janeiro 18, 2012

As Velas Ardem Até Ao Fim - Sándor Márai

Título original: A Gyrtyák Csonking Égnek
Ano da edição original: 1942
Autor: Sándor Márai
Tradução do húngaro: Mária Magdolna Demeter
Editora: Publicações Dom Quixote

"Um pequeno castelo de caça na Hungria, onde outrora se celebravam elegantes saraus e cujos salões decorados ao estilo francês se enchiam da música de Chopin, mudou radicalmente de aspecto. O esplendor de então já não existe, tudo anuncia o final de uma época. Dois homens, amigos inseparáveis na juventude, sentam-se a jantar depois de quarenta anos sem se verem. Um passou muito tempo no Extremo Oriente, o outro, ao contrário, permaneceu na sua propriedade. Mas ambos viveram à espera deste momento, pois entre eles interpõe-se um segredo de uma força singular..."

De Sándor Márai apenas li A Herança de Eszter (já comentado aqui) de que gostei muito. Com a leitura de As Velas Ardem Até ao Fim, confirmo que este é um escritor a repetir. Gosto da forma com escreve, com o coração, sobre temas difíceis de descrever mas que ele parece dominar sem grande esforço. E gosto muito das personagens, complexas e ao mesmo tempo simples, cheias de medos, de defeitos, que procuram, ao longo do livro encontrar as respostas para o que as atormenta. Também neste livro, as perguntas são feitas embora nem todas obtenham resposta. Será por as perguntas serem feitas sabendo de antemão as respostas? Gosto deste escritor! :)

Henrik é rico e exerce sobre os outros uma espécie de fascínio que não advém apenas da sua posição social privilegiada. Por ser bem formado, com bom coração, chegando a ser, muitas vezes ingénuo, o poder que acaba por ter sobre os outros não é usado de forma leviana. Reconhece a sorte que tem e partilha-a sem procurar o reconhecimento dos outros.
Henrik conhece Konrád no colégio e tornam-se inseparáveis. Konrád, ao contrário de Henrik é pobre e menos expansivo. É uma pessoa mais introspectiva e um apaixonado pela música. Embora a amizade que sente por Henrik seja sincera, esta não deixa de ser assombrada por alguma inveja. Inveja porque, enquanto Henrik nunca conheceu qualquer dificuldade na vida, Konrád vive angustiado pelo esforço que a sua educação exige dos pais. Conhece o mundo em que Henrik se movimenta e, por despeito, a que prefere chamar de superioridade intelectual, despreza esse mundo e as pessoas que dele vivem e que sem ele não sabem viver.

A história do nobre sentimento que une estes dois homens, desde a adolescência, é-nos contada por um Henrik idoso, a viver isolado no palácio da família, lugar onde nasceu, cresceu e pretende morrer. As memórias são provocadas por uma carta de Konrád, que após quarenta e um anos de ausência, escreve pedindo para o ver.
Que razões levaram estes dois homens a quebrarem um laço que, aparentemente, era inquebrável? É o que Henrik, sobretudo Henrik, nos vais contando enquanto as velas ardem até ao fim, na sala onde, há quarenta e um anos, estes dois amigos, mais do que irmãos, se encontraram pela última vez.

Sandór Márai, numa escrita muito envolvente, bonita e rica, faz uma homenagem à amizade e à força que este sentimento pode ter. De como é diferente do amor que une um homem e uma mulher, de como perdura mesmo quando a traição é uma certeza. De como mantém a vida dos intervenientes em suspenso impedindo-os de continuar com as suas vidas enquanto todas as perguntas não tiverem uma resposta.

Gostei muito e recomendo, como é óbvio!

Boas leituras!


Excerto:
"Quarenta e um anos, disse finalmente em voz baixa. Nos últimos tempos falava em voz alta no seu quarto, mesmo quando estava sozinho. Quarenta e um anos, disse depois perplexo. Como um aluno que se atrapalha no meio das complicações da lição inesperada, corou, inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos húmidos. O pescoço avermelhado intumesceu por cima da gola do casaco amarelo como o milho. Dois de Julho de mil oitocentos e noventa e nove, a caçada foi nesse dia, murmurou. Depois ficou calado. Apoiou os cotovelos na estante, preocupado como um aluno aplicado, e voltou a fitar o texto, essas linhas escassas escritas à mão, a carta. Quarenta e um, disse por fim em voz rouca. E quarenta e três dias. Foi tudo isso."

4 comentários:

  1. Já tinha dito que gostava de ler este, mas ainda não tive oportunidade. Esta tua opinião deu-me vontade de voltar a ler Sándor Márai. ;)

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  2. Paloma: :)

    tonsdeazul: Gosto bastante de Sándor Márai. Os livros dele são, de certa forma, relaxantes! :)

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