Ano da edição original: 2016
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações D. Quixote
"David é um rapazinho que está sempre a fazer perguntas. Simón e Inés ficam encarregados dele na nova cidade em que vão habitar, Estrella. O rapaz está a aprender a língua e começou a fazer amizades. Tem o seu grande cão Bolívar para olhar por ele. Mas vai fazer sete anos e tem se ir para a escola. Assim, tendo em conta as indicações das três irmãs proprietárias da quinta onde Simón e Inés trabalham, David é matriculado a Academia de Dança. É aí, com as suas novas sapatilhas de dança douradas, que aprende a chamar os números do céu. Mas é também aí que vai fazer descobertas perturbantes sobre aquilo de que os adultos são capazes. Nesta hipnotizante história alegórica, Coetzee lida habilmente com as grandes questões do crescimento e do que significa ser "pai", com a batalha constante entre o intelecto e a emoção, e com a maneira como optamos por viver as nossas vidas.
Jesus na Escola é a inquietante sequela de A Infância de Jesus, dando continuidade à jornada de David, Simón e Inés."
O primeiro volume - A Infância de Jesus (opinião aqui) - acabou com Simón e Inés, a saírem da cidade com David para que o menino não fosse obrigado a ir para a escola oficial e convencional que ensina os números, a fazer contas, ensina as letras e a ler. David diz que já sabe ler porque aprendeu com o livro de Dom Quixote de La Mancha, o livro que traz sempre consigo.
Na nova cidade, Estrella, é cada vez mais evidente que David necessita de algum tipo de educação para além da que Simón e Inés conseguem dar. A criança está a tornar-se cada vez mais desobediente e cada vez é mais difícil para os dois responder a todas as perguntas do miúdo.
Depois de muito ponderarem acabam por inscrevê-lo na Academia de Dança. Embora o currículo não seja convencional, não aprendem a ler nem a contar de forma convencional, a verdade é que David não é uma criança convencional.
Simón não é grande fã da Academia, convive mal com coisas que não sejam concretas e palpáveis e tenta contrariar David, sempre que pode, para que a criança tenha uma visão mais normal do que o rodeia. Inés vive angustiada com a ideia de que David não goste dela e não a reconheça como sua mãe. Não tem, dentro dela, a capacidade de fazer melhor e isso frustra-a.
Embora tenham ambos muita dificuldade em perceber o que se ensina na Academia e se aquilo é positivo ou não para o futuro de David, para Simón e Inés, o importante é que David se sinta feliz.
David, por seu lado, parece encontrar na Academia coisas que o mantêm interessado, embora nem sempre o que interessa David seja necessariamente positivo. Desenvolve uma paixão pela dona da Academia e professora de dança, Ana Magadlena e vive fascinado por Dimitri, o contínuo da Academia, uma personagem sinistra que parece ter hipnotizado David.
Neste segundo volume, David aparece-nos ainda mais estranho que no volume anterior. É claramente uma criança muito inteligente mas, ao mesmo tempo é altamente desajustada, a roçar a sociopatia. É mimado, obcecado, pouco empático e narcisista, tudo isto embrulhado na candura natural de uma criança de sete anos.
Jesus na Escola é um livro por vezes perturbador, onde Coetzee aprofunda, de uma forma alegórica, os meandros obscuros do crescimento e as dificuldades que se encontram na educação das crianças.
Gostei bastante, como seria de esperar de um livro de J. M. Coetzee e recomendo a leitura da trilogia. Não se fiquem apenas pelo primeiro volume, A Infância de Jesus, que podendo ser lido por si só, ganha se completarmos a história de David com os segundo e terceiro volumes - Jesus na Escola e A Morte de Jesus. Estes dois últimos só fazem sentido se tivermos lido o primeiro.
Boas leituras!
Excerto (pág. 43):
"- Deviam inventar uma máquina para colher azeitonas. Nessa altura tu e a Inés não teriam de trabalhar.
- Isso é verdade. Mas se inventassem uma máquina para colher azeitonas, os apanhadores de azeitonas como nós não teriam trabalho e por conseguinte não teriam dinheiro. É uma velha discussão. Há pessoas que estão do lado das máquinas e outras que estão do lado dos apanhadores manuais.
- Eu não gosto do trabalho. O trabalho é aborrecido.
- Nesse caso, tens sorte em ter pais que não se importam de trabalhar. Porque sem nós morrerias à fome, e não havias de gostar disso.
- Eu não vou morrer à fome. A Roberta há-de dar-me comida.
- Sim, sem dúvida... Como tem bom coração, há-de dar-te comida, Mas queres mesmo viver assim, da caridade dos outros?
- O que é a caridade?
- A caridade é a bondade dos outros, a generosidade dos outros.
O rapaz olha para ele de uma maneira estranha.
- Não se pode depender eternamente da bondade dos outros - prossegue ele. - Tem de se dar e receber, senão não há igualdade, nem justiça. Que género de pessoa queres tu ser: o género que dá ou o género que recebe? Qual é o melhor?
- O género que recebe.
- Palavra? Acreditas mesmo nisso? Não será melhor dar do que receber?
- Os leões não dão. Os tigres não dão.
- E tu queres ser um tigre?
- Eu não quer ser um tigre. Estou só a dizer-te. Os tigres não são maus.
- E também não são bons. Não são humanos, de maneira que estão fora da bondade e da maldade.
- Bem, eu também não quero ser humano.
Eu também não quero ser humano.
Relata a conversa a Inés.
- Incomoda-me quando ele fala assim - diz ele. - Teremos cometido um grande erro ao tirá-lo da escola, ao educá-lo fora da sociedade, ao deixá-lo correr por aí à solta com outras crianças?
- Ele gosta de animais - volve Inés. - Não quer ser como nós, que ficamos para aqui a apoquentar-nos com o futuro. Quer ser livre.
- Não me parece que seja isso que ele quer dizer quando diz que não quer ser humano - retruca ele. Mas Inés não está interessada."
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