maio 26, 2013

Praça de Londres - Lídia Jorge

Título original: Praça de Londres
Ano da edição original: 2008
Autor: Lídia Jorge
Editora: Publicações Dom Quixote

"Em Praça de Londres, reúnem-se 5 contos de Lídia Jorge.
Além do conto que dá o título à recolha, dela ainda fazem parte Rue du Rhône, Branca de Neve e Viagem para Dois, narrativas já antes publicadas.
O último conto, Perfume, é um inédito que a autora dedica ao realizador turco Yilmaz Güney, autor do filme Yol. Trata-se de uma espécie de réplica à história de amor que esse filme narra, transplantada para uma outra geografia humana.
Praça de Londres tem como subtítulo Cinco Contos Situados, por se tratar de narrativas inscritas em espaços urbanos reconhecíveis e por invocar instantes de vida marcantes, colhidos do quotidiano normal.
De um modo geral, o tom destas cinco narrativas oscila entre o intimista e o irónico. A questão da inocência e da perda é um dos temas que lhes dá unidade."

Lídia Jorge é uma escritora sobre a qual ainda não me consegui decidir. Gosto? Não gosto? É-me indiferente? Não sei... Li, há já alguns anos, O Vento Assobiando nas Gruas, e sou incapaz de dizer sobre o que é. Tenho ideia de uma personagem feminina um pouco estranha mas tudo o resto é uma névoa. Lembro-me que até gostei do livro, que o achei um pouco confuso, ou estranho, mas não fiquei com má impressão. O facto de não ter a certeza se li mais algum dela é a razão pela qual me sinto um pouco baralhada. Quase juro que já li O Vale da Paixão, mas a sinopse não me diz nada, absolutamente nada... Enfim, já passaram muitos anos e já sabemos que a memória nem sempre colabora, pelo que decidi que Praça de Londres vai passar a ser o meu primeiro livro de Lídia Jorge, o passado foi apagado (o pouco que ainda permanecia).

Praça de Londres é uma colectânea de pequenos contos. Cinco contos que têm como fio condutor o desejo e a perda.  O desejo de pertencer, de possuir, de triunfar, de sobressair. A perda da inocência, a perda de alguém e a descoberta de que a esperança é ultima a morrer, porque muitas vezes o que parece nem sempre é.

Gostei das histórias e da capacidade de Lídia Jorge fugir ao óbvio, a escrita não é linear, o que nos conta não é comum e as personagens são diferentes (no bom sentido). Para primeira incursão, consciente,  na obra de Lídia Jorge posso dizer que fiquei com vontade de ler algo mais elaborado, que lhe dê mais espaço para crescer. 

Gostei e recomendo. É uma leitura mais que agradável. :)

Excerto:
"Mínimo, o garoto disse-lhe - «Não tenha medo, dona, vamos aqui, abrigados na sombra do seu casaco...»
Maria da Graça recomeçou a andar.
«Na sombra do meu casaco...» - pensou. Como entre os atletas, no momento das corridas. O que vai na frente corta o ar, abriga os outros do frio ou do calor, facilita a vida aos de trás. Naquele caso, três crianças pouco enroupadas procuravam o cone de protecção criado pela aba do seu casaco para se abrigarem do vento frio. Então ela virou-se e viu que era, quatro. Quatro garotos desciam a Avenida EUA, à sobra do seu casaco. E ela pensou na impropriedade da palavra sombra, tão bem aplicada àquela realidade, pensou também na colorida linguagem das crianças, sempre a fazerem nascer as realidades pela primeira vez." 

maio 22, 2013

A Paixão de Maria Madalena (vol.1) - Margaret George

Título original: Mary Called Magdalene
Ano da edição original: 2002
Autor: Margaret George
Tradução: Paulo G. Silva
Editora: Saída de Emergência 

"Margaret George apresenta-nos o seu romance histórico mais ambicioso e envolvente: a história de Maria Madalena, a discípula e companheira de Jesus. Mas quem foi de facto esta mulher? Uma prostituta? uma representação do sagrado feminino? Uma líder da Igreja? Ou todas elas? Embora as referências bíblicas a Maria Madalena sejam surpreendentemente breves, continuam a provocar controvérsia, curiosidade e veneração. Conhece-se mais sobre ela do que a maioria dos discípulos de Cristo e ainda hoje é reverenciada como a "Apóstola dos Apóstolos". Brilhantemente sustentada em investigações históricas e bíblicas, Margaret George recria a vida de Maria Madalena. Da sua infância e adolescência como uma menina comum - com os seus sonhos, visões, erotismo e o encontro com Jesus - até à sua transformação numa mulher adulta e independente, que vive uma notável transformação espiritual. Em última instância, Maria Madalena transcende a história e a ficção para se transformar num "diário da alma", numa viagem que é pessoal mas também universal. A sua é uma história de fé e, como tal, Maria Madalena é a soma de todas as mulheres." 

Este é apenas o primeiro volume da vida de Maria Madalena que Margaret George se propôs contar. Este é também o primeiro livro que li desta escritora e, embora o tema e a abordagem sejam demasiado religiosas para o meu gosto pessoal, posso dizer que gostei da escrita dela e, fiquei com curiosidade para ler algo menos católico. Na realidade, o nome de Margaret George suscitou-me curiosidade por causa do livro (três volumes na edição portuguesa) As Memórias de Cleópatra que, pretendo ler um destes dias, acredito seja menos religioso que este sobre a vida de Maria Madalena, a mulher que amou Jesus.

O primeiro volume de A Paixão de Maria Madalena acompanha a vida de Maria desde a infância, onde se cruza com Jesus pela primeira vez, conta-nos o seu casamento com Joel, um homem bondoso e tolerante que a ama com sinceridade. Descreve-nos a sua luta contra os demónios que a atormentam e consomem desde miúda e o seu reencontro com Jesus de Nazaré, que havia começado recentemente a cumprir o seu destino. Infelizmente os demónios que atormentam Maria foram também um dos responsáveis pela minha crescente impaciência com a história... Eu sei que naquela época histórias de pessoas possuídas eram comuns e todos acreditavam ser possível um demónio apoderar-se do corpo de alguém e toldar-lhe as vontades e o pensamento. Nesse aspecto não vejo qualquer problema com o facto de se falar nisso. O que me deixou impaciente foi o facto de o corpo de Maria parecer uma pensão barata onde todos os demónios entravam sem pré-aviso e o facto de a história nos ser contada como sendo credível e ninguém encarar o problema de uma outra qualquer perspectiva, como considerar a hipótese de um esgotamento nervoso (conceito talvez demasiado avançado para a época), uma doença mental, sei lá, qualquer coisa menos risível...
Para além das referências demoníacas que achei serem demasiadas, tornando a história, para mim pouco credível, não achei grande piada a Jesus... Estava à espera de uma personagem mais carismática, mais envolvente, mais marcante, não só pela figura histórica que é, mas principalmente pelo inquestionável potencial literário que tem. Acho que não gostei muito do Jesus de Margaret George porque, se fosse conterrânea dele e o ouvisse pregar tenho a certeza de que não seria um dos seus apóstolos... Julgo que Margaret George não conseguiu transmitir para o papel o magnetismo que ele teria. Se nada soubesse sobre a vida de Cristo (e sei apenas o básico) este não teria sido o livro que me teria convertido ao catolicismo porque tudo o que este Jesus sabe fazer é curar os desgraçados e mandar demónios irem pregar para outra freguesia! Impressionante? Sim. É suficiente? Para mim nem por isso.

Estes foram os aspectos menos bons que, para mim me aborreceram, e fizeram distrair da personagem de Maria que essa sim está bem conseguida. Forte, determinada, inteligente e humana que a ter sido enquadrada num outro cenário poderia ter sido uma personagem memorável.

Acho que este foi o livro de oferta a que tive direito quando mandei vir outros três da Saída de Emergência por isso não tinha grandes expectativas relativamente a ele, principalmente pelo tema religioso. No entanto, não deixei de ter alguma pena que a abordagem não tivesse sido outra, menos literal umas vezes, mais literária outras vezes. Não estava à espera de um Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago, mas nesse caso seria certo que iria ler o segundo volume, coisa que não estou muito certa que venha a acontecer com este. Ainda se não soubesse como acaba... :p

Começo a perceber que livros sobre religião não são para mim, principalmente sobre o judaísmo. Demasiados rituais, proibições e castrações para a minha (in)sensibilidade religiosa. Como não conheço a religião nem nenhum judeu, não a vou julgar pelo que leio em romances, mas a forma como são descritos não é nada favorável...
A escritora conseguiu captar bem o ambiente e a forma como as pessoas viviam na época, o que torna o livro, nesse aspecto, interessante. Não é mau, longe disso, acho que é normal... sem grandes rasgos de criatividade ou originalidade. Aliado ao tema que não me seduz, o livro para mim não resultou.
Recomendo? Não posso recomendar um livro que ainda não li todo, muito menos um que não tenho vontade de continuar a ler. No entanto, acredito que será do agrado de muito boa gente, gente mais iluminada que eu, claro! 

Boas leituras!

Excerto:
"Quase deu um grito, mas conseguiu abafá-lo. Estendeu os braços e olhou para as marcas. Pareciam arranhões feitos por espinhos. Tentou relembrar-se de tudo o que fizera no dia anterior. Seria possível que tivesse chegado perto de cardos? Ou ter-se-ia tornado sonâmbula? Já tinha havido na cidade o caso de um menino que caminhava a dormir; saía a andar, em plena noite, e na manhã seguinte não se lembrava de nada. Os seus pais tiveram de o amarrar à cama para evitar que saísse para a rua. Ficava apavorada só de pensar que poderia ter saído de casa, desprevenida e exposta aos perigos."

maio 02, 2013

O Homem Lento - J. M. Coetzee

Título original: Slow Man
Ano da edição original: 2005
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações Dom Quixote

"Neste romance, Coetzee oferece-nos uma profunda meditação sobre o que faz de nos humanos e o que significa envelhecer, reflectindo no modo como vivemos as nossas vidas.
Como todas as grandes obras literárias, O Homem Lento levanta questões mas raramente oferece respostas. Em consequência de um acidente, Paul Rayment altera a perspectiva que tem da vida e começa a dedicar-se ao género de preocupações universais que nos definem a todos: O que significa fazer o bem? O que é que nas nossas vidas é, em última análise significativo? É mais importante que alguém nos ame ou que alguém se interesse por nós? Como definimos o local a que chamamos "casa"?
Na sua voz lúcida e firme, Coetzee debate-se com estas problemáticas. O resultado é uma história profundamente comovedora, sobre o amor e a mortalidade, que deslumbra o leitor a cada página." 

Agora que a Feira do Livro deste ano se aproxima a passos largos, chegou a altura de ler os livros que foram comprados o ano passado. O Homem Lento do Coetzee foi um dos que veio para casa comigo, deixando para trás tantos e tantos livros por ler...

Gosto de Coetzee, gosto da forma como conta uma história e de como constrói as personagens.
Deste, O Homem Lento, não gostei tanto... A verdade é que até estava a gostar, mas a "aparição" de Elizabeth Costello deixou-me um pouco confusa e o livro tornou-se estranho. Achei a personagem pouco credível e a forma com foi introduzida na história despropositada. O livro acabou por não ser bem aquilo que eu estava à espera, no entanto, não dei o meu tempo por desperdiçado, porque, tirando Elizabeth Costello, com quem confesso ter embirrado um pouco, as restantes personagens são interessantes e, à semelhança do que aconteceu com outros livros que li do mesmo autor (No Coração desta Terra e A Idade do Ferro, já comentados aqui e aqui), a personagem principal, Paul Rayment, está muito bem construída.

Rayment é um sexagenário divorciado e sem filhos, que num dos seus passeios diários de bicicleta vê a sua vida mudar por completo ao ser abalroado por um carro. O acidente não o mata, mas como consequência do mesmo é-lhe amputada uma perna e alguma da sua vontade de viver desaparece.
Sem família que o possa ajudar nesta fase da sua vida, Paul começa a questionar até que ponto, ao longo da sua vida, fez as melhores escolhas e se ainda vai a tempo de corrigir algumas delas.
O Homem Lento conta a história de Paul Raymen, mas poderia ser a história de outro idoso qualquer, dos muitos que chegam à terceira idade sozinhos, porque nunca lhes passou pela cabeça poderem vir a precisar de alguém para além deles próprios.
É a história de um homem que, com mais de sessenta anos se vê obrigado a aprender a viver com limitações físicas, dependente dos outros, de estranhos condescendentes que o tratam como um mentecapto. O ajustamento a um mundo que aparentemente já não lhe reconhece utilidade possível é difícil e doloroso. A resistência à mudança por parte dele é grande o que dificulta, e muito, a convivência dos outros com ele. A ideia de se suicidar ronda-o permanentemente, até ao dia em que conhece Marijana, a enfermeira croata, contratada para o ajudar na adaptação deste à sua nova vida. Marijana é a primeira pessoa, depois do acidente a tratá-lo com respeito, sem condescendência, de forma profissional. Esta mulher dos balcãs, para além da ansiada dignidade, traz a Rayment e à sua vida empoeirada, uma lufada de ar fresco.


O Homem Lento é, literalmente Paul Rayment, que lentamente vai procurar encontrar o seu lugar no mundo, tentando deixar para a história mais do que uma invejável colecção de velhas fotografias, a serem expostas, depois da sua morte. Rayment quer ser recordado com carinho, quer que alguém lhe sinta a falta. Quem não deseja o mesmo? :)

Este é um livro, como muito bem diz a sinopse, que levanta uma série de questões, relacionadas com o envelhecimento, com a solidão na terceira idade, com o amor interessado ou desinteressado, com o sentimento de pertença a um sítio ou a alguém, com a vontade de fazer o bem, de sentir que toda a nossa vida teve significado, não tendo sido uma mera passagem.

Gostei da história, gostei das ideias e das reflexões que levanta, gostei das personagens, mas de uma forma geral, se este tivesse sido o meu primeiro livro de Coetzee talvez não tivesse ficado tão impressionada com o escritor, como fiquei depois de ler No Coração desta Terra.
Conhecendo um pouco o escritor, consigo apreciar até as suas obras menos inspiradas e por isso, este foi um livro que me fez companhia e que me deu gozo ler. Desta forma só o posso recomendar!

Boas leituras!

Nota: Aparentemente Elizabeth Costello, a personagem com quem embirrei, é uma repetente nas obras de Coetzee. Existe um livro intitulado Elizabeth Costello que, a ter sido lido primeiro me poderia ter ajudado a enquadrar a forma intempestiva com que esta invade a vida de Paul Rayment. Talvez um dia o leia...

Excerto:
"Dirá alguma coisa sobre ele, essa preferência nata preto e branco e matizes de cinzento, essa falta de interesse pelo novo? Seria disso que as mulheres sentiam a falta nele, em particular a sua mulher: cor, abertura?
A história que contou a Marijana foi que guardava fotografias antigas por fidelidade aos seus objectos, os homens, mulheres e crianças que ofereciam os seus corpos à lente do estranho. Mas isso não é a verdade integral. Guarda-as por fidelidade às fotografias em si, às reproduções fotográficas, a maioria delas sobreviventes, únicas. Dá-lhes um bom lar e vela, tanto quanto consegue, tanto quanto alguém pode, por que elas tenham um bom lar depois de ele desaparecer. Talvez, por seu turno, algum estranho ainda por nascer vá rebuscar o passado e guarde uma fotografia sua, do extinto Rayment da Doação Rayment."