dezembro 26, 2011

[ebook] A Christmas Carol - Charles Dickens

Título original: A Christmas Carol
Ano da edição original: 1843
Autor: Charles Dickens
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"It is the twenty-fourth of December. Mean old Ebenezer Scrooge sits in his freezing cold office shouting 'Bah! Humbug!' at anyone who dares wish him a Merry Christmas. But that night the miser has a terrifying visitor. Marley, his dead business partner who must wander the earth for ever to pay for his sins, comes with a warning. Scrooge will be haunted by three more spirits. The ghosts of Christmas past, present and future arrive to show Scrooge the hardship he has caused. Is he doomed to the same fate as Marley? Or can he mend his ways and learn to celebrate the true meaning of Christmas?"

De Charles Dickens apenas li o Oliver Twist e este A Christmas Carol, adorei o primeiro e gostei bastante do segundo.

Todos nós já ouvimos falar do avarento e mal-humorado Scrooge que odeia o Natal e que berra "Bah! Humbug!" a todos os que se atrevem a desejar-lhe um Feliz Natal!
Todos nós conhecemos a história do detestável Scrooge que, na noite de Natal, é surpreendido pela visita do seu sócio Marley, morto há uma data de anos. Marley, que em vida era tão avarento e detestável como Scrooge, encontra-se condenado a vaguear, sem direito ao tão ansiado descanso eterno, como penitência pelos seus pecados. Para aliviar a sua pena e ajudar o sócio, aparece-lhe na noite de Natal para o prevenir acerca do que o espera se não mudar de atitude e aprender a ser mais solidário. Anuncia-lhe então a visita de três espíritos do Natal: o do Passado, o do Presente e o do Futuro.
O espírito do Natal Passado leva-o aos Natais da infância e adolescência de Scrooge, onde Scrooge reencontra a irmã que tanto amava, mãe do seu único sobrinho que agora ignora e despreza, com receio de que ele apenas esteja interessado na sua fortuna. No Passado o coração de Scrooge começa a amolecer, relembrando com saudade os tempos em que, embora rodeado de dificuldades, até ele acreditava no Natal.
O espírito do Presente mostra a Scrooge a ceia em casa do seu empregado Cratchit, rodeado por uma família que o ama e que se preocupa com ele, onde presencia uma verdadeira festa familiar, cheia de alegria. A única sombra que paira sobre a harmonia da noite é a avareza e mesquinhez de Scrooge. O espírito leva-o ainda a casa do sobrinho, que todos os anos o convida para a ceia e apercebe-se, não só do impacto que as suas acções têm na vida dos que o rodeiam, como se reconhece que o sobrinho é sincero no afecto que insiste em demonstrar-lhe.
Por último, o espírito do Futuro leva Scrooge até ao dia em que a sua vida chega ao fim, numa noite de Natal fria e obscura, Scrooge morrerá sozinho, sem que ninguém o chore ou lamente a sua partida. Este é o futuro que aguarda Scrooge caso ele não altere a sua forma de lidar com os outros. Esta é a viagem no tempo que mais custa a Scrooge e, aquela que o coloca, definitivamente, na direcção da redenção final.
Após aquela estranha noite de Natal, o avarento Scrooge renasce e torna-se um verdadeiro amante do Natal e um dos pilares da comunidade.

Gostei imenso da personagem do Scrooge, da sua rabugice, do seu sentido de humor e confesso que achei a conversão dele muito rápida. Logo na visita do espírito do Passado ele já estava pronto para revolucionar a sua vida e, por isso, acabei por achar as visitas dos espíritos seguintes quase como uma forma de tortura e sinceramente teria gostado mais do livro se este tivesse mais Scrooge rabugento e menos do Scrooge bonzinho e piedoso. ;)
É um livro que aproveita para fazer crítica social, retratando uma Londres sombria e triste, com muita pobreza e miséria e Dickens, à semelhança do que faz em Oliver Twist, dá especial atenção às crianças e à dureza da sua vida naqueles tempos.

Já tinha gostado muito do Oliver Twist, e andava com vontade de ler mais coisas do Charles Dickens. Vai daí, achei que este Conto de Natal poderia ser ideal para melhorar o meu humor natalício. Confesso-me uma daquelas pessoas que acho esta época muito deprimente. Simplesmente fico deprimida nesta época e o meu sonho é adormecer uma semana antes do Natal e só acordar dia 1 de Janeiro. É isso, ou então apanhar um avião para um sítio onde possa estar debaixo de um sol abrasador e com os pezinhos de molho. :) Enfim, com depressão ou sem ela, a verdade é que acabo sempre por achar piada à noite e ao dia em si... Como se costuma dizer: "cada maluco com a sua mania!. :)

Quanto ao livro só o posso recomendar, não só porque é muito mais do que um Conto de Natal, mas também porque é um bom conto de Natal, muito bem escrito e com um protagonista delicioso. Adorei o rabugento do Scrooge! :p

Boas Festas e Boas Leituras!

Excerto:
"‘Are there no prisons?’ asked Scrooge.
‘Plenty of prisons,’ said the gentleman, laying down the pen again.
‘And the Union workhouses?’ demanded Scrooge. ‘Are they still in operation?’
‘They are. Still,’ returned the gentleman, ‘I wish I could say they were not.’
‘The Treadmill and the Poor Law are in full vigour, then?’ said Scrooge.
‘Both very busy, sir.’
‘Oh! I was afraid, from what you said at first, that something had occurred to stop them in their useful course,’ said Scrooge. ‘I’m very glad to hear it.’
‘Under the impression that they scarcely furnish Christian cheer of mind or body to the multitude,’ returned the gentleman, ‘a few of us are endeavouring to raise a fund to buy the Poor some meat and drink. and means of warmth. We choose this time, because it is a time, of all others, when Want is keenly felt, and Abundance rejoices. What shall I put you down for?’
‘Nothing!’ Scrooge replied.
‘You wish to be anonymous?’
‘I wish to be left alone,’ said Scrooge. ‘Since you ask me what I wish, gentlemen, that is my answer. I don’t make merry myself at Christmas and I can’t afford to make idle people merry. I help to support the establishments I have mentioned — they cost enough; and those who are badly off must go there.’
‘Many can’t go there; and many would rather die.’
‘If they would rather die,’ said Scrooge, ‘they had better do it, and decrease the surplus population. Besides — excuse me — I don’t know that.’"

Notas:
Podem ver uma das adaptações desta obra de Dickens ao cinema, Scrooge, de 1935, aqui:
http://www.archive.org/details/Scrooge_855

Outras adaptações:
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_A_Christmas_Carol_adaptations

Sendo a mais recente a da Disney que conto ver em breve:

dezembro 24, 2011

Boas Festas!

O Quero Um Livro deseja a todos um Feliz Natal, repleto de Alegria, e que 2012 traga para todos apenas e só coisas boas!

Nenhuma mensagem de boas festas está completa sem o desejo de que, o ano de 2011 termine com leituras inesquecíveis e que, 2012 seja um ano de leituras memoráveis! :)

Divirtam-se!

dezembro 21, 2011

A Mosca da Morte - Patricia Cornwell

Título original: Blow Fly
Ano da edição original: 2003
Autor: Patricia Cornwell
Tradução: Lucinda Santos Silva
Editora: Editorial Presença

"Em O Último Reduto alguém planeou uma terrível cilada à médica-legista Kay Scarpetta e ela arriscou-se seriamente a ir parar ao banco dos réus. Na esperança de encontrar alguma paz, Scarpetta muda-se para a Florida dedicando-se agora à consultoria privada. Contudo, o passado insiste em cruzar-se com o presente quando Scarpetta recebe notícias de Jean-Baptiste Chandonne, um louco dado aos prazeres do assassínio em série, que foi condenado à pena de morte, e que exige falar com Scarpetta, alegando possuir valiosíssimas informações que a Polícia desejaria obter. Mas uma descoberta assombrosa fará com que Scarpetta se sinta traída e profundamente revoltada com aqueles que mais estima…Um thriller brilhante escrito pela mão de uma das maiores especialistas deste género literário."

Andava com vontade de ler um policial e, confiando na sinopse, vai de ler um "escrito pela mão de uma dos maiores especialistas" do género, que não estou para fazer a coisa por menos. :) Não foi espectacular mas também não foi mau, houve partes de que gostei bastante (tanto quanto consigo gostar de policiais) e outras que me aborreceram. Aspecto positivo: gostei mais do que estava à espera e descobri que até sou capaz de gostar daqueles policiais mais tradicionais, do género Agatha Christie, que não me lembro de alguma vez ter lido. :)

Acho que falar deste género de livros sem revelar, de fio a pavio, o que lá se passa, é muito complicado. Neste caso em particular, sinto uma dificuldade acrescida porque A Mosca da Morte faz parte de uma série de livros, onde a Drª Kay Scarpetta é a personagem central e, para quem siga a saga, todas as personagens são velhos conhecidos. Por isso a apresentação das personagens não é feita neste livro, estas acabam mesmo por ser pouco exploradas e a relação entre elas, para quem não leu os outros livros, é muitas vezes confusa e pouco aprofundada pela autora. Sinto que é como comentar um pequeno excerto de uma história que, no seu conjunto é, possivelmente (porque nunca li mais nada da autora) mais interessante.

Mas, de uma forma resumida, neste livro estamos em 2004, seis anos depois de Jean-Baptiste Chadonne ter sido preso e condenado à morte por ter morto dezenas de mulheres e ter tentado matar Kay Scarpetta por quem mantém, mesmo no corredor da morte, uma estranha obsessão. O irmão gémeo de Jean-Baptiste, Jay Talley que partilha com o irmão o gosto por torturar e matar mulheres e a obsessão por Scarpetta, é o homem mais procurado dos Estados Unidos e continua a sua procura insana pelo termo certo que defina o que as suas vítimas sentem.
Numa trama, mais ou menos complexa, Jean-Baptiste, que não tem qualquer intenção de morrer na prisão de alta segurança, pelo menos sem antes terminar o que iniciou com Scarpetta, desencadeia uma série de acontecimentos com consequências imprevisíveis.
Um pouco alheada do verdadeiro perigo que corre, Scarpetta não se apercebe daquilo que as pessoas que a rodeiam e amam são capazes de fazer para a proteger... inclusive regressar do mundo dos mortos. ;)

E não vale a pena acrescentar mais nada acerca desta história cujo tema subjacente parece ser a obsessão. :)

Resumindo e baralhando, achei o livro "morno". Inicialmente pareceu-me interessante, estava a gostar da escrita e da forma como a história se desenvolvia mas, a páginas tantas, dei por mim a achar que a história estava a ser esticada, sem grandes desenvolvimentos, senti-me um pouco perdida relativamente ao passado das personagens, às insinuações feitas sem que depois houvesse uma explicação ou um desenvolvimento no sentido de as enquadrar na história. Acredito que muita da minha estranheza não existiria se tivesse seguido a ordem correcta dos livros mas, a verdade é que só depois de terminar a leitura descobri que o livro fazia parte de uma série e, embora essa descoberta tenha acabado por dar algum sentido à minha estranheza, acabei por ter pena de o livro não fazer muito sentido separado dos outros.

Enfim, não recomendo o livro em si, mas acho que posso recomendar a leitura, respeitando a ordem de edição, da série dedicada à Drª Scarpetta, porque gostei bastante da escrita e as personagens devidamente enquadradas têm potencial.

Boas leituras!

Excerto:
"Observa a mulher. É um cordeiro. Na vida há apenas dois tipos de pessoas: lobos e cordeiros.
A determinação de Jay para descrever perfeitamente a forma como os seus cordeiros se sentem tornou-se uma busca imparável, obsessiva. (...)
Agacha-se no chão do barco e escuta a respiração rápida, débil, do seu cordeiro. Ela estremece quando o terramoto de horror (à falta do termo exacto) lhe sacode todas as moléculas, causando uma destruição insuportável.
(...)
- Qual é a palavra? Diz-me o que sentes. E não me respondas assustada. És professora, porra. Deves ter um vocabulário com mais de cinco palavras.
- Sinto... sinto aceitação - diz ela soluçando.
- Sentes o quê?
- Não me vai libertar - diz ela. - Já percebi."

dezembro 08, 2011

O Revisor - Ricardo Menéndez Salmón

Título original: El Corrector
Ano da edição original: 2009
Autor: Ricardo Menéndez Salmón
Tradução: Helena Pitta
Editora: Porto Editora

"Em 11 de Março de 2004, a história de um país denominado Espanha sofreu uma mudança irreversível. Este romance fala-nos desse dia terrível e, mais tarde, da sua reconstituição por um revisor de provas. Um revisor que é obrigado a corrigir os erros dos outros e que, naquele dia, tropeça numa errata incorrigível escrita no livro da realidade. Concebido como o testemunho de um cidadão comum, mas sobretudo como uma confissão de amor, O Revisor é uma homenagem àqueles que nos permitem manter o bom senso nos tempos de incerteza e um testemunho impressionante acerca do poder do amor nas suas diversas formas - a amizade, a paternidade, a sexualidade - como abrigo contra a inclemência da vida e contra as mentiras do Poder. Assim, se A Ofensa indagava a Segunda Guerra Mundial num cenário de História lida e interpretada, se Derrocada se interrogava, a propósito dos nossos medos, através da História intuída ou imaginada, O Revisor aproxima-se, sem rodeios, através do narrador implacável, da História vivida e protagonizada na primeira pessoa."

Terceiro e último volume da Trilogia do Mal de Ricardo Menéndez Salmón, composta por A Ofensa, Derrocada (ambos já aqui devidamente esmiuçados) e este O Revisor. A Trilogia do Mal valeu a RMS vários prémios e o reconhecimento como um dos mais promissores escritores espanhóis e depois de ter lido os três livros é fácil perceber o porquê. Eu fiquei fã... :)

O Revisor aborda, mais uma vez, o tema do Terror, da Maldade, focando-se no dia 11 de Março de 2004, o dia dos atentados em Espanha, levados a cabo pela Al-Qaeda. Na verdade este acontecimento serve apenas como justificação para a reflexão que é feita acerca do terror, da maldade mas, neste livro, principalmente sobre a inércia que tomou conta das sociedades ditas desenvolvidas, depois de os grandes conflitos terem terminado, nomeadamente com a queda da União Soviética. De repente não havia nada para temer, não havia um ideal comum pelo qual lutar, de repente temos tempo para nós, tornamo-nos individualistas e temos acesso a tudo o que sempre desejámos. Rodeamo-nos de coisas materiais e vamos deixando de pensar. A História é coisa do passado e aparentemente não lhe queremos acrescentar nada. Até ao dia em que nos lembram que existe vida para além daquilo que conseguimos vislumbrar do nosso quintal. Num instante passamos de um modo de vida apático, onde "a felicidade, que se nos impunha como um dever, não como um direito", é substituída pelo Medo. O medo é para a nossa época o "estandarte, o seu manancial de dor, o seu firmamento".

Vladimir é revisor de livros e no dia 11 de Março de 2004 está a trabalhar na revisão do Demónios de Dostoiévski quando é interrompido por Uribesalgo, o seu editor, que lhe dá a notícia dos atentados em Madrid. O livro decorre todo nesse fatídico dia 11, com algumas viagens ao passado e ao futuro. Vladimir coloca nestas páginas pensamentos perturbadores, como o de andarmos todos meio adormecidos e, só quando algo nos atinge, de forma mais directa, parecemos acordar para a vida. O facto de a televisão se ter tornado em muito mais do que uma janela para o mundo e ter passado a ser, para muitos de nós, uma forma de viver ou, antes uma forma de passarmos pela vida sem grandes percalços e chatices. Muitos de nós apenas conhecemos a morte que vemos na "caixinha mágica", não lhe conhecemos o cheiro e o que nos provoca é um ligeiro desconforto que depressa desaparece. Todos os dias somos bombardeados com a morte, aos milhares, na China ou em África e nem pestanejamos, no entanto, quando vemos o número de vítimas mortais do atentado a aumentar somos arrancados para fora da nossa zona de conforto e sentimos tudo como uma afronta pessoal. E achamos estranho que a vida continue e que nesse dia seja possível existirem gargalhadas.

O livro acaba por ser uma mescla dos pensamentos que vão passando pela cabeça de Vladimir. Como é que esse dia o afectou e aos que o rodeiam, a forma como ele vê todo aquele terror, as justificações que encontra para aliviar o seu próprio medo, ao mesmo tempo que se sente emocionalmente distante da dor do amigo Robayna, que vive em Madrid.

É um livro que se lê num ápice, com capítulos muito curtos é fácil manter um bom ritmo de leitura. À semelhança dos outros dois livros de RMS a escrita é muito envolvente e, numa história em que praticamente não acontece nada, não existiu um único momento de aborrecimento, antes pelo contrário, quando dei por mim estava a ler a última página.
Volto a frisar que RMS tem a extraordinária capacidade de escrever livros com o tamanho certo, nem uma página a mais nem a menos, apenas as suficientes para passar a mensagem. :)

Recomendo, não só este, mas toda a Trilogia do Mal!

Uma nota para o bom trabalho da Porto Editora com esta trilogia que, para além da indiscutível qualidade literária dos livros, apostou em edições de muita qualidade e a um preço extremamente acessível.

Boas leituras!

Excerto:
"Mas o problema íntimo que nos inquietava, aquele com que nos enfrentávamos ao redigirmos o rol dos nossos afãs e ao vermos os filhos dos nossos amigos transformados em espectros que percorriam apáticos as auto-estradas da informação, era nunca termos a certeza de que o que estávamos a ver, a comprar ou a comer fosse mais do que um holograma ou que uma flatulência cerebral; o problema, quando a história era só uma disciplina morta acerca da qual podíamos conversar em alguns ágapes e reuniões de diletantes, era já nessa altura, no auge da indolência, negligentes como chimpanzés, sermos frequentemente assaltados pela suspeita de que o nosso mundo era uma palavra escrita a giz numa parede húmida por um rapaz sem futuro."

dezembro 06, 2011

A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile - Gabriel García Márquez

Título original: La Aventura de Miguel Littín, Clandestino en Chile
Ano da edição original: 1986
Autor: Gabriel García Márquez
Tradução: Margarida Santiago
Editora: Publicações Dom Quixote (Colecção Autor Nobel - Revista Sábado)

"A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, conta-nos de uma forma magistral, a verdadeira história do realizador chileno que, proibido de entrar no seu país, aí filmou clandestinamente durante seis semanas. Este livro de Gabriel García Márquez é, pelo método de investigação e pelo carácter do material, uma reportagem. Mas acima de tudo é a reconstituição emocional de uma aventura muito mais íntima e comovedora. Uma obra ímpar, de leitura obrigatória."

Miguel Littín é um dos mais conceituados realizadores chilenos e que, por ser apoiante declarado de Salvador Allende, viveu exilado durante os anos da ditadura de Pinochet. Em 1985, após 12 anos no exílio, Miguel Littín, entrou clandestinamente no Chile, onde permaneceu seis semanas, durante as quais filmou o documentário "Acta General de Chile". Uma reportagem emocionada de um regresso à muito desejado e não satisfeito na totalidade por não poder ser ele próprio no seu país, continuando a sentir-se, de certa forma, exilado,
"embora ainda me encontrasse exilado dentro de mim próprio: usava uma identidade falsa, um passaporte falso e até uma esposa falsa".

Em A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile, Gabriel García Márquez relata essas seis semanas em que o realizador pôde passear pelo país, sentir a pulsação dos chilenos, o seu medo e a repressão existente, disfarçada, numa primeira impressão, pelo aparente progresso e prosperidade.
Esta primeira impressão assustou Littín, que sentiu, inclusive, algumas dúvidas acerca da veracidade dos relatos que chegavam a quem se encontrava longe do Chile,
"...ao contrário do que nos contavam no exílio, mostrava-se uma cidade resplandecente com os seus veneráveis monumentos iluminados, e as suas ruas limpas e em ordem."

Um olhar mais atento ao rosto dos chilenos revelou que na verdade o seu país tinha mudado e não para melhor,
"As almas estavam nos seus rostos sacudidos pelo vento gelado. Ninguém falava, ninguém olhava numa direcção definida, ninguém gesticulava nem sorria, ninguém fazia o menor gesto que traísse o seu estado de alma dentro dos casacos escuros, como se todos estivessem sozinhos numa cidade desconhecida."

E, depois de um período de adaptação à identidade que lhe permitiu regressar ao Chile e ao próprio país, Littín filma o seu documentário e vai-nos relatando os sustos, as aventuras, as alegrias e as peripécias que aconteceram nas seis semanas que permaneceu no Chile.
Achei deliciosas algumas passagens, como a do equívoco causado pela palavra "escanhoar", aparentemente caída em desuso nos 12 anos que Littín andou pela Europa.

Embora seja notória a influência de Gabriel García Márquez na forma como o relato de Miguel Littín chega até nós, a verdade é que pouco espaço há para a imaginação fértil do escritor e, por isso este não será um daqueles livros que nos deixam de alma cheia. É, à semelhança de outros que o autor tem publicados como o O Relato de um Náufrago (uma pequena pérola do García Márquez) ou Notícia de Um Sequestro, um livro que faz com que olhemos para factos históricos de uma forma diferente. Como já disse anteriormente, Gabriel García Márquez até uma lista de compras consegue tornar interessante e, tendo em conta que este livro nada tem a ver com listas de compras, o resultado só pode ser bom! :)

Embora de início me parecesse um pouco distante e sem que nada acontecesse realmente, apenas a sensação de que poderia acontecer alguma coisa que depois não se concretizava, ganha algum ritmo lá para o meio e no fim fechamos o livro com alguma pena. :)
Fiquei também, com curiosidade para ver o documentário que resultou desta aventura clandestina no Chile de Pinochet.

Recomendo, como não poderia deixar de ser.

Boas leituras! :)

Excerto:
"A sua memória multiplica-se em todos, nos velhos que votaram nele quatro vezes, nos que votaram três vezes, nos que o elegeram, nas crianças que só o conhecem pela tradição da memória histórica. Várias mulheres entrevistadas repetiram a mesma frase: «O único presidente que falou sobre os direitos da mulher foi Allende.» Porque quase nunca dizem o seu nome mas referem-se a ele como «o Presidente». Como se ainda o fosse, como se tivesse sido o único, com se estivessem à espera que regressasse. Mas o que perdura na memória das poblaciones não é tanto a sua imagem como a grandeza do seu pensamento humanista. «Não nos importa a casa nem a comida, mas sim que nos devolvam a dignidade», diziam. E concretizavam:
- A única coisa que queremos é o que nos tiraram: voz e voto."