janeiro 02, 2022

A Espuma dos Dias - Boris Vian

Título original: L'Écume des Jours
Ano da edição original: 1946
Autor: Boris Vian
Tradução: Aníbal Fernandes
Editora: Relógio d'Água

"«Chamaram-lhe, alguns, a obra-prima do autor. E num prefácio que andou durante muito tempo colado ao seu Arranca-Corações, Raymond Queneau não hesitava perante um rótulo hierarquizante e audacioso: "o mais pungente dos romances de amor contemporâneos". Nos anos sessenta, A Espuma dos Dias circulou com estas difíceis responsabilidades.
Enfrentou-as mostrando a singularidade de um universo ainda não conhecido com tanto talento na literatura; que se comprazia a impor aos homens e aos objectos leis novas, interdependentes. De facto, os objectos que lá existiam tinham um comportamento emotivo e implacavelmente ligado aos estados de alma de quem os utilizava. O que já antes parecia sugerido por Edgar Allan Poe em A Queda da Casa Usher assumia ali uma evidência despudorada que corria em dois sentidos, de sol e sombra, e nos informava muito mais sobre o interior das personagens do que qualquer alusão directa que o texto chegasse a fazer.»" [Da Apresentação de Aníbal Fernandes]

Não sei muito bem o que li, quem são as personagens e em que universo se movimentam. 
Confesso que, durante uma parte da história, estive quase certa de que eram gatos. 😀

Apesar da estranheza, e apesar de não ter achado uma leitura fácil (questionei-me muitas vezes porque é que o estava a ler), a verdade é que gostei.

Colin é um jovem homem, muito rico e que vive sozinho numa grande casa.
Tem por companhia Nicolas, um cozinheiro excêntrico e um amigo, Chick, que anda sempre sem dinheiro porque gasta tudo em tudo o que existe feito pelo Jean-Sol Partre.

Um dia Colin conhece Chloé, apaixonam-se e casam-se.
Chick, por seu lado, mantém uma relação desequilibrada com Alise, a bonita sobrinha do excêntrico cozinheiro.

E tudo corre bem, até ao dia em que Chloé desenvolve uma doença estranha, nos pulmões, que lhe provoca dores e dificuldades em respirar. 
A única coisa que a alivia é estar rodeada de flores e por isso Colin gasta tudo o que tem em manter a mulher rodeada de flores.
Não é assim tão fácil arranjar a quantidade de flores de que Chloé precisa e, por muito que Colin se esforce, ela acaba por ir definhando lentamente. 
À medida que Chloé definha, o dinheiro de Colin vai desaparecendo, e a bonita mansão onde vivem vai encolhendo. A casa vai ficando, literalmente mais pequena.

Há qualquer coisa de mágico neste livro e na forma como está escrito. Como disse no início, não sei muito bem o que li, mas a verdade é que gostei da estranheza e do tom meio irónico de toda a história. Não sei se todos os livros de Boris Vian são assim, mas fiquei curiosa e vou querer ler mais livros dele. 

Recomendo, mesmo que não seja uma leitura fácil, mal não vai fazer. 

Boas leituras! 

Excerto (pág.23):

"- Este pâté de enguias é notável - disse Chick. - Quem te deu a ideia de o fazeres?
- Foi o Nicolas quem teve a ideia - disse Colin - Há (ou antes, havia) uma enguia que aparecia todos os dias, saída do cano da água fria, no seu lavatório.
- É curioso - disse Chick. - E porque é que isso acontecia?
- Punha a cabeça de fora e, fazendo pressão com os dentes, esvaziava o tubo de pasta dentífrica. Como Nicolas só usa pasta americana, de ananás, isso deve tê-la tentado.
- Como é que ele conseguiu apanhá-la? - perguntou Chick.
- Pôs um ananás inteiro no lugar do tubo. Quando ela engolia a pasta, conseguia deglutir e recolher depois a cabeça; mas com o ananás não conseguiu o mesmo resultado e, quanto mais ela puxava, mais os dentes de enterravam no ananás. O Nicolas...
Colin deteve-se.
- O Nicolas o quê? - perguntou Chick.
- Não sei se deva dizê-lo, talvez vá tirar-te o apetite.
- Continua - disse Chick -, já não tenho quase nenhum.
- Nesse momento o Nicolas apareceu e seccionou-lhe a cabeça com uma lâmina de barbear. Depois, abriu a torneira e o resto saiu.
- É tudo? - disse Chick. - Dá-me mais pâté. Espero que haja uma família numerosa dentro do cano.
- Agora o Nicolas pôs lá pasta de framboesa, para ver... - explicou Colin. - Mas diz-me uma coisa: essa tal Alise, de quem falavas..."


Existe, pelo menos uma adaptação para o cinema - L'Écume des Jours (Mood Indigo em inglês), que pelo trailer me parece bem divertido e uma boa adaptação:

Sem comentários:

Enviar um comentário