agosto 23, 2020

[Kindle] Hanging Hill - Mo Hayder

Título original: 
Hanging Hill
Ano da edição original: 2011
Autor: Mo Hayder
Editora: Random House

"One morning in picture-perfect Bath, England, a teenage girl's body is found on the towpath of a canal: Lorne Woods - beautiful, popular, and apparently the victim of a disturbingly brutal murder. Zoe Benedict - Harley-riding police detective, independent to a fault - is convinced the department head needs to look beyond the usual domestic motives to solve the case. Meanwhile, Zoe's sister, Sally - recently divorced and in dire financial straits - has begun working as a housekeeper for a rich entrepreneur who quickly begins to seem possibly dangerous. When Zoe's investigation turns up evidence that Lorne's attempts to break into modeling had delivered her into the world of webcam girls and amateur porn, a crippling secret from Zoe's past seems determined to emerge.”

Em Hanging Hill, Mo Hayder apresenta-nos uma série de personagens disfuncionais e assustadoras, cheias de fantasmas e problemas mal resolvidos. Mesmo aquelas que nos parecem mais “normais” surpreendem pelo que conseguem fazer, sem pestanejar. 
Tendo como ponto de partida a descoberta do corpo de uma adolescente, acabamos por ter um pouco de tudo. Uma comunidade aparentemente pacífica e tranquila e um grupo de adolescentes que, como todos os adolescentes fazem coisas que os pais nem sonham e são irritantes como tudo! 
Temos duas irmãs, Zoe e Sally, cuja relação nunca foi fácil, e que agora em adultas se reencontram e redescobrem o quanto necessitam uma da outra e de como a vida de ambas teria sido diferente se não tivessem esperado tanto tempo para se entenderem.
Hanging Hill aborda o tema da pornografia, das mulheres que entram nesse mundo e da exploração a que são sujeitas. Fala de poder e de dinheiro, duas realidades indissociáveis. Fala de aparências e de vidas perfeitas que não o são, de deslumbramento e de desilusão. Fala de mal-entendidos e de pais que não são bons pais e de pais que, cometendo erros, aprendem com eles e tornam-se melhores pais. Fala de amor, de auto-estima, de aceitação e de superação. 
Pode parecer uma salganhada, mas acaba por fazer tudo sentido.

Mo Hayder é consistentemente boa. Não há um único livro que tenha lido dela que me tenha desiludido, quer em termos de enredo quer ao nível do desenvolvimento das personagens. Acho que todos os livros que li dela são diferentes uns dos outros, não existe propriamente um tema fetiche, e não detecto que aplique uma “receita” à forma como desenvolve a história. Os temas são originais, as personagens têm camadas, e nunca sabemos muito bem o que vão fazer ou que caminho vão seguir. 
Mesmo na série Jack Caffery, as investigações são sobre temas muito diversos e, pelo menos até agora, não estão diretamente ligados aos problemas pessoais dos policias, a episódios traumáticos dos seus passados ou a pessoas que lhes querem fazer mal. Acho que isso é original. 
A única coisa comum a todos os livros que já li dela (opinião dos dois últimos que li aqui e aqui) é mesmo o facto de ela ser consistentemente boa. É uma boa escritora de thrillers e acho sinceramente que se, gostam deste tipo de livros, e nunca leram Mo Hayder, devem fazê-lo o quanto antes. Não deixem de ler Tóquio e Os Pássaros da Morte. 😊
Posto isto, achei Hanging Hill bom, talvez um pouco mais previsível do que os outros e menos credível, principalmente por causa de Zoe. Zoe pareceu-me um pouco desadequada para a profissão e talvez por isso tenha achado o livro menos bem conseguido. 
Por outro lado, não posso deixar de me questionar sobre as minhas ideias pré-concebidas. Porque é que Zoe tem de ser isenta de defeitos e de dilemas morais apenas porque é polícia? Porque é que eu espero que ela coloque os outros à frente dos seus interesses pessoais? Porque é que espero que Mo Hayder crie personagens perfeitas e que façam escolhas óbvias? 😊 Talvez Hanging Hill contenha, afinal tudo aquilo de que gosto nos livros de Mo Hayder. Talvez tenha sido mais uma questão de identificação com os temas e com as personagens.
Isto não significa que não gostei do livro. Ele é de leitura quase compulsiva e queremos sempre ler “só mais um capítulo” antes de apagar a luz e dormir. Significa que, no consistentemente bom da Mo Hayder este é só bom. Não está nos meus favoritos dela e nos que recomendo para primeira leitura.

Boas leituras!

Excerto (pág. 277):
"She dreamed of the room again, the nursery with the snow falling outside. Except this time she was on the floor, feeling very small and very scared and, terrifyingly, Sally was standing above her. She was holding the broken hand over Zoe. It was wrecked, with bones sticking out at all angles, and the blood dripped out of it, rolling in fat plops on to Zoe's face. 
She pushed her legs out, scrambling away from Sally, flipping herself over and stumbling for the door. Sally followed close behind, her hand raised. 'No!' she was crying. 'Don't go - don't go!' 
But Zoe was out of the door, tumbling down the stairs, breaking into a run, pelting through the streets. It was Bristol, she realized. St Paul's. Ahead she saw a doorway, a red light coming from it, a hand beckoning her. Hurry up, someone yelled. Hurry up! This is the way through. In here! And then, suddenly, she was standing on a stage, an audience looking expectantly up at her. In the front row were her parents, her first-form teacher and the superintendent. Do something, shouted the superintendent. Do something good. The lighting man frowned from the box at her, and at the back the maintenance man leaned on his broom, grinning up at her. Get on with it, someone yelled. Do something good. Someone was pushing her from behind. When she turned she saw David Goldrab, as a young man, London Tarn."

O Nosso GG em Havana - Pedro Juan Gutiérrez

Título original: Nuestro GG en la Habana
Ano da edição original: 1984 
Autor: Pedro Juan Gutiérrez
Tradução: Magda Bigotte de Figueiredo
Editora: Publicações Dom Quixote

"O escritor britânico Graham Greene chega a Havana em Julho de 1955 e mergulha num mundo trepidante e vertiginoso, onde confluem artistas porno, travestis, agentes do FBI e do KGB, caçadores de nazis e a mafia italiana de Nova Iorque.
Baseado em factos reais, este romance recria um momento apaixonante, e até agora desconhecido, da história cubana mais recente. É, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre a arte da escrita e os avatares do ofício de escritor."

Foi muito bom regressar a Pedro Juan Gutiérrez. Acho a escrita dele muito envolvente e toda a dinâmica cubana muito divertida, embora os temas subjacentes não sejam motivo para diversão.
Em O Nosso GG em Havana, o escritor Graham Greene vê-se, involuntariamente envolvido no submundo de Havana em 1955, quando descobre, nas primeiras páginas dos jornais, que se encontra preso em Havana, em circunstâncias no mínimo embaraçosas para si. 
Em Havana, em 1955, coexistiam, com diferentes interesses, agentes do FBI, do KGB, caçadores de nazis e a mafia italiana. E todos eles parecem interessados em que Graham Greene dê uma ajuda às suas causas. 😊

É um livro pequenino, que se lê numa tarde de praia, ou no jardim. E, embora seja um livro pequenino, com tão poucas páginas, consegue ser um livro divertido, com as habituais referências sexuais, onde todo o ambiente vivido em Havana salta da páginas e sentimos o calor denso nas casas, ouvimos a música dos cafés e quase conseguimos sentir o cheiro das ruas de Havana.
Acho que Pedro Juan Gutiérrez não é um escritor que agrade a todos, mas acho que só se o lermos teremos a certeza se se entranhou ou se se estranhou. :) No meu caso entranhou-se logo no primeiro livro que li dele e nunca o estranhei.
Procurem-no nas estantes das vossas bibliotecas e dêem-lhe uma oportunidade. Acho-o uma óptima companhia.

Boas leituras!

Excerto (pág. 16):
"Os cartazes apareciam cobertos de fotografias de homens e mulheres nuas, exibindo a sua beleza. As arcadas tinham lâmpadas coloridas. GG atravessou para o passeio em frente para observar o ambiente antes de entrar na sala. Havia putas baratas e sujas, vendedores de bagatelas, barracas de fritos, gente, ruído, música, luzes coloridas. Centenas de chineses, contaminados pelos cubanos haviam perdido a sua tradicional compostura, lenta, silenciosa e comedida. Gritavam, vociferavam, apreciavam a mercadoria, moviam-se rápida e incessantemente. Havia um cheiro enjoativo a fruta podre e a fritos de tasca ordinária. Duas putas aproximaram-se dele sorrindo. Suadas e sujas, cheiravam mal. Uma tinha os dentes estragados pelas cáries. Mal olhou para elas e rapidamente se escapuliu. Atravessou de novo a Rua Zanja. Comprou bilhete. Cobraram-lhe um dólar e cinquenta, mais do que o preço real, e entrou na sala."

O Paraíso Segundo Lars D. - João Tordo

Título: O Paraíso Segundo Lars D.
Ano da edição original: 2015
Autor: João Tordo
Editora: Companhia das Letras

"Numa manhã de Inverno, Lars sai de casa, enxotado por uma dolorosa insónia, e encontra uma desconhecida a dormir no seu carro. Ele é um escritor sexagenário há muitos anos sem vontade de escrever; a rapariga chama-se Glória e vive os dias conturbados da juventude. Poucas horas mais tarde, Lars parte em viagem com a jovem, deixando para trás um casamento de uma vida inteira e um romance inédito: O luto de Elias Gro.
A mulher de Lars é quem assume as rédeas da narrativa, tal como tentara fazer com a vida do marido, cavaleiro solitário. Refém das memórias, por vezes cómicas, por vezes dolorosas, dos anos vividos com o escritor, a narradora reconstrói uma cartografia emocional do seu casamento, que é afinal um mapa de solidão e de afectos. Com a vida paralisada pela ausência de Lars, o seu caminho cruza-se com o de Xavier, um jovem estudante de Teologia. Juntos, investigação o paradeiro de Lars e, pelo caminho, explorarão uma certa ideia do Paraíso."

O Paraíso Segundo Lars D. é um livro intimista e essencialmente triste. Há algo de intrinsecamente triste em toda a história de Lars D., contada pela sua mulher quando Lars, um dia sai de casa e nunca mais regressa. Há muita solidão nesta narrativa que acaba por se tornar numa viagem quase desapegada pelo casamento dos dois.
Lars D., um escritor genial, uma personagem respeitada, cujo processo de criação surge como sendo muito difícil, muitas vezes doloroso, que o afasta de todos, que o obriga a viver apenas consigo e com os seus traumas e problemas interiores. 
A mulher de Lars D., aparece-nos como a pessoa por detrás do génio, que afasta todas as interferências no processo criativo, que o ajuda a levantar-se quando cai, que o alimenta e mantém fisicamente saudável. A mulher que vive todo o seu casamento, a cuidar de um homem que, na maior parte das vezes não parece aperceber-se que ela está lá. A mulher que abdica de tudo para que ele possa continuar a escrever e ela tenha o privilégio de estar ao lado dele. A mulher que casou com ele e não esperava mais do que isso, apenas estar presente quando ele precisasse, antecipar as suas necessidades e dar-lhe condições para criar a sua próxima grande obra. A mulher que, quando ele desaparece, se apercebe que os anos do seu casamento foram os anos mais solitários da sua vida. Com Lars D. fora da sua vida, terá de reaprender a viver para si, apenas para si, e a aceitar que nunca é tarde para se ser feliz.

Agrada-me muito esta fase mais intimista de João Tordo, a escrita mais madura e o que consegue transmitir-nos enquanto leitores. Tinha gostado muito do Luto de Elias Gro (opinião aqui)e, acho que gostei ainda mais deste O Paraíso Segundo Lars D.. Mais simples na narrativa, mas muito eficaz nas emoções que transmite.

Gostei muito e recomendo sem qualquer hesitação.

Boas leituras!

Excerto (pág. 74):
"Xavier trouxe tudo para a mesa e começamos a comer. A refeição era um dos rituais que eu e Lars nunca descurávamos. Ao longo de várias décadas, a maneira de comer do meu marido levou-me ao desespero e ao amor mais profundo. Quando ainda era jovem, ele comida apressadamente e, depois de terminar, ficava a observar-me enquanto eu comia, muito mais devagar. Os anos passaram e, no período de trabalho mais fértil, ele chegava às refeições como quem chega a uma corrida de estafetas e comia ainda mais depressa, mastigando tudo ao mesmo tempo (brócolos, bife, vinho, pudim). Depois dizia:
    Sabe tudo a coentros.
    Até o pudim?, perguntava eu. 
    Sobretudo o pudim. 
    E desaparecia para o escritório. 
No entanto, nem depois de ter deixado de escrever, quando se dedicava ao ascetismo e comia pouquíssimo, Lars faltava às refeições. Nunca: as refeições eram nossas e ele participava sempre delas, como um cavalo que tem de ir ao bebedouro para não perecer."