"Em A Festa do Chibo, Mario Vargas Llosa recupera uma tradição na literatura latino-americana, a do romance sobre ditadores, e retratando a ditadura de Trujillo, na República Dominicana, recupera também a força das suas melhores obras. O inegável talento do autor para manejar conflitos, criar tensões, descrever situações, revelar as razões humanas que se ocultam por detrás dos factos históricos, para poder criar personagens que inspiram repugnância e compaixão, resulta num romance magistral e surpreendente."
A Festa do Chibo é uma viagem ao passado violento e repressor vivido pelos dominicanos durante a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo, que decorreu de 1930 a 1961, ano em que o ditador foi assassinado.
Pela voz de Urania Cabral, regressada a Santo Domingo depois de ter estado 35 anos afastada do país, única filha do Agustín Cabral, um dos mais leais seguidores de Trujillo e das suas políticas, é-nos dada a conhecer a influência que Trujillo tinha em todas as famílias dominicanas e a relação doentia que os seus seguidores tinham com ele. Uma relação que passava necessariamente pelo medo, mas também pela veneração cega, de humilhação perante um homem que acreditavam estar muito próximo de Deus. No caso de Agustín Cabral, o apoio dado ao regime não passava por ter acesso facilitado ao poder e, consequentemente a dinheiro, mas por convictamente acreditar que Trujilo era o melhor que alguma vez tinha acontecido à República Dominicana. Quando, sem perceber como caiu em desgraça aos olhos do General viu-se na miséria, capaz de tudo para regressar ao círculo restrito dos colaboradores do regime. Como Agustín Cabral existiriam muitos outros dominicanos, que cometeram atrocidades inimagináveis para provar a sua lealdade para com Trujillo.
Paralelamente, Mario Vargas Llosa conta-nos a história do assassinato de Trujillo no dia 30 de Maio de 1961. Acompanhamos o último dia de vida de Trujillo, na perspectiva do próprio. Conhecemos as suas angústias e os seus medos, bem como a sua forma fria e calculista de governar. A frustração que sente por nem todos os dominicanos aceitarem e valorizarem o esforço que sente ter feito pelo país, transformando-o num país próspero e com importância no mundo, pelo menos enquanto teve o apoio dos EUA e da Igreja. O medo que tem de envelhecer e de que o seu corpo deixe de acompanhar a sua agilidade mental. A forma como Mario Vargas Llosa humaniza Trujillo, sem no entanto deixar de expor a sua personalidade violenta e narcisista, torna esta personagem (real) muito interessante. Conhecemos o que o move e o porquê de determinadas acções. Não olhamos para ele apenas como uma figura histórica.
Para além de Trujillo, Mario Vargas Llosa conta-nos o último dia de vida do ditador na perspectiva dos homens que o mataram: Antonio de la Maza, Salvador Estrella Sadhala, Tenente Amado Garcia Guerreiro e Antonio Imbert Barreras, sentados num carro, à beira da estrada enquanto aguardam pelo Chevrolet Bel Air azul-claro do General, que alguns quilómetros à frente crivam de balas, matando-o.
A história vai alternando entre estes três núcleos: a família Cabral, pela voz de Urania, o último dia de Trujillo, narrado pelo próprio e, os quatro homens no carro, onde o autor nos vai, separadamente, dando a conhecer os motivos pessoais que os levaram a estar ali, à beira da estrada no dia 30 de Maio de 1961.
Depois da morte de Trujillo, temos o relato assombroso da perseguição e represálias que sofreram os heróis do 30 de Maio, bem como as suas famílias e amigos próximos. Temos também a parte em que Balaguer, o presidente fantasma do regime, assume as rédeas do país após a morte de Trujillo e dono de muito jogo de cintura encaminha a República Dominicana para uma democracia, com o apoio dos EUA e sem melindrar em demasia os familiares e seguidores de Trujillo, impedindo o país de cair numa guerra civil e evitando uma invasão por parte dos EUA ou dos vizinhos do Haiti e Cuba, países comunistas. Não é claro, ao longo de todo o livro, se Balaguer era ou não um Trujillista ou se apenas esperava oportunidade de libertar os dominicanos da ditadura que durava há tantos anos. Gostei desta dualidade na personalidade do presidente, um verdadeiro político. :)
A Festa do Chibo foi a minha estreia na escrita de Mario Vargas Llosa e o que posso dizer é que gostei muito. Gostei principalmente da forma como o autor encadeia a acção, alternando entre diferentes narradores à medida que o último dia de Trujillo avança. Gostei da caracterização de todas as personagens, e saber que todas elas, à excepção da família Cabral, foram homens e mulheres reais tornou a narrativa mais emotiva e arrepiante. Entrar na cabeça de Trujillo foi fascinante e assustador, pois é aflitiva a forma como a inteligência humana pode ser usada de forma tão distorcida e doentia. A descrição das torturas e das perseguições, embora desconfortável, é imprescindível para uma verdadeira compreensão do medo e horror vividos na sociedade dominicana.
O único ponto negativo que tenho a apontar foi a minha dificuldade em memorizar tantas personagens, não só porque eram realmente muitas, mas também porque o autor ora os tratava pelo primeiro nome, ora pela alcunha ou então pelo nome completo. Às tantas já não sabia bem de quem se estava a falar... Nada que manche a qualidade inquestionável da obra, a leitura tornou-se foi menos fluída.
Este livro é, com as devidas ressalvas para o facto de ser uma história que ficciona alguns acontecimentos reais, uma autêntica lição de história. O meu conhecimento acerca da República Dominicana e da sua história era praticamente nulo, pelo que gostei mesmo muito de ler este livro. Aprendi imenso e está muitíssimo bem escrito, com uma estrutura narrativa muito eficaz. Fiquei muito curiosa para ler outros livros do Vargas Llosa, num outro registo que não o romance histórico.
Recomendo sem reservas.
Boas leituras! :)
Nota: Trailer do filme La Fiesta del Chibo, realizado por Luis Llosa com Paul Freeman e Isabella Rossellini, entre outros:
Mario Vargas Llosa já é um autor que ando a namorar faz algum tempo, principalmente desde que saiu com a revista Sábado uma obra dele, " A Tia Julia e o escrevedor". Mas apesar deste "namoro" ainda não lhe peguei!
ResponderEliminarEste sendo histórico suscitou-me bem mais curiosidade!
Se gostas de romances históricos, vais gostar deste, embora seja uma história recente. Como disse, o que mais gostei foi da forma como as várias partes da narrativa se encadeiam. Por vezes é um pouco repetitivo e só não foi extraordinário por causa da questão dos nomes. É irritante a mesma personagem ser tratada por três nomes diferentes na mesma página... Mas não deixo de o recomendar por isso. :)
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