maio 16, 2017

No Silêncio de Deus - Patrícia Reis

Título original: No Silêncio de Deus
Ano de edição: 2008
Autor: Patrícia Reis
Editora: Publicações Dom Quixote

"Um escritor descobre que está a morrer.
Uma jornalista tenta desvendá-lo.
Ambos procuram redenção.
Encenam uma fuga à realidade.
Três cidades: Lisboa, Jerusalém, Amesterdão.
E ainda uma prostituta, um barman, um médico homeopata.
A possibilidade da salvação e a procura da humanidade.
As falhas de cada um. O passado como identidade. Um fado.
Vários livros. Dor e consternação.
No fim, sem medo, uma ideia melhor."

Mais um livro de Patrícia Reis que se lê num ápice, na já habitual escrita leve e envolvente que tem caracterizado todos os livros que já li dela.
Mais uma vez uma história triste ou, pensando melhor, uma história que tem tudo para nos deixar tristes e, no entanto, não é essa a imagem que fica quando chegamos à última página e Manuel Guerra pede "Esqueçam-se de mim."
Manuel é um escritor de meia idade, muito respeitado, a quem é diagnosticado um cancro. Viúvo e solitário, afastado do único filho que teve com Ana Luísa, a mulher que tinha como certa, até ao dia em que morreu e se apercebeu do quanto gostava dela e do quanto iria sentir a sua falta. Um dia, numa das suas deambulações pelas ruas de Lisboa é atraído para uma agência de viagens. Entra e pede uma viagem para Amesterdão. Porquê Amesterdão? Porque sim, porque lhe soou bem. Parte, no dia seguinte, sem bilhete de regresso. Sozinho e sem avisar ninguém. Quem iria avisar? Apenas o seu editor parece preocupar-se com ele... mais ninguém dará pela sua falta.

Sara é uma jovem jornalista, filha de uma judia neurótica e cada vez mais embrenhada na loucura, e de um português ternurento que a faz rir. Sara mantém uma relação muito distante com a mãe e foi praticamente criada pelo pai, que viu, recentemente, definhar no IPO de Lisboa.

Sara e Manuel conhecem-se em Lisboa, antes de ele partir para Amesterdão, quando Sara lhe faz uma entrevista. Voltam a cruzar-se em Amesterdão quando Manuel já lá está há uns meses e Sara regressa de uma viagem a Israel onde foi à procura das suas raízes.

O livro é feito por estes dois, Sara e Manuel. Ela procura uma forma de viver sem angústias, menos sozinha e ele procura morrer em paz e sozinho, sem dramas. Ambos questionam e têm questionado, ao longo das suas vidas, o estrondoso silêncio de Deus nas suas vidas.

Gostei do livro. Normalmente tendo a gostar mais das personagens femininas, no entanto, neste gostei muito do Manuel e da forma como parece encarar a vida e a morte. Todas as partes que são narradas por ele transmitem uma certeza sobre o seu passado, presente e futuro. Como se a certeza da morte próxima lhe trouxesse uma nova clarividência e uma nova forma de encarar a vida.

Gostei e recomendo, porque a história é boa, a escrita melhor ainda e vale sempre a pena ler Patrícia Reis.

Boas leituras! 

Excerto (pág. 177):
"No carro, já com o motor a fazer barulho, fechei as portas num gesto de protecção que me pareceu feminino e senti as lágrimas a nascerem no estômago. Pena de mim, do mundo que terá de continua sem mim, da solidão de estar sozinho num carro que não me afaga. Na rádio Tony Bennett canta Put on a Happy Face e Deus tem um sentido de humor infame e deve ser esse lado misterioso e cruel que atrai multidões, não é? A certeza de que todas as dores do mundo nada serão comparadas com a ira de Deus. Ele será, sempre, maior e imprevisível. É reconfortante não ter essa crença, não ter essa bóia. Só sou eu e o meu cancro, a minha próstata que já não é do tamanho de uma avelã, em forma de bolo açucarado, americano. Também a próstata é uma invenção dos americanos. Patente registada a confirmar a solenidade da descoberta. (...) Se Ana Luísa fosse viva está coisa que existe em mim teria uma dimensão de morte em nada comparável com o resto, seja o resto o que for. Agora não faz diferença."