janeiro 17, 2018

[Kindle] The Girl on the Train - Paula Hawkins

Título original: The Girl on The Train
Ano da edição original: 2015
Autor: Paula Hawkins
Editora: Riverhead Books

"Rachel catches the same commuter train every morning. She knows it will wait at the same signal each time, overlooking a row of back gardens. She's even started to feel like she knows the people who live in one of the houses. 'Jess and Jason', she calls them. Their life - as she sees it - is perfect. And then she sees something shocking..."

Depois de ter passado a febre que rondava A Rapariga no Comboio, achei que já tinha condições para o ler sem ser influenciada por tudo que se dizia sobre o livro. 

A Rapariga no Comboio é uma espécie de thriller psicológico bastante bem conseguido. 
Rachel é uma jovem mulher que nos é apresentada por todos à sua volta como alcoólica, emocionalmente desequilibrada, obcecada pelo ex-marido, mentirosa e violenta. No entanto, à medida que vamos conhecendo a história que a própria Rachel nos vai contando algo parece  não bater certo.
Rachel tem um problema com a bebida, não há dúvidas quanto à isso. Bebe até perder os sentidos e, quando recupera a consciência, pura e simplesmente não se lembra de nada do que aconteceu. Onde esteve, com quem e o que fez. Horas e horas da sua vida completamente apagadas da sua memória. O pior é que, nessas alturas o mais provável é que tenha regressado à sua antiga casa, onde agora o ex-marido vive com a atual família, a mulher e a filha. A atual mulher de Tom não a suporta e já fez queixa à policia. Tom parece tentar desculpar o comportamento de Rachel, tenta afastá-la mas ao mesmo tempo  parece continuar a preocupar-se com ela. 

Rachel está desempregada mas apanha apanha o comboio, todos os dias, como se fosse trabalhar. Todos os dias o comboio pára durante alguns segundos, às vezes minutos, num sinal, o que lhe permite observar as casas da rua onde morava. Há uma casa em particular que lhe desperta a atenção. Nela, todos os dia, ela observa um jovem casal, cuja vida ela de certa forma inveja. São jovens, bonitos e parecem apaixonados. A vida que ela consegue vislumbrar do seu lugar à janela do comboio parece-lhe perfeita. Não os conhece e por isso baptizou-os. Para ela são a Jess e o Jason e são tudo aquilo que desejou para ela e para Tom e que Anna conseguiu roubar. 
Rachel é uma mulher profundamente triste, sozinha e confusa. Vive entre a vontade de prosseguir com a sua vida e o desejo doentio de se manter perto de Tom.
Um dia, depois de mais uma noite complicada, ouve nas notícias que Jess está desaparecida. Rachel não faz ideia do que aconteceu, mas na noite anterior, a última lembrança que tem é de ter saído na estação de Witney, a estação que a leva à rua da qual parece não conseguir afastar-se. Ela não se lembra de nada, mas tem um mau pressentimento sobre aquele fim de tarde. Acha que não está a conseguir lembrar-se de algo muito importante. 
O que será que incomoda tanto Rachel? Porque é que tudo o que lhe dizem que ela faz quando está alcoolizada lhe parece tão desfasado do que ela sente? Rachel tem dificuldade em reconhecer-se naquela pessoa. A confusão é tanta, as perdas de memória de tal maneira graves que já nem Rachel sabe quem é.

Paula Hawkins conta-nos uma história onde nem tudo o que parece é. Gostei da escrita dela e da forma como nos vai envolvendo na história de Rachel. A confusão e a tristeza desta mulher são quase palpáveis. Mesmo com tudo o que se dizia dela, não deixamos de criar empatia com ela e queria muito que tudo lhe corresse bem.

Gostei bastante. Acho que Paula Hawkins é bem capaz de entrar para a minha lista de escritores a seguir. :) 

Recomendo sem qualquer hesitação e sem qualquer restrição. 

Boas leituras! 

Excerto:
"Something happened, I know it did. I can't picture it, but I can feel it. The inside of my mouth hurts, as though I've bitten my cheek, there's a metallic tang of blood on my tongue. I feel nauseated, dizzy. I run my hands through my hair, over my scalp. I flinch. There's a lump, painful and tender, on the right side of my head. My hair is matted with blood."

janeiro 03, 2018

O Luto de Elias Gro - João Tordo

Título original: O Luto de Elias Gro
Ano da edição original: 2015
Autor: João Tordo
Editora: Companhia das Letras

"Numa pequena ilha perdida no Atlântico, um homem procura a solidão e o esquecimento, mas acaba por encontrar muito mais.
A ilha alberga criaturas singulares: um padre sonhador, de nome Elias Gro; uma menina de onze anos perita em anatomia; Alma, uma senhora com um coração maior do que a ilha; Norbért, um velho louco que tem por hábito vaguear na noite; e o fantasma de um escritor, cuja casa foi engolida pelo mar.
O narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demónios na local que escolheu para se isolar: um farol abandonado; à mercê dos caprichos da natureza - e dos outros habitantes da ilha. Com o vagar com que mudam as estações, o homem vai, passa a passo, emergindo do seu esconderijo, fazendo o seu luto e descobrindo, numa travessia de alegria e dor, a medida certa do amor.
O Luto de Elias Gro é o romance mais atmosférico de João Tordo, um mergulho na alma humana, no que ela tem de mais obscuro e luminoso."

O Luto de Elias Gro é o primeiro livro da "trilogia dos lugares sem nome". O primeiro lugar sem nome é uma pequena ilha no meio do Atlântico onde todos os seus habitantes são de certa forma peculiares. Alguns nasceram na ilha e nela viveram toda a sua vida, outros foram lá parar depois de algum acontecimento trágico nas suas vidas e por lá ficaram, lá viveram e morreram.

O narrador, personagem sem nome, desta história é um dos que foi para a ilha à procura do natural isolamento que um farol desactivado lhe poderia trazer. Procurava um sítio onde não tivesse de falar com outras pessoas, onde ninguém o conhecesse e onde ninguém estivesse interessado em conhecê-lo. Queria liberdade para poder afogar todas as suas mágoas e enfrentar todos os seus demónios sem ser julgado.
No entanto, nem todos os habitantes da ilha estão interessados em respeitar a vontade do novo inquilino do farol. O padre, que não é padre, Elias Gro, faz os possíveis para que ele se sinta acolhido, obrigando-o a participar na vida da pequena comunidade.
É desta forma que conhece Cecília, a filha de Elias Gro. Cecília é uma menina de onze anos, muito perspicaz e inteligente, que cresceu muito sozinha na ilha, sem mais crianças para brincar, embora frequente a escola no continente. É uma miúda sedenta de atenção e parece encarar o mau humor do nosso narrador, que chega a ser ofensivo e violento com a pequena Cecília, como um desafio. Percebemos logo que ele gosta muito da miúda, que a acha peculiar no bom sentido e divertida. A presença de Cecília faz-lhe bem, mas também lhe traz lembranças do seu passado com as quais ainda não consegue lidar.
Ao longo do livro vamos acompanhando o processo de luto do narrador. Vamos conhecendo o que o levou a procurar isolar-se do mundo, num farol perdido numa ilha perdida no meio do Atlântico. Descobrimos um homem que perdeu tudo e que não sabe lidar com isso. Refugia-se na bebida e torna-se uma pessoa desprezível. Quer afastar de si toda e qualquer manifestação de bondade, não se sente merecedor da compaixão dos outros. Quanto mais os habitantes da ilha o tentam incluir,  mais ele os afasta. A única pessoa que parece conseguir, de alguma forma, criar brechas na barreira protectora que criou à sua volta, é Cecília.

Todos naquela ilha têm problemas, todos eles conhecem a perda e vivem com ela e, todos têm diferentes maneiras de fazer o luto. Todos eles encontraram formas de continuar a viver depois da morte. O nosso narrador também vai acabar por sair do buraco escuro e fundo para onde foi quando a vida lhe pregou uma partida. A viagem não será fácil e levará algum tempo até que ele consiga ver para além da sua própria dor.

Já há algum tempo que não lia João Tordo e confesso que me estava a fazer alguma falta. :)
O Luto de Elias Gro é de certa forma diferente do que tenho lido do João Tordo. Os anteriores estavam envoltos em mistério, em segredos por desvendar. Este é definitivamente mais introspectivo. Procura provocar em quem lê, alguma da dor, raiva, tristeza, angústia e impotência que o narrador sente nos diversos estágios do seu luto.
Embora pareça e, de certa forma, seja um livro pesado, está escrito com algum sentido de humor que aligeira um pouco a atmosfera mais negra da história.

Resumindo e baralhando, gostei da história e das personagens e gosto sobretudo da forma como João Tordo nos conta esta história.

Só posso recomendar!

Boas leituras! :)



Excerto (pág.168):
"Eu respirava com dificuldade, alguma coisa parecia ter-se alojado na minha traqueia. A memória das vozes ao telefone e da vigília afrontava-me; dentro de mim, um animal ferido raspava ferozmente o chão de gravilha com unhas retrácteis, e uivava, procurando sair da toca.
Tenho pena é das lesmas, disse Cecília. E das lagartas. Não têm como se proteger.
As lagartas fartam-se de ser lagartas e fazem uma casinha nojenta de baba, disse eu. E depois transformam-se em borboletas, e toda  a gente gosta de borboletas. Nunca vi ninguém fazer mal a uma borboleta. Quando muito, espalmam-nas no meio das páginas de um livro, para sempre. É uma vida bestial. Muito melhor do que a nossa.
As lagartas esvaziam o estômago e segregam uma enzima que forma uma crisálida, disse Cecília, em tom de correcção.
És muito esperta, ripostei. Aposto que te dizem isso na escola. Lembras-te dessas coisas todas, nada te escapa, pois não?
A diferença é que nós, ao contrário das lagartas, somos muito mais como os cães. Vida de cão, é assim que se diz. Sabes porquê? Porque a nós ninguém nos dá nomes em latim nem nos espalma entre as páginas de um livro, para que a nossa beleza fique preservada para sempre. Não existe filatelia humana.
Lepidopterologia.
O quê?
Filatelia é coleccionar selos. Lepidopterologia é como se chama à ciência dos insectos.
E que tal coleccionar borboletas? Serve-te? Ou precisas de saber dezenas de palavras impronunciáveis das quais te irás esquecer assim que começares a crescer?
Cecília desviou o olhar para a janela. Parecia magoada. Irado, eu escutava o meu próprio tom de voz, a roçar a violência, e percebi que estava fora de mim. Aquela versão chegara com a força e imprevisibilidade das tempestades: quanto mais olhava para a rapariga, mais desejava anulá-la. (...) Olhava para Cecília e via uma outra, que não era Cecília, alguém de que ainda não vos falei (porque não consigo, não sou capaz); alguém que não existe e, todavia, é a figura central destas páginas. O fantasma de Banquo sentado à mesa real."