dezembro 26, 2016

Uma Questão de Classe - Joanne Harris

Título original: Different Class
Ano da edição original: 2016
Autor: Joanne Harris
Tradução do Inglês: Elsa T. S. Vieira
Editora: Edições Asa

"A vaga de modernidade parece imparável e inclui a admissão de raparigas, novas tecnologias, uma possível "fusão" com um colégio feminino, e até um novo diretor. É por esse motivo que Roy Straitley, o excêntrico professor de Latim, decide adiar a sua reforma. Há mais de trinta anos que Straitley dá aulas em St. Oswald, onde ele próprio estudou. Para ele, a escola é o seu lar e a sua vida. Enquanto faz os possíveis para manter a tradição, o professor descobre que o novo diretor é nada mais nada menos que um ex-aluno seu, um rapaz cuja memória nunca deixou de o atormentar. E que representa agora uma ameaça que apenas Straitley consegue antever. Pois o novo diretor é admirado por todos. Mas por entre o pó de giz que cintila sob o sol de Outono e o ranger das tábuas do soalho ancestral, há sombras que se agitam...  e alguém que aguarda o momento certo para ajustar contas com o passado."

Em Uma Questão de Classe, voltamos a St. Oswald uns meses depois dos acontecimentos de Xeque ao Rei. Roy Straitley, o professor de latim, prepara-se para mais um ano lectivo e está motivado para ajudar o colégio a ultrapassar mais um escândalo.

No entanto, este ano lectivo parece ter preparado para ele um regresso ao passado, com a notícia de que um ex-aluno de St. Oswald é o novo diretor do centenário colégio. Straitley lembra-se bem demais deste ex-aluno e as memórias que tem do tempo em que, o agora diretor, frequentou o colégio são-lhe dolorosas e difíceis de reviver. Para além disso, esta mudança parece trazer mais mudanças à vida do colégio. O progresso parece querer tomar de assalto as tradições de St. Oswald e o velho professor de latim não parece estar disposto a ser ultrapassado sem dar luta e defender aquilo que acha ser o melhor para a instituição que foi, é e sempre será a sua casa.

Uma Questão de Classe fala de homossexualidade, de pedofilia, de fanatismo religioso e de mentes distorcidas e doentias. Mistura explosiva? Com certeza que sim.
Também fala de tradição e progresso e do preço de cada uma delas. Fala de adolescência e do difícil que pode ser ser-se diferente num mundo pouco tolerante à diferença.

E basicamente é isto.

Xeque ao Rei é um dos livros, de Joanne Harris, de que gosto muito. É natural que as minhas expectativas para este regresso a St. Oswald fossem elevadas. E não foram defraudadas. É um livro ao estilo Joanne Harris, que segue a receita de Xeque ao Rei, com um twist mais para o fim. :)
Pessoalmente, talvez tenha sentido falta de uma personagem feminina forte que a escritora tão bem sabe criar.

Embora continue a gostar muito de Joanne Harris, este últimos livros dela têm sido menos envolventes. Só não sei se foi ela que mudou como escritora ou se fui eu que mudei como leitora. O que quer que tenha mudado nesta nossa relação de tanto anos, uma coisa é certa, haveremos de nos alinhar novamente. :)

Recomendo, como não poderia deixar de ser.

Boas leituras!

Excerto (pág. 158):
"Ele parecia inseguro.
 - Oiçam, está na Bíblia - disse-lhes. - O salário do pecado é a morte. Certo?
O Goldie assentiu com a cabeça. O Caniche também.
 - E ser maricas é pecado, certo?
O Caniche soltou um som estrangulado.
 - É por isso que precisamos de um sacrifício. Para limpar o pecado - expliquei. - Está tudo na Bíblia. O sangue do cordeiro. Ele deu a sua vida para que nós possamos viver.
Acabei por ser eu a fazer a maior parte do trabalho. O Goldie, contudo, disse as palavras; não ia deixá-lo escapar-se sem ter pelo menos um pequeno papel. O Caniche chorou um bocadinho quando o fiz pôr a mão na ratoeira mas, como expliquei, precisávamos que ele estabelecesse contacto. E o Goldie sempre foi um tagarela, tal como o seu pai pregador, na verdade. Assim que lhe expliquei o que era preciso, conseguiu cumprir a sua parte.
 - Este homem foi infectado com o demónio da homossexualidade. Sai dele, demónio imundo; entra na alma desta ratazana e liberta o teu humilde servo.
Nesta altura, o Caniche estava a chorar a bom chorar. Suponho que eram os demónios. Ou talvez fosse apenas alívio; o alívio de partilhar o fardo, de alguém o estar a livrar dele. Sei como isso é, Ratinho. Tu também sabes, não sabes? É bom confessar a alguém, mesmo que a pessoa já esteja morta. Especialmente se já estiver morta - assim, ninguém dá com a língua nos dentes.
Depois afoguei a ratazana, ainda dentro da ratoeira.
Bem, resultou com os gadarenos."

dezembro 07, 2016

A Prayer for Owen Meany - John Irving

Título original: A Prayer for Owen Meany
Ano da edição original: 1989
Autor: John Irving 
Editora: Harper

"«I am doomed to remember a boy with a wrecked voice not because of his voice, or because he was the smallest person I ever knew, or even because he was the instrument of my mother's death, but because he is the reason I believe in God; I am a Christian because of Owen Meany.» In the summer of 1953, two eleven-year-old boys - best friends - are playing in a Little League baseball game in Gravesend, New Hampshire. One of the boys hits a foul ball that kills the other boy's mother. The boy who hits de ball doesn't believe in accidents; Owen Meany believes he is God's instrument. What happens to Owen, after that 1953 foul ball, is extraordinary."

John Irving é um dos meus escritores favoritos, não é segredo. Gosto particularmente da forma como nos permite acompanhar a vida das personagens, desde que nascem até ao dia em que morrem. Também gosto do sentido de humor que está presente em todos os livros que já li dele.

Este, A Prayer for Owen Meany, não me encheu as medidas e sinto que estou a cometer, quase uma heresia, porque as opiniões que tenho lido são todas tão boas que sinceramente fico um pouco constrangida. Para mim, neste livro, John Irving alongou-se demais, e sinto que o livro se tornou um pouco repetitivo. Por outro lado, não senti qualquer empatia com Owen Meany. Não sei se estava à espera que ele fosse mais "adorável", o que também não faz muito sentido, conhecendo John Irving, dificilmente Owen seria "adorável". Isto, aliado ao tema da fé e da religião, fez com que este livro, não me tivesse tocado particularmente. Não me identifiquei com o tema, com as personagens e com as sua angustias e julgo que foi, essencialmente por isso, que não me encheu as medidas.

No que à história diz respeito, não há muito a acrescentar ao que já é dito na sinopse.
O narrador desta história fantástica, quase uma versão alternativa da vida de Cristo, é John Wheelwright o melhor amigo de Owen Meany. John é neto da mulher mais rica e respeitada de Gravesend, New Hampshire e Owen é filho do dono de uma pedreira da cidade. John é um miúdo normal, sem nada que o destaque das outras crianças, a não ser o facto de não saber quem é o seu pai. Owen é a pessoa mais pequena que Gravesend conhece, possui uma voz estridente, é inteligente e é a pessoa mais obstinada e tenaz que John alguma vez conheceu ou viria a conhecer na sua vida. A história gira à volta destes dois e da amizade que os une, mesmo depois de Owen ter, acidentalmente, morto a mãe de John num jogo de basebol.
Owen acredita que Deus tem uma missão para ele, missão essa que lhe é revelada num sonho recorrente. Depois de, durante a peça de Natal onde faz de menino Jesus, ter uma visão, onde vê a sua lápide com o dia e ano em que morreu, Owen passa a ter a certeza de que sabe onde, quando e como vai morrer. John não acredita em nada do que o amigo diz e faz tudo para o convencer de que é apenas um sonho.
A verdade é que Owen passa a viver em função daquilo que julga ser certo e imutável. Prepara-se para aquele dia, fazendo tudo para estar onde acha que Deus lhe disse para estar naquele dia. Até que ponto é ele quem provoca a sua morte? Até que ponto poderia ter sido diferente? Não sabemos. Ninguém sabe e ninguém pode saber.
John, quase sem se aperceber é absorvido pela força de Owen. Tudo aquilo que conquista e todas as suas escolhas acabam por ser condicionadas por Owen, que parece saber exactamente por onde John deve seguir e o que é melhor para amigo. Quase que deixa tudo preparado e encaminhado para que John não se perca depois de ele morrer. E John não se perde, mas também não avança muito, preso a uma personagem inesquecível e a uma história difícil de acreditar. É agora crente mas, como São Tomé, precisou de ver para crer.

E, sem entrar em mais pormenores, é isto.

Embora tenha sido um livro que me pareceu longo demais, lê-se relativamente bem. Tem o cunho de John Irving espalhado pelas páginas, no entanto, para mim não tem John Irving suficiente. Não posso, no entanto, não recomendar a leitura. Acho que, embora não sendo um livro para toda a gente, é um livro que vale a pena ler.

Boas leituras!

Excerto (pág. 79):
"And so that day after Thanksgiving, when Owen Meany met my cousins, provided me two very powerful images of Owen - especially on the night I tried to get to sleep after the foul ball had killed my mother. I lay in bed knowing that Owen would be thinking about my mother, too, and that he would be thinking not only of me but also of Dan Needham - of how much we both would miss her - and if Owen was thinking of Dan, I knew that he would be thinking about the armadillo too."


Este foi uma das histórias de John Irving que serviu de inspiração ao cinema - Simon Birch. Fica aqui o trailer: