflete sobre o peso do passado e da memória, a força da amizade e da solidariedade e o respeito pela Terra e por todos quantos nela habitam."
Gosto muito destes livros do Luis Sepúlveda, mais virados para um público mais novo. As histórias são muito bonitas e cheias de amor e ensinamentos. Os livros, visualmente são lindos, apetece tocar e cheirar.
Mais uma vez, fiquei rendida às ilustrações de Paulo Galindro, acho que captam muitíssimo bem a história que se está a contar. Uma dupla vencedora, sem dúvida.
História de um Cão Chamado Leal, conta a história de Afmau, "leal e fiel" na língua mapuche, um pastor-alemão, que ainda cachorrinho se perdeu da sua família canina, tendo sido acolhido por Wenchulaf, chefe de uma tribo mapuche. Afmau cresceu, no seio desta sua nova família, tendo como companheiro inseparável, Aukamañ o neto de Wenchulaf. Com eles aprende viver em harmonia com a natureza e a respeitá-la.
Um dia a aldeia é invadida por estrangeiros, wingkas, interessados nos recursos naturais do sítio. Toda a tribo é expulsa e Wenchulaf acaba por ser assassinado por estes wingkas, que levam Afmau com eles. A partir desse dia, Afmau vive preso e obrigado a caçar e ameaçar em nome dos wingkas que o roubaram.
Quando um dia o chefe do bando de wingkas manda que siga o rastro de um índio "esperto, desses que sabem ler e escrever. É muito novo, mas já anda a sublevar os mapuches e a incitá-los a recuperar as suas terras", Afmau percebe que se trata de Aukamañ. Entregar Aukamañ aos wingkas não é sequer uma hipótese, Afmau prefere morrer a permitir que isso aconteça. Talvez consiga iludir os wingkas e aproveitar a oportunidade para se reunir novamente com o seu companheiro de sempre. Talvez consiga...
É uma história bonita sobre a amizade, sobre a lealdade e sobre o respeito pela natureza, pelos animais. É uma história, sobre a importância de respeitarmos outras culturas e de aprendermos com elas.
Gostei muito e recomendo sem reservas para pequenos e graúdos.
Boas leituras!
Excerto (pág.47):
"Juntos crescemos na cadência dos verões curtos e dos longos invernos austrais. Juntos, aprendemos com o velho Wenchulaf que a vida deve aceitar-se com gratidão. Por isso, eu e o pequeno Aukamañ olhávamo-lo com respeito quando pegava na fogaça e, antes de cortar as fatias para ele e para Kinturray, agradecia a ngünemapu aquele kofke, o alimento oferecido pela terra."