janeiro 29, 2010

Novas Aquisições

Estes livrinhos são as minhas últimas aquisições para aumentar a já muito instável, até perigosa, pilha de livros que aguardam uma arrumação mais digna.

- A Peste (Albert Camus): Tenho ouvido, talvez o termo certo seja lido, coisas muito boas sobre este autor e a curiosidade levou-me a aproveitar estas edições mais baratinhas para experimentar o autor.

- O Cego de Sevilha (Robert Wilson): Livro escolhido para aproveitar a promoção de Natal da Wook. Queria muito o Crónica do Pássaro de Corda do Haruki Murakami, mas ao que parece está esgotadíssimo e sem previsão de quando voltará a ser posto em circulação. :(
Estava com curiosidade para ler qualquer coisa deste autor, pelo que me parece uma boa escolha.

- Carne de Cão (Pedro Juan Gutiérrez): A única coisa que li deste autor foi o Trilogia Suja de Havana. É um livro de histórias que se vão interligando entre si, sobre os cubanos e a vida, nada fácil, em Havana. Gostei bastante e, por isso, já há algum tempo que andava para ler mais qualquer coisa dele.

- Revolutionary Road (Richard Yates): Gostei muito do filme, com o Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. Aproveitando a colecção da Revista Sábado, comprei-o porque quando acabei de ver o filme fiquei interessada em ler o livro.

- A Minha Mulher (Anton Tchekov) e A Voz Subterrânea (Fiódor Dostoiévski): Ontem estava com uma inclinação para os clássicos, ou melhor, para me iniciar nos clássicos, uma vez que, nunca li nada destes dois senhores. :)

Estou mesmo a precisar da nova estante que vem a caminho... :p

janeiro 26, 2010

O Jogo de Gerald - Stephen King

"Nesse dia quente de Outubro, na sua isolada casa de férias no Maine, Gerald Burlingame jogou pela última vez. A mulher, Jessie, ao ouvir o estalido do segundo par de algemas que lhe prendia os pulsos à cabeceira da cama, pressente que o marido se preparava para ultrapassar as regras do jogo. Zangada e humilhada, defende-se com um pontapé nos testículos, que acaba por ser fatal. Gerald morre, por efeito de uma crise cardíaca. Em luta contra o pânico, Jessie fica presa, no quarto da casa à beira do lago, a milhas de distância da povoação mais próxima. Não estará, porém só, ao longo das vinte oito horas da que é, por certo, a mais intensa situação de suspense da história da literatura. Nesse período infindável, Jessie Burlingame, enfrentará todos os fantasmas que sempre a apavoraram. As sombras reais e irreais que se acumulavam na obscuridade do quarto, a porta das traseiras, aberta, que bate a um ritmo enervante. Vozes que efectivamente ouve, murmuram ou gritam, sarcásticas: No escuro, as mulherzinhas sózinhas são como as portas abertas... E se gritam por socorro, quem sabe o que de terrível lhes pode acontecer?! Stephen King sabe. E demonstra-o em O Jogo de Gerald, onde penetra até ao fundo das mais recônditas camadas do medo e da coragem de uma mulher. O maior dos mestres do terror porá violentamente à prova os nervos de Jessie. E também dos seus, leitor..."

Tudo começa com mais um dos jogos sexuais de Gerald, dos quais Jessie está um pouco farta. Ela apenas queria sexo normal e uma tarde passada no alpendre a ver o pôr-do-sol, na casa de ambos, no Maine, junto ao lago. Mas Gerald tem outras intenções e leva o jogo longe demais. Jessie, com ambas as mãos algemadas à cama, não consegue dissuadir o marido, um advogado de sucesso de Portland, pouco habituado a ser contrariado de que desta vez não quer jogar... Numa tentativa de se defender do marido, mata-o, colocando-se numa posição que não augura nada de bom - algemada a uma cama, numa casa isolada, rodeada de barulhos que a deixam petrificada e sem que ninguém saiba onde está. Para piorar a situação de Jessie, esta sofre de uma espécie de esquizofrenia e ouve vozes, desde a infância, depois de um acontecimento traumático. Uma das vozes representa a Jessie ponderada, temerosa e obediente. Stephen King chama-lhe a voz da Dona de Casa. A outra voz é provocante, conflituosa, inconveniente, a voz de uma Jessie mais corajosa e menos insegura. Estas vozes são a sua única companhia (será?) durante o cativeiro e quase dão com ela em louca. Enquanto está algemada à cama, sem poder libertar-se, ela sente que não está sózinha e fica apavorada por saber que não será salva por quem quer que esteja nas redondezas. Estará Jessie completamente abandonada? Estará alguém ou algo perto de Jessie, para além do marido morto aos seus pés? Os barulhos que ouve serão reais? Será Jessie salva? Que preço terá de pagar pela liberdade? Pagará esse preço?

O livro é tão somente isto: medo, medo e mais medo. É angustiante ler as fases pelas quais Jessie vai passando: a esperança seguida de um medo, racional ou irracional, as alucinações, as dores, o desespero, bem como todos os traumas passados que Jessie julgava esquecidos e que vai ser "obrigada" a recordar.

O livro é muito bom eu, pelo menos, gostei imenso. Na minha óptica, os livros do Stephen King podem ser divididos em dois tipos: os de terror psicológico, que mexem com a nossa psique e com as nossas fobias, onde ele poderá recorrer a alguns elementos fantásticos mas que são, essencialmente, sobre medos e fobias e depois, tem aqueles livros onde ele recorre a fantasmas ou criaturas alienígenas maléficas para nos provocar o medo. O Jogo de Gerald é do primeiro tipo, puro terror psicológico. É neste género de livros que acho que o Stephen King se destaca, embora também goste muito de fantasmas e criaturas com apetência para perseguir escritores a passar por crises de criatividade. :p Sinto que, em livros como este ou como o Misery e o Cell - Chamada Para a Morte, por exemplo, o autor consegue controlar melhor as histórias, não caindo no erro de outros livros, em que chegamos ao fim com a sensação de que alguma coisa não correu bem... :)

Recomendado, bem como quase todos os outros livros do autor. Porque, embora ele tenha alguns "fetiches literários" como, as personagens serem quase sempre escritores e a acção passar-se muitas vezes no Maine, as histórias são regra geral muito boas e entretêm... muito! :)

P.S. Tenho pena que os livros dele tenham ficado tão mais caros agora que decidiram publicá-los numas edições todas giras... e caras! :p

janeiro 18, 2010

Germinal - Émile Zola


"A obra-prima de Émile Zola. A vida de um operário parisiense despedido pelas suas ideias políticas e que só encontra trabalho nas minas de Montsou. A história de um idílio trágico. A cena atroz da mina invadida pelas águas. O assassinato de um rival. As lutas e os dramas que surgem nas galerias subterrâneas, por onde se cruzam homens e mulheres. Um romance que é uma epopeia."

O Germinal faz parte da série Os Rougon-Macquart que Émile Zola escreveu, embora o livro se possa ler sem que se tenham lido os anteriores. O livro é extraordinário, uma daquelas leituras obrigatórias. Segundo a Wikipédia, Zola passou dois meses a trabalhar numa mina de carvão, para escrever o Germinal falando, por isso, com algum conhecimento de causa. É mais que um romance, é um retrato da vida naquela época.

A história do livro decorre durante o 2º Império Francês, numa altura em que França se encontrava com grandes dificuldades económicas, com muitas fábricas a fecharem e, consequentemente, onde as condições sociais eram cada vez mais degradantes. A história gira à volta de uma mina de carvão, a Voreux em Montsou. Nela conhecemos Estevão Lantier, um homem novo, que antes de chegar a Montsou, depois de ter sido despedido em Paris, não comia há oito dias e só sonhava com uma côdea de pão. Arranja um emprego na Voreux e fica a viver com a família Maheu. É na família Maheu e em Estevão que Zola centra toda a história e, é através deles que nos dá a conhecer o trabalho miserável na mina, das condições pouco humanas em que vivem, da promiscuidade e do conformismo.
Quando Estevão chega à mina, nunca tendo trabalhando numa, sente na pele as condições desumanas do trabalho e as dificuldades que todas aquelas pessoas sentem para sustentar as numerosas famílias. Estevão, mais letrado que qualquer pessoa naquela mina, com ideais socialistas, começa a incutir nos trabalhadores algumas das suas ideias, fazendo-os acreditar que têm direito a uma vida melhor, onde a carne não seja uma miragem e o pão nunca falte, incentivando os trabalhadores da região a uma greve por melhores condições salariais e melhores condições de trabalho.
É através da família Maheu que nos vamos apercebendo das transformações que Estevão traz para o Montsou. No início olham-no com desconfiança, mas a esperança que ele lhes promete é demasiado tentadora, impossível de recusar. Gente que não se permitia sonhar, para que não sentissem ainda mais a miséria em que viviam, é incentivada a lutar pelos seus sonhos, que neste caso pouco mais eram que ter uma casa em condições e a certeza de que haveria comida na mesa todos os dias. Renovada a capacidade de sonhar, nada nem ninguém os poderá impedir de tentar alcançar os sonhos. Mas, a que custo?

O livro está muitíssimo bem escrito, com descrições muito realistas e sufocantes do trabalho na mina, da descida diária de todos aquele homens e mulheres para debaixo da terra, dos cheiros e do calor insuportável. Li o livro com um aperto constante no coração porque ninguém deveria trabalhar naquelas condições e trazer tão pouco para casa... Casa, onde no meio de toda a pobreza se tenta viver com alguma dignidade, com honestidade, criando os filhos com as armas que se têm. Senti raiva porque seres humanos não deveriam tratar assim outros seres humanos e, por saber que hoje em dia existem milhões de pessoas a viverem em condições semelhantes. Senti tristeza por saber que nunca deixará de haver gente miserável no mundo, gente que mais não faz que sobreviver.

Não me canso de repetir, é um livro extraordinário e muito bem conseguido. Poucos são os livros que me deixaram um marca tão vívida na mente. Émile Zola é um mestre em nos fazer sentir tudo aquilo que escreve; sentimos a tristeza, a frustação, as dores, a injustiça, a fome e as alegrias (poucas), que nem só de desgraças vive o livro. :)

Recomendadíssimo!

janeiro 17, 2010

The Road - O Filme

Abro aqui uma excepção ao tema dos livros, sem no entanto me afastar dele, para vos recomendar o filme que fui ver este fim-de-semana, A Estrada (The Road) do John Hillcoat, baseado no romance, com o mesmo nome do Cormac McCarthy (autor de Este País Não é Para Velhos).
Ouvi falar, há pouco tempo, deste livro do Cormac McCarthy e fiquei com muita curiosidade para o ler, sem saber que a história tinha sido adaptada e que estava a passar no cinema. As poucas críticas que li sobre o filme, antes de o ir ver, eram muito negativas, pelo que fui sem quaisquer expectativas e, adorei o filme. Muito, muito bonito, embora seja brutalmente violento, não só visualmente como psicologicamente. Como não li o livro, não posso avaliar se é ou não uma boa adaptação mas, como filme é muito bom. Tem o fantástico Viggo Mortensen, que tem aqui um papel impressionante, com uma transformação física também ela impressionante.
É um filme emocionante, que confesso me fez deixar cair uma lágrimazitas. É crú, rude, assustador e perturbador. Mostra-nos o instinto de sobrevivência dos seres humanos e do que somos capazes de fazer para nos mantermos vivos. Mostra-nos o lado bom e mau da humanidade, sendo o lado bom representado pelo Pai e Filho (sem nomes no filme e no romance, pelo que sei), onde a criança representa a esperança na renovação. Um dos melhores filmes que já vi...
Não posso deixar de expressar o meu desacordo com algumas das críticas negativas ao filme, de que é aborrecido e que era bom para preencher as tardes de domingo da TVI. Não tem nada a ver, garanto-vos de que não estamos sequer a falar do mesmo campeonato! :) Não é de forma alguma gratuitamente lamechas, é apenas duro!
Só tenho pena de não ter lido o livro antes, porque sei que agora quando o ler, já estarei influenciada pelo filme e, nestas questões prefiro sempre que sejam os livros a influenciar os filmes... :)

Deixo-vos aqui a sinopse do IMDB:
A father and his son walk alone through burned America. Nothing moves in the ravaged landscape save the ash on the wind and water. It is cold enough to crack stones, and, when the snow falls it is gray. The sky is dark. Their destination is the warmer south, although they don't know what, if anything, awaits them there. They have nothing: just a pistol to defend themselves against the lawless cannibalistic bands that stalk the road, the clothes they are wearing, a rusting shopping cart of scavenged food--and each other.

janeiro 12, 2010

Medo - Jeff Abbott

"Miles Kendrick está no Programa de Protecção de Testemunhas para se esconder da Máfia. Mas nenhum programa o protege de ser atormentado pela morte do amigo. Com a ajuda da psiquiatra Allison Vance, Miles tenta agarrar-se ao que lhe resta da sua lucidez para recordar os acontecimentos daquela noite trágica.
Depois de um ataque bombista ao seu escritório, Allison morre e Miles vê-se apanhado numa conspiração mortal que se repercute muito para além dos seus piores pesadelos. Perseguido por um ex-detective do FBI, mas apoiado por um ex-soldado e uma mulher reclusa na sua própria casa, Miles tem pela frente uma batalha para recuperar a sua vida - ou simplesmente se manter vivo."

Andava há algum tempo com este livro, assim como o Pânico, debaixo de olho. Acho que o que me chamou à atenção foram as capas e depois, todas as frases bombásticas que acompanham a capa: "Um thriller arrepiante com um ritmo acelerado, Medo não o vai largar até a última bala ser disparada." ou "Muito intenso...Serão poucas as pessoas que conseguirão começar a ler este livro e parar de virar as páginas." Com estes teasers, é normal que as minhas expectativas estivessem relativamente altas. Claro que acabei por achar que o livro não foi bem aquilo que estava à espera, foi até bem menos do que o esperado...

O livro é basicamente o que diz a sinopse. Miles Kendrick está no Programa de Protecção de Testemunhas, por ter denunciado algumas famílias da Máfia. No decorrer dessa operação Andy, o seu melhor amigo, é morto, alegadamente por Miles. Alegadamente, porque Miles não se lembra do que aconteceu. Tem apenas uma certeza, a de que matou o melhor amigo, sendo atormentado pelo fantasma de Andy, que o acompanha para onde quer que vá. A sofrer de stress pós-traumático, anda a ser consultado por Allison Vance, uma psiquiatra. Quando esta é morta numa explosão, Miles inicia uma busca desesperada para apurar a verdade, pois não deixa de se sentir responsável pela morte da psiquiatra uma vez que esta, antes de morrer, lhe pedira ajuda. De repente vê-se envolvido numa conspiração gigantesca gerada pelo desenvolvimento de um medicamento milagroso, o Frost, no tratamento do stress pós-traumático, que todos querem, pelas mais variadas razões. A ser provada a eficácia do Frost, pensem na quantidade de pessoas que iriam beneficiar com este simples comprimido, especialmente soldados que regressam da guerra completamente desfeitos. Imaginem que era possível fazer com que as memórias traumáticas não fossem assim tão traumáticas, que os pesadelos acabariam e que poderiam ter uma vida normal. Imaginem agora os lucros que um medicamento como o Frost seria capaz de gerar... É fácil de perceber o porquê de todos andarem atrás dele!

É um livro que se lê relativamente bem, mas não acho que esteja particularmente bem escrito. Não gostei da maneira como o autor vai desenrolando a história, com demasiadas reviravoltas e contratempos que me fizeram revirar os olhos de impaciência. Ele estica demasiado a história. Acho sinceramente que o livro poderia ter metade das páginas que tem e, aí sim o ritmo poderia ser acelerado, como dizem na capa. Como está, torna-se fastidioso, não senti problemas em parar de ler e não senti urgência em voltar à leitura. Acho também que o autor se perdeu um pouco na própria história, envolveu tantas personagens, quase todas com intenções dúbias, para que ficássemos na expectativa até à última página, que acabou por tornar o enredo um pouco confuso e pouco claro. Eu pelo menos não achei uma leitura muito envolvente.

Em jeito de conclusão, se tiverem oportunidade de o lerem, não será um completo desperdício de tempo, porque não é um mau livro mas, falta-lhe qualquer coisa. Da minha parte serviu-me para deixar de olhar para ele nas livrarias e, provavelmente não lerei o Pânico, também do Jeff Abbott, a não ser que me venha parar às mãos por alguma razão. :)

janeiro 03, 2010

Caim - José Saramago


"Pela fé, Abel ofereceu a deus um sacrifício melhor do que o de Caim. Por causa da sua fé, deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala." (Hebreus, II,4)

"A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele."

O que dizer do mais recente e polémico livro de Saramago? Dizer que é Saramago, bastaria para quem já leu e conhece o autor, bem como as suas opiniões sobre Deus e as religiões. Para quem nunca leu nada de Saramago tenho de dizer que ele é o maior contador de histórias que o nosso país já conheceu, cuja imaginação não conhece limites. Quando leio os livros dele tenho sempre a sensação de que estou sentada no chão, perto da lareira a ouvir o avô, dos contos infantis, a contar uma história. Independentemente das histórias terem muito pouco de infantis, essa sensação está sempre presente.

No caso de Caim, o escritor presenteia-nos com uma história, baseada em alguns dos episódios narrados na bíblia, livro que foi durante séculos cartilha para muita boa (e má) gente.
O livro começa com a expulsão de Adão e Eva do Paraíso por terem "comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal". Fora do Paraíso, depois de abandonados por Deus à sua sorte, têm três filhos, Caim, Abel e Set. Caim decide ser lavrador, enquanto Abel se torna num pastor de ovelhas. Quando, por tradição religiosa têm de oferecer as "prímicias do seu trabalho" ao Senhor, Abel queima um cordeiro do seu rebanho, enquanto Caim queima produtos da terra - algumas espigas e sementes. Deus aceita de bom grado a oferenda de Abel, mas rejeita a de Caim. Caim, revoltado, assassina o irmão Abel porque, como diz na discussão que tem com Deus momentos depois, "(...) não podia matar-te a ti". Deus castiga Caim, não sem antes assumir alguma da culpa no fraticidio, marcando-o e condenando-o a vaguear pelo mundo.

No resto da história, Saramago vai-nos contando alguns dos episódios mais violentos da bíblia, presenciados por Caim e, narrados sempre do ponto de vista de Caim, como se este fosse a consciência moral que Deus aparentemente não tem. O episódio de Abraão e do sacrifício do seu filho Isaac; da destruição de Sodoma e Gomorra, cidades onde a depravação reinava e, onde nem as crianças foram poupadas ao castigo divino; da construção da Torre de Babel pelos homens, numa altura em que todos falavam a mesma língua. O Senhor "disse que depois de nos termos posto a fazer a torre ninguém mais nos poderia impedir de fazer o que quiséssemos, por isso confundiu-nos as línguas e a partir daí, como vês, deixámos de entender-nos." Incapazes de se entenderem, os Homens espalharam-se pelo mundo e a Torre foi destruída pelo Senhor. No livro, Caim assiste a mais uns quantos caprichos do Senhor sendo que o último é o do grande dilúvio.

Neste livro, à semelhança de outros, Saramago não tem meias medidas, chama Deus de filho da **** e a páginas tanta diz: " (...) Lúcifer sabia bem o que fazia quando se rebelou contra deus, há quem diga que o fez por inveja e não é certo, o que ele conhecia era a maligna natureza do sujeito."
Saramago não escreve para ferir susceptibilidades, limita-se a escrever aquilo que pensa e com todo o direito o faz. Não tem medo de ser duro e, embora a polémica fosse de esperar, não acredito que o tenha escrito com esse propósito. Não acho que precise desse tipo de publicidade.
Nota-se nele alguma frustação por nem todos pensarem como ele, a crítica a Deus é aqui muito forte, sem contemplações, com alguma impaciência até. Muito mais rispído do que no O Evagelho Segundo Jesus Cristo. Mas senti o livro mais como o desabafo de um homem que já cá anda há muitos anos, que viveu e viu muita coisa e que se sente, de certa forma, impotente por não poder terminar com todas atrocidades que continuam a ser cometidas em nome de Deus e da religião.
Para os crentes este deve ser um livro difícil de ler por ferir crenças, mas também porque racionalmente ninguém pode discordar de algumas das afirmações que são feitas no livro.

Eu gostei muito do livro, não acho que seja dos melhores dele, se calhar por lhe faltar espaço para dar largas à imaginação, uma vez que a história da bíblia não saiu da sua cabeça, mas é na mesma um livro à Saramago.
Saramago é sempre recomendado, mas se o tema da religião vos é sensível, provavelmente irá ser um livro desagradável, por evidenciar o que de pior existe nas religiões. Mas será sempre uma leitura interessante de se fazer!