março 22, 2015

As Regras de Moscovo - Daniel Silva

Título original: Moscow Rules
Ano da edição original: 2008
Autor: Daniel Silva
Tradução do inglês: Vasco Teles de Menezes
Editora: Bertrand Editora (Colecção 11x7)

"A morte de um jornalista leva Allon à Rússia, onde descobre que, no que diz respeito à arte da espionagem, até ele tem alguma coisa a aprender. Agora, está a jogar segundo as regras de Moscovo. E na cidade existe uma nova geração de estalinistas que conspiram para reivindicar um império perdido e desafiar o domínio global de um velho inimigo: os Estados Unidos da América. Um desses homens é Ivan Kharkov, um antigo coronel do KGB que construiu um império de investimento global sobre os escombros da União Soviética. No entanto, escondido no interior desse império, existe um negócio lucrativo e mortífero. Kharkov é um negociante de armas, e está prestes a entregar as mais sofisticadas da Rússia à Al-Qaeda. A não ser que Allon consiga descobrir a hora e o local da entrega, o mundo irá assistir aos ataques terroristas mais mortais desde o 11 de Setembro - e o tempo voa.
Cheio de prosa rica e de reviravoltas na trama de cortar a respiração, o livro As Regras de Moscovo é simultaneamente um entretenimento superior, uma cáustica história exemplar sobre as novas ameaças que estão a aparecer no Leste - e o melhor romance de Silva até ao momento"

Sempre tive curiosidade para ler um dos muitos livros que Daniel Silva tem publicado ao longo dos anos. Não só porque é um dos muitos luso descendentes, bem sucedidos além fronteiras, mas também porque sempre li boas críticas aos seus livros.

As Regras de Moscovo é um livro sobre terrorismo, sobre relações internacionais, especialmente as que se mantêm com a Rússia, e sobre a venda ilegal de armas. Allon pertence aos Serviços Secretos israelitas, sendo um dos seus mais conceituados espiões. Recentemente casado e a gozar a lua-de-mel em Itália, Allon concorda fazer um pausa para se encontrar com um jornalista russo que diz ter informações importantes sobre uma possível catástrofe a nível mundial que estará a ser planeada e insiste que só fala com Allon. Um pequena pausa na lua-de-mel torna-se numa interrupção sem data para voltar quando o mesmo jornalista russo é assassinado antes de conseguir contar a Allon o que quer que seja.
A partir daqui começa uma corrida contra o tempo. Allon parte para a Rússia para falar com uma outra jornalista russa, colega do que acabou por morrer nos braços de Allon em Itália, para tentar descobrir o que se passa. Lá, descobre que um conceituado empresário russo, cuja fortuna nada tem a ver com  actividades legais e sim com o negócio ilícito de venda de armamento aos países de terceiro mundo e, ao que parece, numa das suas últimas negociatas, terá vendido misseis a uma célula da Al-Qaeda.
É a partir desta premissa que toda a acção se desenrola. Com violência, muita coragem e muita sorte à mistura, Allon vai fazer tudo para que, obviamente as armas nunca sejam utilizadas, mas também para que nenhuma das pessoas envolvidas se morra durante a operação complicada.

Embora não seja o tipo de livro que me costuma encher as medidas, enquanto leitora, porque gosto de policiais, de thrillers e afins que fujam um bocado ao "normal". Que não sejam tão tradicionais, no entanto não dei o meu tempo por perdido. Gostei dos cenários por onde se movem as personagens e das próprias personagens. Embora tenha gostado da história, não sei se gostei muito da forma com a acção se desenrola, porque parece que não se aprofunda muito e, confesso que a visão americana sobre toda a problemática mundial me fez alguma "comichão". 
 
Recomendo, porque embora não seja o meu tipo de livro, sei reconhecer que dentro do género é bom. Para mim, vale sobretudo pelo facto de se passar na Rússia e por levantar a questão da falta de democracia que se vive no país.

Boas leituras!


Excerto (pág. 151/152):

"Os portões de ferro de Lubyanka abriram-se lentamente para o receber. (...) A escadaria encontrava-se localizada a poucos passos do átrio de entrada. Quando se preparava para descer o primeiro degrau, Gabriel levou um forte empurrão no meio das omoplatas, e só parou no patamar seguinte. Um golpe no rim, parecido com uma facada, cegou-o de dor, que se espalhou pelo corpo inteiro. Um pontapé bem medido no abdómen deixou-o sem fala e sem respiração.
Puseram-no em pé outra vez e atiraram-no pelo lanço seguinte abaixo, como um cadáver de guerra. Dessa vez, a própria queda provocou estragos suficientes para que não tivessem de se empenhar ainda mais com pontapés ou murros desnecessários. Depois de o voltarem a levantar, arrastaram-no para um corredor escuro. Para Gabriel, isso pareceu levar uma eternidade. Para os gulags da Sibéria, pensou. Para os campos da morte nos arredores de Moscovo, onde Estaline sentenciava as suas vítimas a sete gramas de chumbo, a sua punição preferida para a deslealdade, real ou imaginária."

março 14, 2015

Sangue Asteca (vol. 2) - Gary Jennings

Título original: Aztec
Ano da edição original: 1980
Autor: Gary Jennings
Tradução do inglês: Carlos Romão
Editora: Saída de Emergência

"Este é considerado pela crítica como o melhor romance sobre a desaparecida civilização Asteca e um dos melhores romances históricos do século XX. Gary Jennings mudou-se para o México e durante 12 anos investigou e viveu apenas para a sua criação: Asteca, deixando-nos uma obra inesquecível. Gary era famoso por ser um dos escritores mais rigorosos e com mais trabalho de pesquisa por trás dos seus romances.
Em 1530, depois de quase extinguir o povo asteca pelas mãos de Hernán Cosrtés, o Imperador Carlos, Rei de Espanha, pede ao bispo do México que lhe faculte inofrmação acerca da vida e dos costumes desse povo. O bispo Juan de Zumárraga decide redigir um documento baseado no testemunho de um ancião, um homem humilde que vai chocar a moral e os preconceitos do mundo civilizado. O seu nome é Mixtli - Nuvem Obscura.
Mixtli, um dos mais robustos e memoráveis astecas, relata com detalhe toda uma vida: a sua infância, a mentalidade e os costumes do seu povo, o sexo, a religião, a sua formação e os seus amores, sempre tormentosos e trágicos. Esta é a sua empolgante e maravilhosa história, que representa também o choque entre civilizações com formas inconciliáveis de ver o mundo."

E passados 3 anos (opinião sobre o Orgulho Asteca aqui) volto à obra-prima de Gary Jennings e conheço finalmente toda a história de Mixtli, o ancião que conta, a pedido do próprio Rei D. Carlos, a religiosos espanhóis a história da civilização Asteca, as origens, os costumes e a forma como foram conquistados pela frota de Hernán Cortés.
Neste segundo volume, Mixtli, agora um homem casado e feliz, com Zyanya, a única mulher que alguma vez amou, continua o relato das suas aventuras pelo Mundo Único e mais além. Conhecidas as suas extraordinárias habilidades linguísticas e diplomáticas, é enviado em missão, pelo Uey-Tlatoáni - o Venerado Orador, aos mais variados sítios. Neste segundo volume a vida de Mixtli, à semelhança de todo o seu povo, é feita essencialmente de perdas e de cedências. Tudo aquilo que foi conquistando, a mulher, a filha, uma família, as viagens que lhe permitiram conhecer outros povos, maneiras diferentes de pensar, tudo isso acaba por desaparecer. De forma trágica, perde a mulher, mais tarde a filha e por fim toda uma civilização desaparece perante os seus olhos. No fim, resta Mixtli para testemunhar e contar, para que não sejam esquecidos.

Sangue Asteca é, como também o é o primeiro volume, um impressionante documento histórico, com personagens tão próximas e ricas que a leitura é tudo menos maçuda. Embora seja um volume mais triste, com momentos verdadeiramente trágicos, está também cheio de momentos divertidos, onde o melhor da personalidade de Mixtli sobressai. E por isso, levarei algum tempo a esquecer a morte da filha de Mixtli, mas não será só isso que levo deste livro. Levo comigo o primeiro contacto de Mixtli com os espanhóis, hilariante. Levo ainda a viagem nunca feita até Aztlan, a terra de onde os Astecas que conhecemos terão partido para fundar o Mundo Único. Ficará, sobretudo, a sensação de se ter exterminado, em nome de Deus e da ganância, uma civilização com a qual nada se quis aprender, e não estou a falar, obviamente, dos rituais onde eram sacrificadas vidas humanas.
Fiquei com a sensação incómoda de que nós, a maioria, temos sobre a nossa vida e sobre o nosso futuro tão pouco a dizer, porque somos, a maioria, governados por uma minoria, que se tem mostrado desde sempre incapaz de ver para além de si, incapaz de pensar e planear para além da sua legislatura.

Aztec, no original, de Gary Jennings é um livro a não perder, pela história, pela escrita, pelas personagens e sobretudo pelo que podemos aprender com ele.

Gostei muito e recomendo, como é óbvio!

Boas leituras!

Excerto (pág. 289):

"-«E como lhe prestam homenagem? - perguntei, olhando ao redor da sala, que, obviamente, estava vazia, com excepção de um forte cheiro a peixe -. Não vejo sinais de sacrifício.»
 - «Queres dizer que não vês sangue - disse o velho - . Os teus antepassados também procuravam sangue e por isso saíram daqui. Coyolxaúqui nunca exigiu sacrifícios humanos. (...)
Num tempo muito distante, nós, os Azteca, não estávamos confinados apenas a esta simples cidade. Esta era a capital de um domínio considerável, que se estendia desde a costa às montanhas. Os Azteca estavam constituídos em muitas tribos, divididas em numerosos clãs, capúltin, todos sob o governo de um só Tlatocapíli, que não era - como o meu neto por casamento - um chefe apenas de nome. Eram gente forte, mas pacífica, contente com o que tinha e sentia-se satisfeita com os cuidados que a deusa lhes proporcionava.»
 - «Até que alguns se mostraram mais ambiciosos» - sugeri.
 - «Até que alguns mostraram debilidade! - emendou o ancião, com voz cortante -. As histórias narram como, um dia alguns deles, que andavam a caçar nas altas montanhas, se encontraram com um forasteiro vindo de terras distantes. Este riu-se, zombeteiro, ao saber da vida simples que levavam e daquela religião que nada exigia. O forasteiro disse: "De toda uma infinidade de deuses que há, porque escolheram a mais fraca, a deusa que mereceu ser humilhada e degolada? Porque não venerais aquele que se apoderou dela, o forte, o bravo, o viril deus Huitzilopóchtli?» (...) 
Eu estava tão horrorizado pelo que ouvia que apenas pude exclamar:
 - «Uma mulher?! Então foi uma mulher sem nome e sem importância que concebeu a ideia do sacrifício humano? A cerimónia que agora se pratica em todo o lado?»
 - «Não é praticada aqui - recordou-me Canaútli -. E a nossa suposição pode não ser correcta. Afinal, isto aconteceu há muito tempo, mas tem todas as características de uma ideia feminina de vingança, não +e verdade? E pelos vistos deu resultado, pois, como referiste, no mundo exterior, o homem contiunou a matar o próximo, em nome de um deus ou de outro, durante todos estes feixes de anos que decorreram a partir daí.»
Eu não disse nada. Nem conseguia pensar no que dizer.
 - «Assim, como podes ver - continuou o ancião -, os Azteca que se foram embora de Aztlan não eram os melhores nem os de mais valor. Eram os piores e os mais desprezíveis, e foram-se embora porque os expulsaram daqui à força.»"