Ano da edição original: 2006
Autor: Isabel Allende
Tradução do francês: Ana Mendes Lopes
Editora: Difel
Autor: Isabel Allende
Tradução do francês: Ana Mendes Lopes
Editora: Difel
"«Suponho que venham a colocar estátuas da minha pessoa nas praças, e haverá, por certo, ruas e cidades com o meu nome, tal como as haverá também com o nome de Pedro Valdivia e outros conquistadores, mas as centenas de mulheres que tanto se esforçaram por fundar as cidades, enquanto os seus maridos lutavam, serão, quase de certeza, esquecidas.»
Inés Suárez é uma jovem e humilde costureira, oriunda da Extremadura, que embarca em direcção ao Novo Mundo para procurar o marido, extraviado com os seus sonhos de glória do outro lado do Atlântico. Anseia também por viver uma vida de aventuras, vedada às mulheres na pacata sociedade do século XVI. Na América, Inés não encontra o marido, mas sim uma grande paixão: Pedro de Valdivia, mestre-de-campo de Francisco Pizarro, ao lado de quem Inés enfrenta os riscos e as incertezas da conquista e fundação do reino do Chile.
Neste romance épico, a força do amor concede uma trégua à rudeza, à violência e à crueldade de um momento histórico inesquecível. Através da mão de Isabel Allende confirma-se que a realidade pode ser tão ou mais surpreendente que a melhor ficção, e igualmente cativante."
Isabel Allende raramente desilude e por isso, quando decido ler mais um livro dela sei que vão ser horas bem passadas. Não existem expectativas a gerir, uma vez que é quase garantido que o livro vai ser bom. Inés da Minha Alma é assim, um livro de Isabel Allende que cumpre em todas as vertentes aquilo que se espera desta escritora. Pode até não ser o seu melhor livro mesmo que a época retratada seja fascinante, as personagens cativantes e a história envolvente, não achei este o seu livro mais inspirado. No entanto, é sem qualquer dúvida, um livro que valeu cada segundo que lhe foi dedicado.
O livro relata a história de Inés Suárez, a conquistadora do Chile. Inés Suárez nasceu na Extremadura, em Espanha, de origens humildes, nunca poderia adivinhar que a vida lhe reservava muito mais do que a costura e um casamento mais ou menos feliz.
Quando o marido parte na aventura da descoberta do Novo Mundo, as novas terras conquistadas pelos espanhóis, no outro lado do atlântico, Inés fica, como qualquer esposa da época, à espera do seu regresso ou do anúncio da sua morte. Cansada de esperar por uma coisa ou pela outra, Inés decide aproveitar a oportunidade de cortar com a vida que leva, parte em busca de notícias do marido e embarca num navio que a leva até ao Peru, a mais recente jóia da coroa espanhola. No entanto, não é tanto a busca do marido que a move, e sim a oportunidade de ser mais do que uma humilde costureira, ao recomeçar uma nova vida numa sociedade em construção onde, até as mulheres tem a possibilidade de se sentirem úteis.
Seguindo o rasto do marido, acaba por conhecer o homem que lhe vai mudar a vida, Pedro de Valdivia, com quem parte na conquista do Chile, terra até então inconquistável devido à tenacidade das tribos Mapuche que lá habitavam. Os mapuche eram considerados uma das tribos mais combativas e menos "domesticáveis" de todo o Novo Mundo. Juntos, Inés e Pedro, fundam a primeira cidade do Chile, Santiago e nela iniciam o sonho de construir uma sociedade justa (para os padrões da época), onde os seus habitantes dessem mais importância à fertilidade da terra, ao clima ameno e à beleza da paisagem, em vez de correrem, como loucas atrás do ouro e da prata, abundantes nas regiões conquistadas e muito procurados por aquelas bandas.
Para além da ambição do ouro e da prata, a única coisa que impedia o sonho dos dois de se tornar realidade eram os índios Mapuche, que se recusavam a render, a ser colonizados, recusavam entregar as suas terras e ser evangelizados, e que eram incapazes de perceber como é que os homens barbudos davam mais importância ao ouro e à prata e tão pouca importância à liberdade. Lutaram de forma feroz, suicida, com armas incapazes de derrotar o metal dos europeus, lutaram de forma instintiva, sem qualquer estratégia. Não fossem eles tantos e, provavelmente deles não rezaria a história.
São impressionantes as descrições das batalhas e da forma como os índios, não só os mapuche do Chile, mas todos os colonos das terras conquistadas, eram tratados. A forma como "nós", os Europeus entrámos pelas terras deles, e lhes alterámos a forma de vida, impondo regras e crenças que não conseguiam compreender e das quais não precisavam.
Foi muitas vezes desconfortável ler algumas opiniões, algumas formas de pensar da época, mesmo contextualizado e tentando não ver à luz dos nossos dias, foi muitas vezes revoltante a forma como exaltamos algo que tanto sofrimento trouxe a outros seres humanos. Este livro acaba por ser um misto de sentimentos, porque se por um lado sentimos um grande orgulho na mulher que ajudou a fundar o Chile, que lutou ao lado dos homens e que teve um papel tão ou mais importante que estes, por outro, não deixamos de nos sentir chocados pelo preço que foi infligido aos índios. Se por um lado reconhecemos em Inés e em Pedro, um bom coração, inteligência e muita coragem, por serem duas pessoas que tinham uma forma de pensar diferente da maioria, não podemos, por outro lado, deixar de sentir uma impotência grande porque, em abono da verdade, não havia outra forma de conquistar novos mundos, sem ser com sangue e sacrifício de vidas humanas. Que mundo seria o nosso se todos os povos conquistadores não tivessem aniquilado a cultura e a história dos povos conquistados? É impossível saber...
Gostei bastante do livro, principalmente da história. Acho que Isabel Allende consegue criar, no leitor, este desconforto por fazermos, quer queiramos quer não, parte dos conquistadores, beneficiando até hoje dessas conquistas, que agora nos parecem tão aberrantes. O livro é lido tendo sempre presente esta ambivalência dos sentimentos e da nossa consciência colectiva.
Gostei das personagens, mais uma vez Isabel Allende apresenta-nos uma personagem feminina muito forte, uma autêntica guerreira, sem ser uma amazona e sem perder aquelas características que nos tornam a nós, mulheres, de uma forma ou de outra, semelhantes. Gostei de Inés Suárez, mais ainda sabendo que é uma personagem real, e das restantes personagens.
Recomendo vivamente, não só por ser Isabel Allende, mas porque é mesmo um livro interessante.
Boas leituras!
Excerto:
Quando o marido parte na aventura da descoberta do Novo Mundo, as novas terras conquistadas pelos espanhóis, no outro lado do atlântico, Inés fica, como qualquer esposa da época, à espera do seu regresso ou do anúncio da sua morte. Cansada de esperar por uma coisa ou pela outra, Inés decide aproveitar a oportunidade de cortar com a vida que leva, parte em busca de notícias do marido e embarca num navio que a leva até ao Peru, a mais recente jóia da coroa espanhola. No entanto, não é tanto a busca do marido que a move, e sim a oportunidade de ser mais do que uma humilde costureira, ao recomeçar uma nova vida numa sociedade em construção onde, até as mulheres tem a possibilidade de se sentirem úteis.
Seguindo o rasto do marido, acaba por conhecer o homem que lhe vai mudar a vida, Pedro de Valdivia, com quem parte na conquista do Chile, terra até então inconquistável devido à tenacidade das tribos Mapuche que lá habitavam. Os mapuche eram considerados uma das tribos mais combativas e menos "domesticáveis" de todo o Novo Mundo. Juntos, Inés e Pedro, fundam a primeira cidade do Chile, Santiago e nela iniciam o sonho de construir uma sociedade justa (para os padrões da época), onde os seus habitantes dessem mais importância à fertilidade da terra, ao clima ameno e à beleza da paisagem, em vez de correrem, como loucas atrás do ouro e da prata, abundantes nas regiões conquistadas e muito procurados por aquelas bandas.
Para além da ambição do ouro e da prata, a única coisa que impedia o sonho dos dois de se tornar realidade eram os índios Mapuche, que se recusavam a render, a ser colonizados, recusavam entregar as suas terras e ser evangelizados, e que eram incapazes de perceber como é que os homens barbudos davam mais importância ao ouro e à prata e tão pouca importância à liberdade. Lutaram de forma feroz, suicida, com armas incapazes de derrotar o metal dos europeus, lutaram de forma instintiva, sem qualquer estratégia. Não fossem eles tantos e, provavelmente deles não rezaria a história.
São impressionantes as descrições das batalhas e da forma como os índios, não só os mapuche do Chile, mas todos os colonos das terras conquistadas, eram tratados. A forma como "nós", os Europeus entrámos pelas terras deles, e lhes alterámos a forma de vida, impondo regras e crenças que não conseguiam compreender e das quais não precisavam.
Foi muitas vezes desconfortável ler algumas opiniões, algumas formas de pensar da época, mesmo contextualizado e tentando não ver à luz dos nossos dias, foi muitas vezes revoltante a forma como exaltamos algo que tanto sofrimento trouxe a outros seres humanos. Este livro acaba por ser um misto de sentimentos, porque se por um lado sentimos um grande orgulho na mulher que ajudou a fundar o Chile, que lutou ao lado dos homens e que teve um papel tão ou mais importante que estes, por outro, não deixamos de nos sentir chocados pelo preço que foi infligido aos índios. Se por um lado reconhecemos em Inés e em Pedro, um bom coração, inteligência e muita coragem, por serem duas pessoas que tinham uma forma de pensar diferente da maioria, não podemos, por outro lado, deixar de sentir uma impotência grande porque, em abono da verdade, não havia outra forma de conquistar novos mundos, sem ser com sangue e sacrifício de vidas humanas. Que mundo seria o nosso se todos os povos conquistadores não tivessem aniquilado a cultura e a história dos povos conquistados? É impossível saber...
Gostei bastante do livro, principalmente da história. Acho que Isabel Allende consegue criar, no leitor, este desconforto por fazermos, quer queiramos quer não, parte dos conquistadores, beneficiando até hoje dessas conquistas, que agora nos parecem tão aberrantes. O livro é lido tendo sempre presente esta ambivalência dos sentimentos e da nossa consciência colectiva.
Gostei das personagens, mais uma vez Isabel Allende apresenta-nos uma personagem feminina muito forte, uma autêntica guerreira, sem ser uma amazona e sem perder aquelas características que nos tornam a nós, mulheres, de uma forma ou de outra, semelhantes. Gostei de Inés Suárez, mais ainda sabendo que é uma personagem real, e das restantes personagens.
Recomendo vivamente, não só por ser Isabel Allende, mas porque é mesmo um livro interessante.
Boas leituras!
Excerto:
"Quando chegámos ao Chile nada sabíamos dos Mapuche, pensado que seria fácil submetê-los, como fizemos com povos mais civilizados, os Astecas e os Incas. Demorámos muitos anos a compreender quão errados estávamos. Não se vislumbra o fim desta guerra, porque quando torturamos um toqui logo aparece outro, e quando exterminamos uma tribo inteira, outra sai do bosque e toma o seu lugar. Nós queremos fundar cidades e prosperar, viver com decência e descanso, enquanto eles só querem a liberdade."
"Para eles quem provê é a Santa Terra, as pessoas ficam com o necessário e agradecem, não exigem mais não acumulam; o trabalho é incompreensível, uma vez que não há futuro. Para que serve o ouro? A terra não é de ninguém, o mar não é de ninguém; a simples ideia de os possuir ou dividir produzia ataques de riso ao normalmente soturno Felipe. As pessoas também não pertencem umas às outras. Como podem os huincas comprar e vender gente que não é sua? Por vezes, o menino passava dois ou três dias mudo, esquivo, sem comer, e quando lhe perguntava o que tinha, a resposta era sempre a mesma: «Há dias alegres e dias tristes. Cada um é dono do seu silêncio.»"