agosto 24, 2014

Anatomia dos Mártires - João Tordo


Título original: Anatomia dos Mártires
Ano da edição original: 2011
Autor: João Tordo
Editora: Publicações D. Quixote

“Um jornalista insensato e ambicioso quer provar ao seu editor – um comunista irascível, alcoólico e com bastante desprezo pelos jovens – que não é só mais um na redacção. Escolhido para ir a Berlim entrevistar o biógrafo de um mártir religioso, aproveita a deixa para fazer, no seu artigo, uma analogia com a história de Catarina Eufémia, a camponesa que se tronou um ícone do Partido Comunista, mas de quem, na verdade, pouco ou nada sabe. Quando, porém, o artigo é publicado, as reacções de indignação por parte dos leitores não se fazem esperar, algumas das quais bastante ameaçadoras; e, na noite em que o editor é encontrado na rua em coma, aparentemente brutalizado, o jornalista pergunta-se se não terá sido por defender publicamente o seu artigo e começa a suspeitar de que existe muito mais em jogo do que a simples memória de uma camponesa assassinada pela GNR durante a ditadura. É então que decide investigar obsessivamente a vida de Catarina, desbravando por entre o nevoeiro que paira sobre os mártires e os transforma em mitos de que sempre alguém se apodera. E encontra realidades bem distintas – e mais tenebrosas – do que podia esperar.”

João Tordo tem sido um escritor que me tem dado algum gozo conhecer. Com Anatomia dos Mártires, embora o tema seja muito interessante e as reflexões que faz muito pertinentes, achei-o um pouco repetitivo ao longo de todo o livro, o que me deu uma sensação de estagnação. Ao longo da leitura só me lembrava de uma crítica algures que dizia que João Tordo utilizava demasiadas provocações, referindo-se muito a acontecimentos já passados mas dos quais o leitor nada sabe, ou seja levanta muito a ponta do véu e no fim, debaixo do véu não havia assim nada de muito extraordinário. Confesso que este Anatomia dos Mártires é um pouco assim. Não é que me tenha sentido defraudada nas minhas expectativas, mas esta técnica de prender o leitor à história terá sido utilizada em demasia. :)

Expectativas à parte, o meu gosto na descoberta de João Tordo em nada foi beliscado por este livro menos ao meu gosto. A escrita dele agrada-me e a forma como ele nos apresenta uma história, como explora as personagens e nos mantém interessados é algo com o qual me identifico. Neste Anatomia dos Mártires gostei sobretudo do tema. Da reflexão que faz sobre a relação das pessoas com a política, das crenças humanas e da religião. Gostei da interpretação que dá as estas personagens que vivem muito para além dos seus feitos, como Catarina Eufémia, nome que não me era estranho, mas não sabia ao certo quem era e qual o papel que lhe coube numa época tão cheia de mártires.
Achei a caracterização da personagem principal, o jornalista, muito bem conseguida. A representar muito bem a soberba dos jovens, o facto de acreditarmos que sabemos tudo e que não existe nada que a geração que nos criou tenha para nos ensinar. A ignorância de toda uma geração sobre um dos, senão mesmo o mais importante acontecimento da nossas vidas, como país e como sociedade, o 25 de Abril de 1974 e toda a luta que o tornou possível.
O jornalista representa a geração daqueles que ficou sem nada por que lutar, uma geração sem ideologias, sem fé, um pouco desenraizada da terra, culturalmente europeu, uniformemente europeu, sem nada que o distinga de um alemão ou francês.
Um jovem adulto, não estou a falar da geração que agora atravessa os 20, mas dos que já entraram há muito nos 30 e se aproximam dos 40, os filhos da revolução dos cravos. Um homem, adulto, egoísta, que não soube lidar com a morte da mãe e não sabe como viver com o envelhecimento do pai, que despreza e praticamente abandona. A forma como este homem lida com o pai é, à falta de melhor expressão, chocante. Um homem que vive obcecado consigo mesmo, até quando pensa que está a fazer coisas pelos outros, é só em si e na sua sanidade mental que pensa.
Este jornalista parece horrível... e na realidade não me ocorre nada de muito positivo sobre ele. É depressivo, centrado em si, incapaz de assumir responsabilidades pelos seus actos.

Resumindo, a história é boa, as personagens estão bem construídas. O que me deixou um travo amargo foi a repetição de ideias que acabam por não ser mais desenvolvidas a cada repetição e o uso excessivo do "se eu soubesse na altura o que ia acontecer...". Tirando isso, gostei. Não é o meu preferido dele, mas acho que tem coisas muito boas que fazem com que o recomende sem hesitações.

Boas leituras!

Excerto (pág. 156):
"«Claro que estás enganado. Olha para o país à tua volta: quem é que grita à porta dos tribunais hoje em dia? São as mulheres. Quem é que vai à frente das manifestações contra o governo? São as mulheres. Historicamente, elas tornam a repressão mais suave. Por um lado, e em certos contextos, são muito mais histriónicas; por outro têm a seu favor o poder da comoção, que lhes permite desafiar a autoridade.» Ouvi-a pigarrear. «Seria impensável que um polícia, hoje, se atrevesse a tocar numa mulher, que carrega um filho ao colo, pelo menos numa sociedade democrática. Ou talvez tenha sido isso que pensou Catarina e as outras mulheres que a acompanhavam: que, apesar de não conhecerem a democracia ou nunca terem ouvido falar nela, que nem uma besta como o tenente Carrajola se atreveria a tocar-lhe mesmo debaixo de um regime que usava a força como modo de repressão. Teoricamente, está correcto: é uma demonstração de força e, ao mesmo tempo, de fragilidade. Faz parte do reportório da resistência, em situações de manifestação, que os mais fracos tomem a liderança.»
«Enganaram-se.» rematei.
«E não nos enganamos todos?» (...) "

agosto 03, 2014

As Memórias de Cleópatra (2º Vol) - O Signo de Afrodite - Margaret George

Título original: The Memoirs of Cleopatra
Ano da edição original: 1997
Autor: Margaret George
Tradução: Sérgio Gonçalves
Editora: Saída de Emergência

"A autora do best-seller mundial A Paixão de Maria Madalena está de volta com o segundo volume de um convite irrecusável: a visita ao Antigo Egipto e à vida de Cleópatra, a rainha do Nilo. Escritas na primeira pessoa, As Memórias de Cleópatra começam com as suas recordações de infância e vão até ao seu glorioso reinado, quando o Egipto se torna um dos mais deslumbrantes reinos da Antiguidade. Mas, mais do que uma saga fascinante sobre ambição, traição e poder, As Memórias de Cleópatra são uma grande história de amor.
Na riqueza e autenticidade das personagens, cenários e acção, As Memórias de Cleópatra são um triunfo da ficção. Misturando história, lenda e a sua prodigiosa imaginação, Margaret George dá-nos a conhecer uma vida e uma heroína tão magníficas que viverão para sempre."

Terminado o 2° volume da trilogia que Margaret George dedicou a Cleópatra - As Memórias de Cleópatra - continuo moderadamente impressionada com a história que nos é contada. Cleópatra é, sem qualquer dúvida uma personagem histórica fascinante, no entanto continuo a sentir alguma estranheza na forma como a autora decidiu abordar a vida de Cleópatra, a Rainha do Egipto. Para mim está demasiado romanceada e, de certa forma, demasiado centrada nos homens da vida dela, Júlio César no 1º volume e, Marco António neste 2° volume. Estranhezas à parte, gostei mais deste volume e da vida de Cleópatra com Marco António. Este romano pareceu-me de longe bem mais interessante do que César! ;)

Neste O Signo de Afrodite, segunda parte das "Memórias de Cleópatra", a ainda Rainha do Egipto encontra-se a recuperar do choque que foi o assassinato de César e, depois da longa temporada que passou em Roma, regressa ao Egipto, para junto dos seus.

Enquanto recupera em Alexandria, o mundo romano movimenta-se para que o lugar de Júlio César não fique por ocupar muito tempo e para que o legado deste não seja usurpado pelos que planearam a sua morte. A ele correm Octávio, Marco António e Lépido. Como nenhum dos três vence, acabam por formar um triúnviro, uma espécie de liderança tripartida do vasto império romano, sendo que uns estão mais dispostos a partilhar que outros.
Depois destes três derrotarem Cássio e Bruto, os assassinos de César, Marco António, ainda no Oriente chama Cleópatra a Tarso, onde está acampado a reunir homens para os triúnviros, para que esta se defenda dos boatos de que teria ajudado Cássio e Bruto, com navios da sua frota. Cleópatra, decidida a não dar parte de fraca e a não perder a independência do Egipto, vai até Tarso, mas quem domina o encontro é ela, não Marco António. :)
A partir deste encontro, Cleópatra redescobre a vontade de viver e de partilhar a sua vida com outro homem, algo que ela não achou possível depois de César. Marco António é completamente diferente de César, mais humano, é um homem divertido que gosta de estar com as pessoas. É um apaixonado pelo Oriente e o seu exotismo. Completamente apaixonado por Cleópatra, vai fazer tudo para que a relação dos dois resulte. Num mundo em guerra, na qual ele é um dos protagonistas, este equilíbrio entre o que se quer e o que efectivamente se pode ter é complicado de conseguir e manter. Mas ele esforça-se. :)

Os dois mantêm uma relação bonita, sincera e intensa, os dois a tentar evitar que a política se intrometa entre os dois, algo que nem sempre conseguem, afinal de contas ela é a Rainha do Egipto e ele um dos mais promissores candidatos ao lugar de César.

Este é um volume onde se explora mais o lado pessoal de Cleópatra, como mulher e como mãe, uma vez que no primeiro ela estava demasiado ligada a César e aos objectivos dele e de Roma, não havendo muito espaço para ela. Neste segundo volume a postura dela é diferente, mais madura, a orientar Marco António, a espicaçar nele a ambição de ser mais. Embora não existam dúvidas de que ama Marco António, provavelmente mais do que amou César, o homem, a realidade é que, sem um Marco António forte Cleópatra teria muita dificuldade em manter a independência do Egipto e, portanto existe obviamente algum interesse político na ligação pessoal que tem com ele e na forma como o influencia.

Neste segundo volume deixamos Roma, a cidade, para trás,e passamos mais tempo em Alexandria e nos territórios conquistados. Apercebemo-nos da riqueza do Egipto, da organização que tinham, da forma como viviam, tão diferente da vida em Roma, e das suas crenças.

Como disse, a escrita de Margaret George não me convence e a forma como conta a história não é a que mais me agradaria, no entanto, de uma forma geral, estou a gostar de conhecer as memórias de Cleópatra. Acho que os livros valem pela história e pela personagens históricas, já de si muito interessantes.

Gostei e, até agora recomendo. :)

Boas leituras!

Exerto (pág. 132):
"Ser-se estadista significa ser-se mestre em  muitas áreas - até nas mais improváveis. Enquanto adormecia, eu sabia que tinha aprendido aquilo com César, e que ele teria orgulho de mim. Tinha orgulho de mim. Talvez António estivesse certo. Ele sabia que eu podia travar as minhas próprias batalhas."