fevereiro 26, 2010

A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón

"Numa manhã de 1945, um rapaz é conduzido pelo pai a um lugar misterioso oculto no coração da cidade velha: o Cemitério dos Livros Esquecidos. Aí, Daniel Sempere encontra um livro maldito, que muda o rumo da sua vida e o arrasta para um labirinto de intrigas e segredos enterrados na alma obscura da cidade. Juntando as técnicas do relato de intriga e suspense, o romance histórico e a comédia de costumes, A Sombra do Vento é sobretudo uma trágica história de amor, cujo eco se projecta através do tempo. Com uma grande força narrativa, o autor entrelaça tramas e enigmas ao modo de bonecas russas num inesquecível relato sobre os segredos do coração e o feitiço dos livros, numa intriga que se mantém até à última página."

Este livro foi um achado! Comprei-o na Rua Anchieta, ao lado da Bertrand do Chiado, por 5€. Costumam estar lá, pelo menos aos sábados, umas quantas bancas com livros, mais ou menos usados e quando dei de caras com o livro tão baratinho confesso que desconfiei que lhe faltassem páginas ou algo do género. :) Até onde fui capaz de perceber, tenho-o inteiro, com todas as páginas e em excelente estado! Bom para mim! :)

A Sombra do Vento é o nome do último livro que Julián Caráx escreveu e, A Sombra do Vento de Carlos Ruiz Zafón conta a história de Julián Caráx.
Daniel Sempere, um rapaz de quase 11 anos, é levado pelo pai ao Cemitério dos Livros Esquecidos, numa noite em que acorda aflito por não conseguir recordar do rosto da mãe que morrera anos antes. Nessa biblioteca fantástica onde entra, é-lhe permitido levar um livro que deverá proteger da destruição e impedir que caía no esquecimento. Daniel escolhe o livro de Julián Carax, lê-o todo nessa mesma noite e o livro afecta-o de tal forma que, a curiosidade sobre o autor leva-o a entrar numa aventura que lhe mudará a vida para sempre. Assim se inicia este livro encantador, porque outra palavra não me ocorre para o descrever. Não vou falar da história do livro, para não correr o risco de revelar mais do que devia e, dessa forma diminuir o vosso prazer em a descobrir ao ritmo que o autor impõe. Ele vai revelando pedaços inicialmente soltos que depois se vão juntando como num puzzle. Algumas revelações serão surpreendentes, outras já seriam de esperar, outras acabam por ser clichés literários mas, tendo em conta a espécie de magia em que se desenrola a história, até os clichés se vão perdoando.

A história desenrola-se entre 1945 e 1966, período durante o qual conhecemos Daniel Sempere, um rapaz sonhador e inocente. Pessoalmente esta é a personagem do livro que menos me disse, embora seja a principal... Achei-o um pouco infantil e por isso algumas das coisas que fez pareceram-me pouco credíveis, além de que, o fascínio que sentia por toda e qualquer personagem feminina que se cruzava com ele me irritou um pouco. A adolescência é uma fase complicada, eu sei... :p Talvez o livro não tenha sido excepcional para mim exactamente porque não criei empatia com esta personagem, nem com o par romântico que lhe calha em sorte. No entanto, existem outras personagens que se revelaram bem mais interessantes, como o Fermín Romero de Torres, homem vivido e meio louco que se torna amigo de Daniel e o ajuda nas investigações sobre Julián Caráx, o próprio Julián Carax é uma personagem por quem sentimos alguma empatia, bem como pela sua amada Penélope, até o pai de Daniel, embora seja uma personagem que não participe tanto na história é mais consistente que Daniel. A relação que este tem com Daniel é muito angustiante e ao mesmo tempo muito bonita, aqui acho que o autor fez um bom trabalho e é por isso que o pai de Daniel se afigura como uma personagem que, para mim, é das mais interessantes do livro. Por último é impossível não sentir pavor de alguém como o Inspector Fumero e como a criatura dantesca que é Laín Coubert.

O livro é muito sombrio, onde o autor expõe os sentimentos menos nobres das pessoas como, o desejo de vingança, a cobardia, o despeito, a inveja, a traição e a pura maldade. Em quase todas as cenas a noite está a cair e chove copiosamente e, por isso o livro deixa-nos sempre com uma sensação de tristeza e de algum desespero por não haver sol e dessa forma uma réstia de esperança de que tudo acabará bem. Está cheio de desencontros e tragédias, de amores sofridos, a lembrar o Amor de Perdição do Camilo Castelo Branco, embora a linguagem seja outra, obviamente.

Resumindo, é um livro que começa muito bem - achei que iria ser uma leitura memorável - para o meio comecei a achá-lo menos bem conseguido (a tal parte dos clichés) e que na realidade não me trouxe nada de muito novo, em termos de história. Gostei muito do ambiente criado, gostei do Cemitério dos Livros Esquecidos (lugar e conceito fascinante), gostei da maneira como ele montou o puzzle, embora não tenha gostado da forma como ele o desmonta no final, revelando tudo de uma vez em forma de carta. Por último, embora tivesse preferido um outro final, a história até prende e lê-se com gosto e gostei de algumas personagens mas, confesso que estava à espera de mais.

fevereiro 21, 2010

A Voz Subterrânea - Fiódor Dostoiévski

"Explorando como ninguém os abismos da alma humana, Dostoiévski centra os seus livros no mundo interior das suas personagens, normalmente atormentadas por crises e obsessões demenciais e movidas por pulsões irracionais.
Em a Voz Subterrânea [1864] contemplamos, ao longo de um monólogo introspectivo, o lado sombrio e cínico do homem moderno, inquieto e mesquinho perante a consciência da sua futilidade e irrelevância, insatisfeito apesar de todo o progresso tecnológico e obscuro diante das conquistas científicas. De impressionante actualidade, esta narrativa é indispensável para a perfeita compreensão do autor russo."

Este foi o meu primeiro livro do Dostoiévski e acredito não será o último, pois gostei muito dele. É diferente de tudo o que já li e gostei principalmente da força que senti em todas as palavras que foram escritas. Parecia, enquanto lia, que a personagem estava aos berros ao meu lado, sentimento a que não será alheio ao facto de ele falar directamente para nós, como se realmente estivesse mesmo aqui. Gosto de livros assim, que nos vão provocando e questionando directamente.

O livro está dividido em duas partes, O Subterrâneo e A Propósito da Neve Derretida.
Na primeira parte Dostoiévski leva-nos para dentro do subterrâneo mental em que vive a personagem. Através dele são feitas algumas reflexões sobre a consciência humana, sobre a razão e sobre o comportamento humano. Este homem começa por se descrever assim: "Sou um homem doente... Sou mau. Nada tenho de simpático. Julgo estar doente do fígado, embora não perceba e não saiba ao certo onde reside o meu mal. Não me trato, e nunca me tratei (...) se não me trato é por maldade. Tenho o fígado doente? Pois que rebente!". Este é o tom de todo o livro. Estamos perante um anti-social, ao extremo que, no entanto, anseia ser admirado por todos mas, onde todas as suas acções são cruéis e maldosas. Não gosta de ninguém, nem dele próprio, vive atormentado pela sua consciência que, segundo ele, é causa de todos os males que assolam as sociedades modernas, mais ainda os homens inteligentes e instruídos como ele. Acredita que, "não só a consciência demasiada constitui uma doença, como de que a consciência, só por si, por pouca que seja, já o é também." Esta é responsável pela sua inacção, pela sua incapacidade de se decidir e manter essa decisão, pela futilidade e tédio que experimenta na sua vida. Vive atormentado pelo que os outros pensam dele e odeia de morte todos os seres humanos, quer se tenham cruzado com ele ou não. Planeia vinganças, e defesas de honra por razões que apenas existem na sua cabeça, compara-se a um rato, que "durante quarenta anos ficará a ruminar a sua afronta nos mais ínfimos e vergonhosos pormenores, acrescentando-lhes no entanto circunstâncias particularmente inflamantes, da sua colheita, inflamando-se e excitando-se à sua vontade." Esta passagem resume basicamente a vida deste homem extremamente infeliz e que não faz ideia de como ser de outra maneira. É um poço de contradições esta personagem... :)

Na segunda parte, ele conta-nos alguns episódios que ocorreram na sua vida, quando era mais jovem. Aqui o estilo já não é tanto de ensaio, onde tínhamos necessariamente de ler com mais calma para realmente apreender e compreender a mente desta personagem. Nesta segunda parte, o estilo é mais próximo de um romance, conta-se uma história, a história de um homem que vive e pensa como se fosse uma personagem dos livros que lê. Ele sente especial prazer em humilhar os outros e em ser humilhado também, homem sadomasoquista, portanto. Homem de extremos, ora berra e destila ódio, ora chora sofrendo uma autêntica crise de nervos. Tudo num curto espaço de tempo. É um homem que não sabe viver em sociedade, que perdeu o hábito da vida a tal ponto que chega a sentir uma espécie de repugnância pela vida verdadeira, aquela que o faz sair do campo da imaginação onde se protege dos dissabores da vida. Embora nem aí ele encontre o descanso desejado, se é que o deseja verdadeiramente... É um louco e um covarde. No fundo Dostoiévski retrata nesta personagem em conflito, a nossa constante insatisfação enquanto seres humanos, os nossos medos, a nossa maldade intrínseca e, de como vivemos em conflito connosco próprios por causa disso. Nota-se também uma crítica às sociedades ditas modernas que fomentam a futilidade, criando seres que se sentem inadequados, que vivem em constante depressão e apesar de todos os novos estímulos ao seu dispor se sentem mortalmente aborrecidos. Embora escrito no século XIX, não deixa de ser actual a interpretação que podemos fazer das palavras de Dostoiévski.

Resumindo e baralhando, é um livro muito interessante, do ponto de vista humano. Como a personagem é uma caricatura, um exagero (alguém assim seria considerado um louco varrido e digno de manicómio) o livro não é nada pesadão, nem triste, nem lúgubre, é até bem divertido.

É definitivamente um livro que recomendo e, este autor, se os próximos livros que ler dele conseguirem manter a fasquia alta, passará a estar no meu lugar reservado aos escritores que realmente mexem comigo. :)

fevereiro 18, 2010

A Caixa em Forma de Coração - Joe Hill

"Judas Coyne colecciona o macabro: um livro de receitas para canibais... uma corda usada num enforcamento... um filme snuff. Uma lenda do death metal de meia-idade, o seu gosto pelo bizarro é tão conhecido entre a sua legião de fãs como os excessos da sua juventude. Mas nada do que ele possui é tão inverosímil ou tão medonho como a sua última descoberta, um artigo à venda na Internet, uma coisa tão estranha que Jude não consegue resistir a pegar na carteira.
"Vendo" o fantasma do meu padrasto a quem fizer a licitação mais alta.
Por mil doláres, Jude tornar-se-à o orgulhoso dono do fato de um homem morto que se diz estar assombrado por um espírito inquieto. Ele não tem medo. Passara a vida a lidar com fantasmas - o fantasma de um pai violento, o fantasma das amantes que abandonara sem compaixão, o fantasma dos companheiros de banda que traíra. Que importância teria mais um? Mas o que a transportadora entrega à sua porta numa caixa preta em forma de coração não é um fantasma imaginário ou metafórico, não é um benigno motivo de conversa. É real."

Não sei bem o que estava à espera quando comecei a ler este livro. Pela sinopse esperava deparar-me com uma história de terror, protagonizada por um fantasma maquiavélico e impiedoso. Acho que isso corresponde à verdade, mas quem vai à espera de encontrar apenas isso, ou que o livro seja na realidade acerca do oculto e afins, vai ser surpreendido. Agora que acabei de o ler acho que a história do fantasma, que é realmente maquiavélico e impiedoso, vai servindo de desculpa para que outras histórias, mais reais, surjam e, essas sim verdadeiramente chocantes e horríveis, como a pedofilia, a violência doméstica, o suicídio e a depressão. Por isso, embora tenha sido um pouco diferente do que estava à espera, acho que o livro é bom.

O livro começa muito bem, entra sem preâmbulos na história, Judas Coyne, vocalista e guitarrista de uma banda Heavy Metal, cinquentão, colecciona objectos relacionados com o macabro. Quando tem a oportunidade de comprar um fantasma não hesita e paga por ele! O que ele não esperava é que o fantasma fosse de Craddock, um hipnotizador, homem sinistro e assustador que entrou na vida de Judas não por acaso mas com um propósito, o de o matar e a todos os que o tentassem ajudar. Porquê? Para isso têm de ler o livro, não posso contar tudo, não é? :)
Embora o livro comece muito bem, vai perdendo um pouco da força inicial mais para a frente. São páginas em que na realidade pouco acontece, quase nos esquecemos que andam a ser perseguidos por um fantasma vingativo... Vamos descobrindo alguns traumas da infância de Judas e de Georgia que na realidade se chama Marybeth. Traumas que passam pela violência doméstica e pela pedofilia. Infâncias arruinadas por adultos mal formados e sem moral e que acabam por justificar os comportamentos actuais, tanto de Judas como de Georgia. Ele trata as mulheres como objectos, trata-as não pelo seu nome de baptismo mas sim pelo nome do estado de origem... Todas as suas namoradas são miúdas muito mais novas, góticas, brancas como a neve, com problemas de auto-estima e depressivas. A partir do momento em que se cansa delas descarta-as sem problemas de consciência. No entanto não é um homem mau... como vamos descobrindo ao longo da história.
A partir do momento em que a caixa em forma de coração, contendo o fato do homem morto entra em casa de Judas a sua vida e a de Georgia muda para sempre. Enquanto lutam pela vida, enfrentam medos antigos, crescem como pessoas e no fim, se sobreviverem :p, de certeza que se tornarão seres-humanos melhores.

Embora seja um livro que se lê bem, cuja história até prende, julgo que poderia ser melhor. Não gostei de algumas partes da história em que parecia que o autor tinha alguma dificuldade em dar continuidade às cenas e por isso acabava-as de maneira um pouco abrupta e por vezes pouco verosímil. Algumas justificações também me pareceram demasiado rebuscadas enquanto outras coisas foram pouco aprofundadas. Acho que se nota alguma imaturidade na escrita o que se poderá justificar por ser o primeiro livro de Joe Hill. Haverá, por isso, espaço para melhorar alguns aspectos da narrativa em futuros livros.

De uma forma geral gostei do livro e vou, concerteza, ler o próximo dele para confirmar se é um escritor a seguir ou não. :)

fevereiro 09, 2010

A Sombra do Que Fomos - Luis Sepúlveda

"Num velho armazém de um bairro popular de Santiago do Chile, três sexagenários esperam impacientes pela chegada de um quarto homem. Cacho Salinas, Lolo Garmendia e Lucho Arencibia, antigos militares de esquerda derrotados pelo golpe de estado de Pinochet e condenados ao exílio, voltam a reunir-se trinta e cinco anos depois, convocados por Pedro Nolasco, um antigo camarada sob cujas ordens vão executar uma arrojada acção revolucionária. Mas quando Nolasco se dirige para o local de encontro é vítima de um golpe cego do destino e morre atingido por um gira-discos que insolitamente é lançado por uma janela, na sequência de uma desavença conjugal..."

Depois de ter lido um livro tão grande como o 2666, foi um bocado estranho agarrar numa coisa tão leve, e estou apenas a falar do número de páginas. :)
Na verdade este novo livro do Luis Sepúlveda soube-me a pouco (já dizia o Sérgio Godinho). É daqueles que se conseguem ler enquanto estamos numa sala de espera de um qualquer consultório médico deste país. No meu caso não tanto, pois gosto de silêncio para ler... :)

Os que voltavam do exílio andavam desorientados, a cidade não era a mesma, procuravam os seus bares e encontravam lojas de chineses, na farmácia da sua infância havia um bar de topless, a velha escola era agora um concessionário de automóveis, o cinema do bairro uma igreja dos irmãos pentecostais. Sem os avisarem, tinham-lhes mudado o país.
Os que voltaram ao Chile depois de anos no exílio, devido à ditadura de Pinochet, sentem-se perdidos num país que mudou tanto desde que tiveram de o abandonar.
Cacho Salinas e Lolo Garmendia, dois sexagenários, são exemplo disso mesmo. Antigos comunistas, antigos não, porque o comunismo é como uma verruga moral que nunca se arranca, viveram anos exilados, casaram, tiveram filhos, divorciaram-se e regressaram ao Chile sozinhos, com a sensação de que alguma coisa falhou, talvez as suas vidas... Lucho Arencibia, outro sexagenário, mecânico, não abandonou o Chile e por isso os homens maus fundiram-lhe um fusível, mas continua a pé firme. Perdeu os dois irmãos durante a ditadura e é um homem solitário. Reencontram-se os três após mais de trinta anos, mais gordos e mais carecas a pedido de Pedro Nolasco González, um revolucionário idealista que pretende por em prática o último golpe contra o capitalismo instalado no país.
Estes quatro sexagenários e antigos revolucionários são deliciosos. Luís Sepúlveda retrata-os de uma forma muito carinhosa, é impossível não sentirmos empatia por eles. Travaram uma luta importante, pelo bem-estar dos chilenos, perderam o país que amam (ou amavam?) e não foram recompensados pelos sacrifícios que fizeram. É triste... Acho que fazem falta mais Homens como estes nos dias de hoje, honestos e de bom coração, dispostos a por em causa as suas vidas pelo bem comum.
Também gostei muito do Inspector Crespo, que não parece ter dificuldade em distinguir um criminoso sem escrúpulos de um homem que para fazer passar uma mensagem comete crimes. Homem que pertence à geração dos sexagenários da história e que, escolhendo o lado da lei, não deixou de dar o seu contributo para a revolução. Personagem muito interessante.

O livro é muito divertido, cheio de frases que nos fazem rir e sorrir, embora não seja um livro sobre alegrias, mas sim sobre as voltas que a vida dá, onde nem sempre aquilo que desejamos é aquilo que temos. Fala do futuro, mas sobretudo do passado. De como vivemos presos ao passado comprometendo dessa forma o presente. Fala do Chile, país que conheço apenas dos livros do Luís Sepúlveda e da Isabel Allende, do seu povo e das suas idiossincrasias.

É definitivamente um livro a ler.

E agora vou fazer uma pausa nas leituras sobre a América do Sul e vou para outras paragens. Vou até à América do Norte com A Caixa em Forma de Coração, livro do filho do Stephen King e que é bem capaz de me provocar alguns pesadelos... :p

fevereiro 07, 2010

2666 - Roberto Bolaño

"O que liga quatro germanistas europeus (unidos pela paixão física e pela paixão intelectual pela obra de Benno von Archimboldi) ao repórter afro-americano Oscar Fate, que viaja até ao México para fazer a cobertura de um combate de boxe? O que liga este último a Amalfitano, um professor de filosofia, melancólico e meio louco, que se instala com a filha, Rosa, na cidade fronteiriça de Santa Teresa? O que liga o forasteiro chileno à série de homicídios de contornos macabros que vitimam centenas de mulheres no deserto de Sonora? E o que liga Benno von Archimboldi, o secreto e misterioso escritor alemão do pós-guerra, a essas mulheres barbaramente violadas e assassinadas? 2666. Para se ler sem rede, como num sonho em que percorremos um caminho que nos poderá levar a todos os lugares possíveis."

E acabei o livro... 1030 páginas de algo que tenho alguma dificuldade em descrever. Sentimentos contraditórios acompanharam-me ao longo de todo o livro, que aliás não é um mas cinco livros (ficou dividido em cinco partes). Houve alturas em que me deu muito prazer lê-lo, outras houve em que não gostei assim tanto... Houve alturas em que me irritei com a história, fiquei impaciente e custava-me voltar ao livro, outras houve em que fiquei presa e tive dificuldade em largá-lo... Sendo que o livro está dividido em 5 partes, que são bastante distintas umas das outras, talvez estes sentimentos contraditórios não sejam assim tão estranhos.

No entanto, mesmo nas partes em que me senti mais agastada com a leitura, não deixei de reconhecer que o homem escreve que se farta. Senti sempre que estava na presença de uma obra-prima, daquelas que vai deliciar os críticos e dissecadores de obras-primas por muitos e muitos anos. Nalguns momentos, porém, não deixei de me interrogar se toda a excitação em redor do livro não estaria a ser influenciada pela morte do escritor. Não quero com isto dizer que o livro seja mau ou menos bom, longe disso, mas tive alguma dificuldade em perceber que seja um best-seller, um livro para as massas. Achei o livro muito complexo, por vezes demasiado intelectual o que, à partida o deveria afastar do rótulo de best-seller, daqueles que, aparentemente agradam a gregos e troianos... Desconfio que muita gente que o gaba como sendo o livro das suas vidas tenha sequer conseguido lê-lo até ao fim, ou percebido metade do que lá vem escrito. Isto sem desprimor para ninguém, porque eu própria senti alguma dificuldade em apreender tudo o que lá está. Ele às vezes viaja um pouco na maionese... :) Houve alturas em que parava a meio, como se tivesse despertado e perguntava-me: "mas porque raio está ele a falar disto?!", tal era a frequência com que ele divergia para outros assuntos. Depois ele dá nome, e mais uns quantos pormenores, a todo o ser humano que se cruza com a história central, o que me deixou muitas vezes confusa. Tenho péssima memória para nomes e por isso ficava com a sensação que ele já as tinha referido numa outra parte do livro, o que geralmente era só impressão minha. Ás vezes foi frustrante... mas só um bocadinho. :)

Sinceramente não sei o que dizer mais sobre este livro que Roberto Bolaño escreveu durante os últimos anos da sua vida, ao qual não deu uma revisão final. Não saberemos jamais se era assim que desejava que fosse editado e se teria mais qualquer coisa a acrescentar. O livro tem coisas muito boas, como a escrita e partes da história são mesmo muito interessantes, bem como algumas reflexões que são feitas e que são perturbadoras. É um livro angustiante, onde a morte está sempre presente, onde nos apercebemos da crescente indiferença com que olhamos uns para os outros. Tornámo-nos insensíveis ao sofrimento dos outros, desde que este se mantenha longe do nosso quintal, claro.
Houve alturas em que me pareceu que o escritor se esforçou demasiado para o escrever, quis por tudo no livro, talvez tudo aquilo que desejava escrever ao longo da vida e, infelizmente não iria poder fazer. Todas as personagens que gostaria de ter criado e todas as reflexões que desejava deixar impressas para a eternidade. Ou então não teve nada a ver como isso... não sei. Este tipo de análises é mais para os tais dissecadores de obras-primas, eu limito-me a dizer que impressão me deixou o livro e, ela foi boa mas, acho que poderia ter sido impressionante se o livro fosse menos... menos livro. Fez sentido?

Sobre a história nada a acrescentar para além do que está na sinopse. Este é um daqueles livros que só lendo, tudo o que se possa dizer a mais seria redutor.

P.S. Uma nota ao tamanho do livro que torna a sua leitura fisicamente desconfortável. Deveria vir, no mínimo, em dois volumes mesmo que vendidos em conjunto. E eu não tenho problemas com livros gigantescos mas, a verdade é que este me deixou desconfortável.

fevereiro 05, 2010

Tamar - Mal Peet

"Durante o terrível Inverno da Fome, em 1944, dois agentes secretos são lançados de pára-quedas numa Holanda ocupada. Tratam-se de espiões das Forças Aliadas, enviados para apoiar a Resistência Holandesa. Meio século depois, uma rapariga de 15 anos, Tamar, herda do avô uma caixa que contém uma série de pistas e mensagens codificadas e um outro Tamar (nome de código do avô) emerge do passado: um homem envolvido no terrível universo dos combatentes da resistência à ocupação nazi. A sua história é um complexo enredo de paixão, ciúme e tragédia, marcado pelo terror do quotidiano e por episódios de horror num cenário de guerra. Ao desvendá-la, a jovem Tamar irá transformar a sua vida para sempre."

Acho que me interessei por este livro quando li o 1º capítulo num daqueles livrinhos promocionais que me entregaram na estação de comboios. É uma boa forma de fazer publicidade a um livro, digo eu! :) Este é o segundo romance de Mal Peet, premiado com a Carnegie Medal.

A história decorre entre 1944 e 1995, entre Inglaterra e a Holanda.
Em 1944 temos Tamar e Dart, ambos nomes de código de dois agentes, holandeses, do SOE, um braço dos Serviços Secretos Britânicos, em Inglaterra. São ambos enviados numa missão com o objectivo de unificar e reorganizar a Resistência Holandesa, numa zona rural da Holanda. Tamar volta a encarnar o papel de um lavrador, Christiaan Boogart e Dart encarna, na sua primeira missão, o papel de um médico, Dr. Ernst Lubbers. Tamar volta a ficar instalado na quinta de Marijke por quem é apaixonado e Dart é instalado num manicómio perto da quinta. Tamar é corajoso, cativante e apaixonado pela vida. Daquelas pessoas a quem ninguém fica indiferente. Dart possui uma personalidade instável, é inseguro e com tendência para a auto-comiseração. Também ele se apaixona por Marijke e começa a sofrer de ciúmes doentios pela relação que Tamar tem com ela. Martiriza-se por saber que ela nunca o amará, pois o amor que sente por Tamar é daqueles únicos e definitivos que não desaparecem nem com a morte. Nenhum destes sentimentos ajudam a levar a bom porto a missão para a qual foram destacados. Na verdade surgem problemas de confiança onde esta é indispensável e vital.

Em 1995 temos a neta de Tamar, que também se chama Tamar, de 15 anos, a viver com a mãe e cujo pai (filho de Tamar e Marijke) desaparecera sem deixar rasto há cinco anos. O avô Tamar suicida-se, depois de ter perdido Marijke, saltando de uma varanda. Deixou à neta uma caixa que a levará a empreender uma viagem pelo passado e que lhe mudará a vida para sempre. Decifrando as pistas que o avô lhe deixa, ela vai descobrir coisas sobre a vida dele que só depois da morte ele teve coragem de revelar. Esconder segredos, por amor ou por vergonha, pode levar à destruição de uma família. Mas será que a verdade não teria efeitos mais catastróficos? Uma vez tomada a decisão o melhor é aprender a viver com ela. Mas será fácil viver com a incerteza das razões que levaram a tal decisão? Foi por amor ou por medo de perder que a tomámos?

Tamar é um livro sobre o amor, sobre a lealdade e sobre a amizade. Lê-se muito bem, a história está muito bem escrita com as doses certas de tensão. Vai revelando as coisas de forma a que o ritmo e o nosso interesse se mantenham. Este autor foi uma boa surpresa, ainda bem que não se limitou à literatura infantil e se aventurou nos livros para os mais crescidos! :)

P.S. Outro autor de literatura infantil que me surpreendeu foi Sebastian Fitzek, com o Terapia de Choque. Muito bom o livro.

fevereiro 03, 2010

Novas Crónicas da Boca do Inferno - Ricardo Araújo Pereira

"Um livro no qual a mais fina ironia e o humor requintado se juntam e resolvem não entrar."

Nos intervalos de leitura do 2666, para desanuviar, peguei nas crónicas do Ricardo Araújo Pereira. Algumas já me tinham passado pela vista, mas confesso que não compro a Visão por isso a maioria delas eram desconhecidas.
Acho muita piada ao Ricardo Araújo Pereira, gosto do tipo de humor que faz, acho que é extremamente inteligente e, ainda por cima, parece-me boa pessoa. É relativamente raro, que pessoas que ficam famosas quase do dia para a noite, como foi o caso dos Gato Fedorento, mantenham os pés na terra e não se deslumbrem com a fama. Acho que esse aspecto é de louvar e, ainda por cima, têm piada! Ouro sobre azul. :)
As crónicas estão muito divertidas, muitíssimo bem escritas e são certeiras. Para quem lê o livro de uma assentada, percebe-se que os temas rondam sempre o mesmo: o Governo de Sócrates, PS, PSD e pouco mais. Nesse sentido torna-se um pouco chato, mas também acho que não é suposto ler aquilo como se fosse um romance, por isso...

Leitura recomendada. É uma oportunidade de se ler umas quantas coisas pertinentes sobre a política que se faz em Portugal (não só, também há espaço para os 50 anos da Barbie e outras coisas que tais), de uma forma leve e divertida.

fevereiro 02, 2010

Rosa Lobato de Faria

Rosa Lobato de Faria morreu hoje, com 77 anos, vítima de uma anemia grave.

De todas as facetas criativas da artista, apenas acompanhava a de escritora. Gostava muito dos livros dela e, é nesse sentido que aqui faço referência a ela. Li quase todos os livros dela, sentindo-me sempre surpreendida por ela escrever como escrevia, de forma ousada com histórias refrescantes e inovadoras. Histórias simples mas eficazes, com uma escrita fluída e muito agradável. Acredito que muita gente nunca leu nada dela por puro preconceito, por achar que os livros são como as letras do Festival da Canção, ou que a senhora escreve como uma avó! ;) Eu também pensava assim antes de ler um livro dela e acreditem que fiquei muito surpreendida... Ainda hoje sinto alguma estranheza, pois tenho dificuldade em me distanciar da imagem pública dela. De qualquer forma, os livros são muito bons e nada têm a ver com o Festival da Canção. :) São histórias de amor e de amizade, sobre a família, sobre o passado e sobre o futuro, sobre a alegria de viver, sobre a paixão e o desejo e, sobretudo sobre as mulheres. Nos livros dela atravessam-se gerações de mulheres que são avós, mães, filhas e netas, mas que nunca deixam de ser mulheres em primeiro lugar.

Rosa Lobato de Faria morreu hoje e eu vou sentir falta das suas histórias...