janeiro 11, 2015

Os da minha rua - Ondjaki

Título original: Os da Minha Rua
Ano da edição original: 2007
Autor: Ondjaki 
Editora: "Colecção BIIS" da Leya

"Há espaços que são sempre nossos. E quem os habita, habita também em nós.  Falamos da nossa rua,  desse lugar que nos acompanha pela vida. A rua como espaço de descoberta,  alegria, tristeza e amizade. Os da minha rua tem nas suas páginas tudo isso. "

Quem nunca leu um livro de um escritor africano lusófono não faz ideia do que anda a perder. A musicalidade que colocam nas palavras, a forma como transformam o nosso português numa língua mais doce, mais alegre, quase uma nova língua, é do melhor que podemos encontrar. Apercebo-me do quão afortunados somos porque os podemos ler sem traduções pelo meio, porque por mais diferente que sejam as palavras, as expressões, o que partilhámos e continuamos a partilhar está lá, no idioma e na história que, para o mal e para o bem, temos em comum. 

Os da Minha Rua é um hino à infância, às crianças, às brincadeiras, aos risos e gargalhadas, aos primeiros amores, à constante descoberta de um mundo imenso e maravilhoso, que à medida que crescemos se vai tornando cada vez mais pequeno e previsível. É um hino à amizade, à família, aos pais, aos irmãos, aos avós e aos tios e primos. :)
Ondjaki, neste pequeno livro de pequenas histórias consegue colocar tudo isto, com uma escrita divertida, emocionante e envolvente que nos transporta a todos para a rua da nossa infância, para a inocência dos tempos simples e aconchegantes. 

É um livro para ler e reler sempre que tivermos necessidade de recordar que a vida já foi bem mais simples e o riso bem mais fácil. 

Recomendo, como é óbvio!

Boas leituras!

Excerto (pág. 113):
"Deixei os braços pousarem na madeira inchada e húmida, abri um pouco a janela a pensar que isso de olhar a chuva de frente podia abrandar o ritmo dela, ouvi lá em baixo, na varanda, os passos da avó Agnette que se ia sentar na cadeira da varanda a apanhar fresco, senti que despedir-me da minha casa era despedir-me dos meus pais, das minhas irmãs, da avó e era despedir-me de todos os outros: os da minha rua, senti que a rua não era um conjunto de casas mas uma multidão de abraços, a minha rua, que sempre se chamou Fernão Mendes Pinto, nesse dia ficou espremida numa só palavra que quase me doía na boca se eu falasse com palavras de dizer: infância. "

O Sino da Islândia - Halldór Laxness

Título original: Íslandsklukkan
Ano da edição original: 1943
Autor: Halldór Laxness
Tradução do islandês: João Reis
Editora: Cavalo de Ferro

"No final do século XVII, o emissário e carrasco do rei da Dinamarca recebe ordens para confiscar o sino de Þingvellir, o velho símbolo da independência islandesa, e para o levar desmantelado em peças até Copenhaga. Jón Hreggviðsson, um agricultor pobre e rude, a braços com a lei pelo roubo de corda, é acusado do seu homicídio e condenado à morte. A sua atribulado fuga e o longo processo que se seguirá ocupará a justiça durante mais de 30 anos.
Arnas Arnæus, assessor do rei dinamarquês e reputado erudito islandês, envolve-se num caso amoroso com Snæfriður, a filha do magistrado que virá a condenar Jón.
Como os caminhos destas personagens se cruzarão é o que nos conta Halldór Laxness que, com mão de mestre, transforma a história do Sino da Islândia numa homenagem à tradição heróica islandesa, usando como cenários reais conflitos políticos e sociais ocorridos de 1650 a 1790 entre a potência dinamarquesa e a oprimida colónia islandesa.

O Sino da Islândia, pela primeira vez aqui traduzido para português, foi aclamado como uma das obras maiores do prémio Nobel islandês, tendo sido adaptado pelo próprio autor ao teatro, numa peça de clamoroso sucesso."

Não sei muito bem como é que acabei a ler este livro. Acho que fui "apanhada" numa daquelas promoções para prémios Nobel e a verdade é que ao ler  a sinopse pensei: porque não?, não sei nada sobre a Islândia... :)

O Sino da Islândia conta-nos a história da Islândia e dos islandeses no século XVII/XVIII. Os anos em que foram uma colónia da coroa dinamarquesa.
A história começa com a ordem do rei da Dinamarca para que todo o cobre e estanho da Islândia seja enviado para a reconstrução de Copenhaga. Conhecemos Jón Hreggviðsson e o carrasco do rei, que Hreggviðsson há-de matar, quando este participa na retirada e destruição do Sino de Þingvellir, um símbolo da justiça, da lei e da independência da Islândia.
Jón Hreggviðsson é um agricultor, a cumprir pena por ter roubado corda, utensílio essencial, e escasso na ilha, para a sobrevivência de um povo empobrecido, esfomeado e doente, que vivia com dificuldades devido às restrições comerciais que eram impostas pelo reino da Dinamarca. Mais tarde é preso por ter difamado o rei, mas o que se arrasta na justiça durante mais de trinta anos é o julgamento onde é acusado de ter assassinado o carrasco do rei, o mesmo que o obrigou a retirar e destruir o sino da Islândia, em Þingvellir.
O julgamento, e todas as personagens que nele participam, directa ou indirectamente, vai servir de pretexto para conhecermos as condições de vida dos islandeses, a forma como viviam, o que pensavam e o que ansiavam. A forma como eram tratados pelo dinamarqueses e pela coroa, como se não passassem de animais sarnentos e fedorentos que não mereciam mais do que tinham. Ver todo um povo, orgulhoso da sua história e dos seu heróis, ser subjugado desta forma, durante tanto tempo que acabam por acreditar, eles próprios, que não merecem melhor, é angustiante.

Embora não conhecesse o autor, Hálldor Laxness, é natural que por ser um Nobel existissem algumas expectativas, que não foram, infelizmente, totalmente satisfeitas. Achei o ritmo da história um pouco lento, as personagens pouco desenvolvidas e a escrita pouco envolvente. Não sei se se perde algum do encanto na tradução. O islandês é tão diferente do português, que de certeza alguma da alma acaba por se perder na tradução. Este livro vale pela história e pelo que nos dá a conhecer da Islândia e dos Islandeses. É muito interessante nesse aspecto. Conhecemos tão pouco sobre este nosso parceiro do continente europeu, com uma história tão rica e interessante, que é impossível acabarmos o livro e não irmos pesquisar mais um pouco sobre ele. Eu tive de ir, logo no início, para perceber como ler as letras "estranhas" que surgem ao longo do livro. :) Não fazia ideia de como pronunciar Þingvellir, por exemplo ou mesmo o nome de Hreggviðsson... Difícil, muito difícil o islandês. ;)

Recomendo por isso, pelo interesse histórico que tem. Se a escrita fosse mais cativante, tenho a certeza de que voltaria a este escritor, porque gostei muito do universo por onde se move, mas não o sendo, tenho dúvidas se voltarei a ele.

Boas leituras!

Excerto (pág. 391/392):
"Faça como quiser,  fique com a prata dos meus antepassados - ao dizer isto,  soltou o broche de prata e a sua capa preta caiu-lhe dos ombros,  mostrando que estava vestida de azul,  com uma faixa dourada à cintura. - Fique com tudo.  Venda-nos como se fôssemos gado. Enviem-nos para a Jutlândia,  onde há charnecas. Ou, se preferir,  continuem a bater-nos com os vossos chicotes no nosso próprio país.  Façamos de conta que o merecemos.  O bispo Jón Aranson terá um machado dinamarquês no pescoço para toda a eternidade,  e isso estará bem. Deus seja louvado por ele ter feito o suficiente para merecer todos os sete golpes que foram precisos para separar a sua cabeça grisalha do tronco e do pescoço curto e largo que nunca se dobrava.  Perdoe-me por falar, perdoe-nos por sermos uma nação de historiadores que nada esquecem.  Mas não me interprete mal: não me arrependo de nada do que aconteceu, nem em palavras, nem em pensamentos.  Pode ser que a nação mais vitoriosa seja aquela que é exterminada: não suplicarei misericórdia pelos islandeses.  Nós, islandeses, não somos, de facto, demasiado bons para morrermos. E há muito que, para nós, a vida não significa nada. "