abril 04, 2020

[repost] A Peste - Albert Camus

Passaram-se praticamente 10 anos desde que li A Peste, de Albert Camus, e nenhum de nós pensou alguma vez, que estaríamos, em 2020, a passar por algo tão estranho e perigoso a tantos níveis.

Reli a minha opinião sobre o livro e, achei que fazia sentido voltar a destacá-la.


________________________________________________________________________________

A Peste é o primeiro livro que leio de Albert Camus, e estou certa não será o último, embora tenha sido um pouco diferente do que estava à espera.

Em A Peste, Orão é uma cidade próspera do litoral argelino, construída de costas voltadas para o mar, cujos habitantes vivem para trabalhar e acumular riqueza, vivendo de rotinas e sem qualquer sobressalto que os faça questionar a vida que levam. Orão é uma cidade moderna onde as relações humanas são relegadas para segundo plano, sobrevivendo no hábito e na tranquilidade das coisas dadas como certas, "Em Orão, como no resto do mundo,por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber." Os negócios são demasiado importantes e o divertimento tem dia e hora marcada. Fez-me alguma confusão a descrição de Albert Camus faz dos habitantes de Orão, tão indiferentes e desligados uns dos outros, mesmo durante a epidemia. Enquanto lia pareceu-me tão irreal que semelhante cidade existisse, mas a verdade é que é um retrato bastante fiel do que vivemos nos dias de hoje.
Fiquei ansiosa quando os ratos começaram a subir à cidade para morrer, por ver a falta de reacção da população. Era quase como se pensassem que ao ignorar o problema, ao não enfrentar a realidade, os ratos acabariam por desaparecer sem consequências. Eram algo desagradável, é certo, mas que apenas lhes alterava a rotina tranquila do dia a dia. Quando as pessoas começaram a morrer de forma tão avassaladora e em tão grande quantidade, a negação da epidemia deixou de ser possível e a cidade foi fechada ao exterior, ficando de quarentena por tempo indeterminado. A morte tinha-se instalado em Orão, separando famílias, amantes e amigos. Quando se viram isolados, sem poderem comunicar com o exterior, todos perceberam a importância que essas pessoas tinham nas suas vidas. Casamentos que se mantinham apenas pelo hábito ganharam nova vida e os amantes separados pelas portas da cidade reavivavam o sentimento devido à separação. Com o passar dos meses a dor da separação foi, para muitos a única razão para se manterem sãos, mesmo que para fim já nem os rostos das pessoas amadas conseguissem recordar com clareza.

Alguns viviam obcecados em fugir da cidade. Reencontrarem-se com quem ficou do lado de fora, era o mais importante. Aparentemente o medo de morrer sozinho era bem maior do que o perigo de contagiarem aqueles a quem desejavam voltar a ver e, que tinham por um golpe de sorte escapado à peste. Outros, como Rieux, Rambert, Tarrou e Grand, entregaram aqueles intermináveis meses de isolamento, medo e dor ao combate e à luta contra a epidemia. Relegando para segundo plano as aflições pessoais de cada um, em prol da comunidade. E houve, como sempre, aqueles que vêm em situações destas a oportunidade de lucrar com a miséria, como Cottard. Este livro tem de tudo e para todos os gostos... :)

Enfim, A Peste é um livro que faz um reflexão muito interessante sobre a morte e a vida, sobre as fragilidades humanas e sobre a forma como lidamos uns com os outros, em sociedade. Gostei muito de o ler, embora tenha ficado com a sensação de que a tradução desta edição não é das melhores. Fez-me confusão a forma distante como a história é narrada, numa espécie de crónica, onde os factos são relatados com muita objectividade pelo narrador. As excepções a esta objectividade resultaram, para mim, nos momentos que mais gostei de ler, embora falar de gosto seja provavelmente de mau gosto, pois foram momentos dramáticos. É o caso da morte do filho do juiz, apenas uma criança e a morte de Tarrou, uma pessoa intrinsecamente boa. Gostei muito das personagens que constituem o núcleo desta narrativa, Rambert, Grand, Cottard e, particularmente de Rieux e Tarrou.

Vale muito a pena ler A Peste. :)

Pretensos Factos:
- Dizem os dissecadores de livros que A Peste é uma alegoria à invasão de França pelas tropas alemãs, em 1940, em pleno nazismo. E, provavelmente essa leitura é válida.
- Albert Camus ter-se-à inspirado na epidemia de cólera que dizimou, em 1849, uma elevada percentagem da população de Oran, a segunda maior cidade da Argélia.

________________________________________________________________________________

Tudo isto vai passar, e a maioria de nós vai ficar bem, desde que, cada um de nós faça a sua parte e, sejamos sinceros, se o que nos pedem é que fiquemos em casa, não nos estão a pedir nada do outro mundo. O importante, nesta fase, é garantir que todos têm acesso ao melhor tratamento possível, em caso de necessidade.

Acredito que o difícil vai ser quando tudo isto passar. O desemprego e a recuperação económica vai ser algo que vai demorar mais do que uns meses e tudo isto irá deixar marcas profundas em todos nós, os que ficaram em casa e os que, por serem imprescindíveis, continuaram a trabalhar.

Mas, neste momento, não há muito que se possa fazer quanto a isso. Por isso, façamos todos o que nos pedem: Ficar em casa! Por nós, pelos nossos mas, também por todos os outros.

Boas leituras!

Sem comentários:

Enviar um comentário