setembro 06, 2022

A Morte de Jesus - J. M. Coetzee

Título original: 
The Death of Jesus
Ano da edição original: 2019
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações D. Quixote

"Em Estrella, David cresceu, tornando-se um rapaz de dez anos com um talento inato para o futebol e que adora jogar à bola com os amigos. O seu pai, Simón, e Bolívar, o cão, assistem habitualmente aos jogos, enquanto a mãe, Inés, trabalha numa boutique. David continua a fazer muitas perguntas, desafiando os pais e qualquer figura de autoridade que surja na sua vida. Nas aulas de dança da Academia de Música, David dança a seu bel-prazer. Recusando-se a fazer somas e não lê livros algum a não ser o Dom Quixote. 
Um dia, Julio Fabricante, o diretor de um orfanato, convida David e os amigos para formarem uma equipa de futebol a sério. David decide deixar Simón e Inés para ir viver com Julio no orfanato, mas passado pouco tempo sucumbe a uma misteriosa doença.
Depois de A Infância de Jesus e Jesus na Escola, J. M. Coetzee completa a sua inquietante trilogia com uma nova obra-prima, A Morte de Jesus, onde continua a explorar o significado de um mundo destituído de memória mas transbordante de perguntas."

E chegamos ao último livro desta trilogia. Em A Morte de Jesus, após todo o drama vivido em Jesus na Escola, vamos reencontrar David, agora com dez anos, basicamente igual a si próprio. Cheio de perguntas, obsessões e com muita dificuldade em perceber quem é, porque está ali e de onde veio.

Parece, no entanto mais bem integrado. Joga à bola com os amigos e todos parecem ter por ele uma admiração muito grande. David é um líder nato, chega a parecer-nos uma espécie de Messias infantil, que todos adoram e seguem sem grandes questões ou reservas. Simón parece ser o único que o vê apenas como uma criança de dez anos, inteligente, é verdade, mas apenas uma criança.
 
É nos jogos com os amigos que conhece Julio Fabricante, o dono de um orfanato, que o convida a fazer parte da equipa de futebol do orfanato. Já sabemos que David tem uma tendência para gravitar junto de personagens meios estranhas e de cuja bondade muitas vezes duvidamos e, neste caso, não é muito diferente. De um dia para outro, e porque parece nunca estar bem junto de Simón e Inés, decide ir viver para o orfanato para junto de Julio Fabricante. Simón e Inés não o conseguem contrariar e permitem que ele fique no orfanato.

Um dia David adoece e ninguém consegue perceber que doença o afeta. Fica internado enquanto os médicos tentam perceber o que se passa com ele e, à medida que o tempo passa, David vai definhando e tem muitas conversas com Simón sobre a morte, sobre vidas passadas e vidas futuras.
Simón e Inés ficam desesperados com a situação de David, frustrados por não conseguirem fazer nada por ele, incapazes de proteger David dos males do mundo e das pessoas que gravitam junto dele e que, embora digam que querem o bem dele, temos dificuldade em perceber quais as suas reais intenções. Põem em causa a parentalidade de Simón e Inés, que na verdade não são os pais de David, por forma a isolá-lo cada vez mais da "normalidade" que só Simón e Inés lhe podem dar. Os únicos que o amam sem esperar nada em troca.
 
A Morte de Jesus é um livro mais triste que os outros dois, com uma maior profundidade emocional nos diálogos. É o livro mais pequeno, dos três, tem poucas páginas e lê-se muito rápido.
 
Podemos ler A Infância de Jesus e não lermos Jesus na Escola e A Morte de Jesus, o livro vale por si e não necessita propriamente de continuação para fazer sentido. No entanto, acho que a leitura dos outros dois é importante para efetivamente conhecermos David e os seus pais adotivos.

Gostei bastante desta trilogia. São livros muito curiosos, peculiares e que nos deixam a pensar. Há uma permanente estranheza em todos eles que me agrada muito. 

Gostei muito e recomendo!

Boas leituras! :)


Excerto (pág.115):

"- O Juan Sebastián disse-me que o David tem estado doente, de modo que vim ver com os meus próprios olhos - diz Alma. - Trouxe fruta da quinta, Há tanto tempo que não te via, David! Temos saudades tuas. Tens de nos fazer uma visita assim que estiveres melhor.
 - Vou morrer, de modo que não posso ir visitar-vos.
 - Não me parece que devas morrer, meu rapaz. Será um desgosto para demasiadas pessoas. Será um desgosto para mim, e para Simón, tenho a certeza, e para a tua mãe, e para Juan Sebastián, e isso será apenas o princípio. Além disso, não te lembras da mensagem de que me falaste, da mensagem importante? Se morreres, não poderás transmiti-la, e nenhum de nós saberá alguma vez o que era a mensagem. Portanto acho que deves dedicar toda a tua energia a restabeleceres-te.
 - O Simón diz que eu sou o número cem, e o número cem tem de morrer.
Ele, Simón, intervém.
 - Eu estava a falar de estatísticas, David. Estava a falar de percentagens. As percentagens não são a vida real. Tu não vais morrer, mas mesmo que fosses morrer não seria por seres o número cem ou o número noventa e nove ou qualquer outro número.
David ignora-o.
 - O Simón diz que na próxima vida eu posso ser outra pessoa, que não tenho de ser este rapaz e não tenho de ter uma mensagem.
 - Não gostaste de ser este rapaz?
 - Não.
 - Se não gostaste de ser este rapaz, quem preferias ser, David, na próxima vida?
 - Preferia ser normal.
 - Que desperdício seria! - Ela poisa-lhe a mão na cabeça. Ele fecha os olhos; o seu rosto assume uma expressão de intensa concentração. - Quem me dera que na próxima vida tu e eu nos pudéssemos encontrar de novo e continuar estas nossas conversas! Mas, como tu dizes, na próxima vida seremos provavelmente outras pessoas. Que pena! Bem, está na altura de me despedir. Tenho de apanhar o autocarro. Adeus, jovem. Não vou certamente esquecer-te, nesta vida."

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