agosto 31, 2016

A Dança dos Dragões - George R. R. Martin

Título original: A Dance With Dragons (part 2)
Ano da edição original: 2011
Autor: George R. R. Martin
Tradução: Jorge Candeias
Editora: Saída de Emergência

"O Norte jaz devastado e num completo vazio de poder. A Patrulha da Noite, abalada pelas perdas sofridas para lá da Muralha e com uma grande falta de homens, está nas mãos de Jon Snow, que tenta afirmar-se no comando tomando decisões difíceis respeitantes ao autoritário Rei Stannis, aos selvagens e aos próprios homens  que comanda.
Para lá da Muralha, a viagem de Bran prossegue. Mas outras viagens convergem para a Baía dos Escravos, onde as cidades dos esclavagistas sangram e Daenerys Targaryen descobre que é bastante mais fácil conquistar uma cidade do que substituir de um dia para o outro todo um sistema político e económico. Conseguirá ela enfrentar as intrigas e ódios que se avolumam enquanto os seus dragões crescem para se tornarem nas criaturas temíveis que um dia conquistarão os Sete Reinos?"

Para as raras pessoas que ainda não terminaram de ler a saga e/ou não acompanham a série na televisão, esta opinião contêm spoilers. :)
Terminei a minha dose anual de Crónicas de Gelo e Fogo. :)  Este 5º volume (9º editado pela Saída de Emergência) - A Dança dos Dragões, é um livro que não avança muito na história dos Sete Reinos. O autor faz questão de, no início, frisar que o que acontece neste volume ocorre no mesmo espaço temporal que o volume anterior. Serve para recuperar algumas personagens não mencionadas no volume anterior, como Tyrion, Jon Snow,  Daenerys e Bran Stark.

Talvez por estar a acompanhar a série na televisão tive alguma dificuldade em manter-me interessada no livro. Talvez seja por isso,  mas também por achar que, às vezes, George R. R. Martin perde algum tempo com acontecimentos que parecem não levar a nada.  Continua a introduzir personagens que aparentemente  não acrescentam nada à história que se pretende contar. Nesta fase gostaria de sentir o autor um bocadinho mais focado. :p

Neste volume reencontramos Tyrion depois deste ter fugido de Porto Real. Encontra-se num barco a caminho da Baía dos Escravos, ao encontro de Daenerys. A Aranha tem um plano que começa a ser desvendado. É  uma viagem longa e atribulada onde Tyrion tenta, com o seu sarcasmo característico sobreviver ao ódio dos outros e ao ódio que, de certa forma, sente por si próprio. Continua a ser a minha personagem preferida,  a par de Arya, que neste volume não é referida. Tyrion está a cada volume mais amargurado com a sua sorte. Deprimido com o que a vida lhe reservou. A verdade é que nunca pensou ser um parricida.

Daenerys começa a sentir dificuldades em manter todas as cidades que conquistou e libertou da escravidão em paz. Para ajudar, os seus Dragões começam a ser um problema. Estão a crescer e a demonstrar toda a sua capacidade destrutiva que ela nem sempre consegue controlar. No entanto as suas conquistas não têm passado desapercebidas e o seu percurso começa a gerar algum interesse junto de alguns habitantes do Sete Reinos.

Bran continua a sua viagem para lá da Muralha, com Hodor, Jojen e Meera Reed e, claro Verão, o lobo gigante. Percebemos cada vez mais o que está guardado para Bran e a importância que poderá ter no Inverno que se aproxima a grande velocidade.

Jon Snow enfrenta na Muralha a desconfiança dos seus companheiros. Dividido entre a lealdade ao seus irmãos de negro, não tomando partidos na guerra pelo Trono de Ferro, e a vontade de vingar a família e retomar Winterfell, ajudando Stannis Baratheon na sua luta pelo trono. Pode confiar nele e na misteriosa mulher de vermelho?

Basicamente é isto.
Fica a faltar o 6º volume (10º da Saída de Emergência) e os que ainda não estão escritos para saber até onde vai a luta pelo Trono de Ferro, o que vai acontecer quando o Inverno chegar e qual vai ser o destino de toda aquela gente. :)

Boas leituras!

Excerto (pág. 77):
" - A Muralha não é sítio para uma mulher.
- Enganais-vos. Eu sonhei com a vossa Muralha, Jon Snow. Grande foi o saber que a ergueu, e grandes são os feitiços que estão trancados sob o seu gelo. Caminhamos à sombra de uma das charneiras do mundo. - Melisandre ergueu os olhos para ela, com a respiração a transformar-se numa nuvem quente e húmida no ar. - Isto é tanto o meu lugar como o vosso, e muito em breve podereis vir a ter grande necessidade de mim. Não recuseis a minha amizade, Jon. Vi-vos na tempestade, muito pressionado, com inimigos por todos os lados. Tendes tantos inimigos. Quereis que vos diga os seus nomes?
- Eu conheço os seus nomes.
- Não tenhais tanta certeza. - O rubi à garganta de Melinsadre cintilou, rubro. - Não são os adversários vos amaldiçoam na cara que deveis temer, mas aqueles que sorriem quando estais a olhar e afiam as facas quando virais as costas. Faríeis bem em manter o vosso lobo bem junto a vós. Gelo, vejo eu, e punhais no escuro. Sangue congelado, vermelho e duro, e aço nu. Estava muito frio.
- Está sempre frio na Muralha.
- Achais que sim?
- Eu sei que sim, senhora.
-Então não sabes nada, Jon Snow - murmurou a mulher."

A Confissão da Leoa - Mia Couto

Título original: A Confissão da Leoa
Ano de edição: 2012
Autor: Mia Couto
Editora: Editorial Caminho

"Um acontecimento real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do Norte de Moçambique - é pretexto para Mia Couto escrever um surpreendente romance. Não tanto sobre leões e caçadas, mas sobre homens e mulheres vivendo em condições extremas. Como afirma um dos personagens, «aqui não há polícia, não há governo, e mesmo Deus só há às vezes».
E A Confissão da Leoa, através da versão de Mariamar, habitante da aldeia de Kulumani, e do diário de Arcanjo Baleiro, o caçador contratado para matar os leões - os dois narradores desta história - vai expondo diante dos nossos olhos como a guerra, a fome, a superstição, podem transformar os homens em animais selvagens: «foi a vida que a desumanizou. Tanto a trataram como um bicho que você se pensou um animal». Sobre e contra este pano de fundo ergue-se uma extraordinária figura de mulher - Mariamar.
A Confissão de Leoa é bem um romance à altura de Terra Sonâmbula e Jesusalém, já conhecidos do leitor português."

Em A Confissão da Leoa, Mia Couto, à semelhança do que tem acontecido com os seus livros mais recentes, inventa menos palavras. Acaba por ser um livro menos fantasioso, menos mágico na forma como nos envolve na leitura, no entanto, a história não parece perder com esta escrita mais séria de Mia Couto. Se calhar por ser um livro que fala de um tema sério, os espaço para interpretações não deva ser tanto.

A história de A Confissão da Leoa é narrada a duas vozes, a de Mariamar, habitante da aldeia de Kulumani, que tem sido assolada por diversos ataques de leões, e Arcanjo Baleiro, o caçador contratado para matar os leões que ameaçam os habitantes da aldeia. Curiosamente todas as vítimas dos leões, até agora, foram mulheres e os leões acabam por ser apenas uma leoa.
Mariamar é uma jovem mulher, que viveu toda a sua vida em Kulumani. Teve uma vida atribulada, marcada pela guerra, pela pobreza, pela violência e pela ignorância. Nunca teve muitos motivos para sorrir, oprimida pela família, uma mãe que sempre a desprezou e um pai que a violentava, e onde apenas o avô a compreendia e protegia. Cresceu no meio da violência que é reservada às mulheres, por homens ignorantes e cobardes, presos a superstições e a tradições desumanizantes, fugindo para dentro de si, como forma de se proteger, de não enlouquecer. No meio de tanta tristeza não deixa de sonhar. Sonha em sair da aldeia, em ter filhos, em ser amada por um homem bom que a proteja. Sonha mesmo sabendo que não são concretizáveis os seus desejos. Sonha porque não lhe resta mais nada.

Arcanjo Baleiro vem de uma família de caçadores. É contratado para se deslocar a Kulumani para matar os leões que andam a atacar as mulheres da aldeia. Traz consigo, para além da espingarda, a alma carregada de tristeza. O coração pesado de dor e revolta. Traz consigo um amor não correspondido pela cunhada, mulher do seu único irmão, que está internado num hospício por ter morto o pai de ambos há muitos anos atrás. Algo que atormenta Arcanjo e o impede de dormir à noite. Assaltado pelos fantasmas desse dia em que acorda com o disparo da espingarda e encontra o pai banhado em sangue e a espingarda na mão do irmão, pouco mais do que um adolescente. Um acidente? É a versão com que vive durante os anos que se seguem, sem nunca perdoar totalmente o irmão pelo que fez. Sem nunca perceber na totalidade o que se passou naquele dia.

A Confissão da Leoa retrata a mulher, a mulher africana, vítima de violência, vítima de superstições e tradições que continuam enraizadas na cultura, nos sítios mais recônditos, onde a autoridade vigente é a dos deuses, aquela que sempre guiou a vida das pessoas. Sítios onde o conceito de governo central é algo abstracto, algo que lhes bate à porta em época de eleições e em tempos de guerra. A Confissão da Leoa é um grito de revolta e um elogio à força e à importância da mulher na comunidade e no mundo.

É sempre bom regressar a Mia Couto. A Confissão da Leoa é um livro triste, essencialmente triste mas que se lê muito bem. Recomendo como não podia deixar de ser.

Boas leituras!

Excerto (pág. 15):
"Deus já foi mulher. Antes de se exilar para longe da sua criação e quando ainda não se chamava Nungu, o atual Senhor do Universo parecia-se com todas as mães deste mundo. Nesse outro tempo, falávamos a mesma língua dos mares, da terra e dos céus. O meu avô diz que esse reinado há muito que morreu. Mas resta, algures dentro de nós, memória dessa época longínqua. Sobrevivem ilusões e certezas que, na nossa aldeia de Kulumani, são passadas de geração em geração. Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está acabado. São as mulheres que, desde há milénios, vão tecendo esse infinito céu. Quando os seus ventres se arredondam, uma porção do céu fica acrescentada. Ao inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar."

Alguns dos provérbios no inicio dos capítulos:

"O verdadeiro nome da mulher é «Sim». Alguém manda: «não vais». E ela diz: «eu fico». Alguém ordena: «não fales». E ela permanecerá calada. Alguém comanda: «não faças». E ela responde: «eu renuncio»."
                                                                                                                              Provérbio do Senegal

"Todas as manhãs a gazela acorda sabendo que tem de correr mais veloz que o leão ou será morta. Todas as manhãs o leão acorda sabendo que deve correr mais rápido que a gazela ou morrerá à fome. Não importa se és leão ou uma gazela: quando o sol desponta o melhor é começares a correr."
                                                                                                                              Provérbio africano

"Um exército de ovelhas liderado por um leão é capaz de derrotar um exército de leões liderado por uma ovelha."
                                                                                                                              Provérbio africano