outubro 29, 2012

A Tormenta de Espadas - George R. R. Martin

Título original: A Storm of Swords (part 1)
Ano da edição original: 2000
Autor: George R. R. Martin
Tradução: Jorge Candeias
Editora: Saída de Emergência

"Os Sete Reinos estremecem quando os terríveis selvagens do lado de lá da Muralha se aproximam, numa maré interminável de homens, gigantes e terríveis bestas. Jon Snow, o Bastardo de Winterfell, encontra-se entre eles, debatendo-se com a sua consciência e o papel que é forçado a desempenhar.
Todo o território continua a ferro e fogo. Robb Stark, o Jovem Lobo, vence todas as batalhas, mas será ele capaz de vencer as mais subtis, que não se travam pela espada? A sua irmã Arya continua em fuga e procura chegar a Correrrio, mas mesmo alguém tão desembaraçado como ela terá dificuldade em ultrapassar os obstáculos que se aproximam.
Na corte de Joffrey, em Porto Real, Tyrion luta pela vida, depois de ter sido gravemente ferido na Batalha da Água Negra, e Sansa, livre do compromisso como o rapaz cruel que ocupa o Trono de Ferro, tem de lidar com as consequências de ser segunda na linha de sucessão de Winterfell, uma vez que Bran e Rickon se julgam mortos.
No Leste, Daenerys Targaryen navega na direcção das terras da sua infância, mas antes terá de aportar às cidades dos esclavagistas, que despreza. Mas a menina indefesa transformou-se numa mulher poderosa. Quem sabe quanto tempo falta para se transformar numa conquistadora impiedosa?"

*Pode conter spoilers*

Esta primeira parte do terceiro volume (5º da Saída de Emergência) das Crónicas de Gelo e Fogo, é muito boa! Todas as personagens importantes parecem cada vez mais perdidas, presas a situações para as quais não encontram saída. E começa-se a adivinhar um rumo que me parece promissor, com Daenerys Targaryen, a Mãe dos Dragões, a ganhar importância e com os Selvagens a trazerem um novo ponto de vista sobre os Sete Reinos e sobre as infindáveis batalhas que os assolam. É impressionante a capacidade de George R. R. Martin para conseguir renovar a história e mantê-la empolgante.

Resumindo, neste 5º volume, temos Porto Real a gozar a estrondosa vitória na Batalha da Água Negra que praticamente dizimou o exército de Stannis Baratheon, que recuou para lamber as feridas e congeminar o próximo ataque com a ajuda de Melisandre, a Mulher de Vermelho. Esta é uma das personagens que nos volumes anteriores me pareceu detestável e extremamente perigosa mas que, neste volume, depois de algumas explicações sobre o que a move, embora continue a ser muito dúbia, acabei a simpatizar um pouco com ela. ;) 
Tyrion a recuperar de uma tentativa de assassinato que o deixou desfigurado e às portas da morte, tenta perceber qual será o seu papel agora que o pai, Tywin assumiu o cargo de Mão do Rei. É um Tyrion meio perdido e sem grande capacidade de manter a sua inusitada inteligência ao serviço do reino (seja qual for o rei que acabará por favorecer) que encontramos neste volume. Ele acaba mesmo por ser o protagonista, forçado, de um dos acontecimentos que mais me surpreendeu... O que irá resultar daquela união tão improvável? ;)

Arya continua a sua interminável viagem de regresso a Correrrio, na companhia de Gendry e Tarte-Quente. Mas é mais do que óbvio que nem tudo vai correr como ela esperava. Continua a ser uma miúda surpreendente e muito divertida. Por muito forte que seja, só queremos que volte para junto da mãe, antes que seja tarde demais. É de partir o coração o desgosto de Catelyn que acredita ter perdido Bran e Rickon, que não sabe se Arya está viva ou morta, que tem Robb a arriscar a vida nos campos de batalha e Sansa refém dos Lannister. Queremos muito que descubra de uma vez por todas que, com Arya não tem de se preocupar e que os seus filhos mais novos estão vivos... É tamanho o desespero que surpreende todos quando liberta Jaime Lannister das masmorras de Correrrio, para que Brienne o leve até Porto Real como moeda de troca pelas filhas que os Lannister supostamente mantêm cativas.
Este volume mostra-nos um Jaime Lannister que continua a ser detestável mas, ao mesmo tempos mais digno de pena. Compreendemos melhor algumas das suas atitudes e personalidade. É provável que venha a ser uma peça muito importante no desenrolar dos acontecimentos e pode ser que faça pender a balança para o lado menos provável.

É por causa de Arya que vamos conhecer um grupo de foras-da-lei, uma espécie de exército rebelde, que luta, não por nenhum dos candidatos ao Trono de Ferro, mas pela união do reino, pelo povo a morrer de fome e violentado, e por um reino mais justo. E é esta ideia de uma alternativa à lei estabelecida, da sucessão de reis e de batalhas pelo poder, que parece insinuar-se em mais do que uma das vertentes da história, que torna este livro intrigante e abre uma série de possibilidades para o futuro da história.

Para lá da Muralha, a Patrulha da Noite enfrenta um dos seus maiores desafios. Irão conseguir travar a marcha dos Selvagens até à Muralha de Gelo? Serão os Selvagens a verdadeira ameaça? As respostas que obtêm não terão tido um custo demasiado elevado?
Jon Snow, infiltrado entre os Selvagens, dá-nos a conhecer um lado que nos outros livros sempre foi tocado muito ao de leve. O Povo Livre pode até ser selvagem e violento, mas tem uma forma de pensar que faz Snow questionar a sua fidelidade para com a Patrulha da Noite e os Sete Reinos.
Gostei particularmente dos capítulos de Jon Snow por me permitir conhecer a perspectiva dos Selvagens, os que ficaram do outro da Muralha de Gelo, quando foram instituídos os Sete Reinos.

Por último, a história de Daenerys começa finalmente a desenvolver-se. A Mãe dos Dragões inicia o seu tão ansiado regresso a Westeros para reconquistar um trono que acredita ser seu por direito. Daenerys não é uma mulher normal e só George R. R. Martin sabe (ou não) o que o futuro lhe reserva. Adivinha-se um caminho difícil na sua ascensão ao Trono de Ferro, que acredito vai ser seu. Conto que a sua luta seja épica e gloriosa! Gosto dela... ;)

Enfim, acho que até agora este foi o volume que mais gostei de ler. Só não vou pegar no 6º volume porque, para além de ter de o reservar na biblioteca, queria mesmo retomar a leitura do Pillars of the Earth que tive de interromper. Uma grande obra de cada vez... É melhor não dispersar mais a minha, cada vez menor capacidade de concentração! :)

Recomendo este e toda a saga até ao momento! Boas leituras!


Excerto:
"Mas se parasse, morria. Sabia-o. Todos o sabiam, os poucos que restavam. Tinham sido cinquenta quando fugiram do Punho, talvez mais, mas alguns haviam.se perdido na neve, alguns dos feridos tinham sangrado até à morte... e por vezes Sam ouvia gritos atrás de si, vindos da retaguarda, e uma vez ouvira um berro horrível. Quando ouvira aquilo, correra, vinte ou trinta metros, tanto e tão depressa como fora capaz, levantando neve com os pés meio congelados. Ainda estaria a correr se as suas pernas fossem mais fortes. Eles estão atrás de nós, eles ainda estão atrás de nós, estão a levar-nos um por um."

outubro 21, 2012

Hotel Memória - João Tordo


Título original: Hotel Memória
Ano da edição original: 2007
Autor: João Tordo
Editora: Quidnovi

"Onde termina a culpa e começa a expiação? Em Nova Iorque, um estudante apaixona-se por uma rapariga enigmática com quem vive uma intensa relação. Mas a morte desta, inesperada e violenta, enche o protagonista de culpa e remorso, lançando-o numa espiral descendente até o transformar num vagabundo, sem dinheiro e sem posses. Prisioneiro do Memory Hotel, um pardieiro na baixa de Manhattan que parece destinado a albergar criaturas perdidas como ele próprio, é contratado por Samuel, um milionário excêntrico, para procurar um fadista português emigrado para os Estados Unidos quarenta anos antes.
Tendo Nova Iorque como pano de fundo, dos anos sessenta até ao presente, e criando a figura inesquecível de Daniel Silva, o fadista que conquista Manhattan com o seu talento, Hotel Memória é, ao mesmo tempo um romance de mistério e uma aventura nos meandros da condição humana - uma história simultaneamente intrigante e comovente, que lida com os fantasmas da memória, da culpa e da redenção."

A leitura deste livro do João Tordo, autor que tanto gozo me tem dado descobrir, apanhou-me numa altura mais atribulada e por isso de menor disponibilidade mental para a leitura em geral. Senti que o li um pouco distraída da história que me estava a ser contada e não me consegui "entregar" à leitura como acho que o livro merecia. Com isto quero dizer que embora tenha gostado do livro fiquei com uma ideia demasiado vaga do mesmo e fui passando pelas páginas sem permitir que estas me marcassem de alguma forma. Este merecia uma leitura diferente e voltará a ser lido, estou certa disso.

Feita a ressalva, passemos à história. 
O protagonista da história é, mais uma vez, uma personagem sem nome. Neste livro o protagonista é um estudante, oriundo de uma pequena cidade europeia que deixou, rumo aos Estados Unidos, mais precisamente ruma à Big Apple, para prosseguir os estudos em Literatura. Este homem, surge-nos, desde logo, como alguém inseguro, tímido, com uma personalidade pouco vincada, que parece ter encontrado nos livros e na bolsa de estudo que conseguiu, uma forma de escapar a uma família aparentemente sufocante, que raramente é mencionada. Mesmo nos seus piores momentos a possibilidade de recorrer à família nunca é equacionada.
Tudo parece correr bem e, embora não seja a pessoa mais sociável do mundo, encontra em Manuel e em Kim, a rapariga por quem se apaixona, toda a companhia de que precisa.
A imagem que é passada dele é a de uma pessoa um pouco vazia de ideias próprias, sem grandes vivências próprias para além das que encontra nos livros. Kim, por outro lado surge-nos como uma miúda cheia de mistérios, de ar distante, que parece já ter percorrido um grande caminho para estar onde está. O nosso protagonista apaixona-se por ela logo no primeiro momento em que se cruzam e é uma paixão breve mas intensa, que acabam por viver.
Quando Kim morre de forma inesperada e violenta, a vida deste homem muda, literalmente da noite para o dia, iniciando-se aí uma espiral crescente de loucura, alheamento e solidão. Destroçado pela perda da mulher que amava, corroído pela culpa que não consegue evitar sentir pela sua morte, soterrado em memórias do que viveram juntos e do que esperava viver ainda com ela, torna-se um homem muito só, tristemente só... A solidão é, aliás, um sentimento ou uma condição, da qual sofrem muitas das personagens criadas por João Tordo.
Sem força anímica para dar uma volta à sua vida depois de Kim morrer, vira-se para a bebida e quando é obrigado a sair da residência universitária, por ter perdido a bolsa, chega a dormir na rua. Vai trabalhar em locais e para pessoas de índole duvidosa e acaba a viver no Hotel Memória, o único abrigo que consegue pagar. É no Hotel Memória que muitos dos acontecimentos têm origem e é para lá que tudo parecer tender. É lá que conhece Samuel e ouve falar pela primeira vez do fadista português Daniel Silva, um mito da cultura nova iorquina que, reza a lenda era dono de uma voz prodigiosa mas que nunca chegou aos ouvidos do grande público porque a única cópia da sua única gravação em estúdio desapareceu sem deixar rastro, tal como o seu autor.
Samuel é um multimilionário, mecenas da cultura, e procura o protagonista para que este o ajude a encontrar Daniel Silva. O que o levou a ele, quem é Daniel Silva e qual e o interesse de Samuel no mesmo, são apenas algumas das questões que vão sendo respondidas ao longo do livro e que ajudam o nosso protagonista a sair do estado de apatia em que se encontrava. 

É um livro muito bem escrito, com uma aura de mistério que João Tordo consegue transmitir muito bem. A história, à semelhança dos outros dois livros que li dele, é um pouco absurda, no sentido de não ser, de todo, uma história linear e que respeite uma estrutura narrativa típica dos livros de mistério ou mesmo dos policiais. As personagens são estranhas, inadaptadas e cheias de conflitos interiores. O protagonista vai sofrer, e muito até conseguir encontrar a paz interior necessária para prosseguir com a sua vida. Esta não é uma personagem particularmente simpática, é fraco, como se costuma dizer "não tem espinha dorsal", mas acaba por crescer, ao longo de livro, tornando-se mais merecedor da nossa empatia. Aliás, com excepção de Kim e Manuel, com quem foi fácil criar alguma empatia, nenhuma das outras personagens são simpáticas. Não quero dizer com isto que são más personagens, ou mal concebidas, antes pelo contrário, são antes seres humanos cheios de vícios, egoístas, que se movimentam num mundo cheio de tudo e ao mesmo tempo cheio de nada. 

É um livro relativamente pequeno, em número de páginas, mas é um que exige uma leitura mais cuidada, mais atenta para poder saborear e apreender tudo aquilo que está para além das palavras.

Gostei e recomendo!

Boas leituras!

Excertos:
"Acordado, concluía que a solidão não era um estado de espírito, mas a ausência dele - agora que não sentia nada, que não estava em estado nenhum, nem aqui nem ali, mas num mundo entre dois mundos, estava mais sozinho do que alguma vez estivera. Não era eu, nem era outrem; era um casulo disposto a ser preenchido, um espírito vazio ansiando por uma chegada."

"Deitado sobre a cama, esperando que Manuel regressasse, começava a entender o poder fascinante da memória sobre a minha vida - sobre qualquer vida. Tudo era memória. O presente era a memória de si próprio, e era possível existir apenas se pudéssemos conservar as recordações de momentos que nunca se repetiriam. E, no entanto, paradoxalmente, a memória era aquilo que de mais falível um homem possuía: nomes esquecidos ou trocados, caras que se confundiam com outras, lugares onde julgávamos já ter estado, um lápis desaparecido para sempre, os constantes deslizes que tornavam a realidade o lugar de um romance, de uma história, encantadora pela sua falibilidade, e não pela sua certeza."