Título original: Herztier
Ano da edição original: 1994
Autor: Herta Müller
Tradução do inglês: Maria Alexandra A. Lopes
Editora:Difel
"A Terra das Ameixas Verdes é uma obra sublime, um relato contido e
agudo de existências em perigo sob a ditadura de Ceausescu. Romance
político? Também. Mas é sobretudo um poderoso libelo contra a
desumanidade tortuosa dos sistemas de governo cuja legitimidade deriva
do silêncio e do medo. Um romance polifónico e anónimo: da maior parte
das personagens conhecemos apenas o primeiro nome; da narradora, nem
sequer isso…
Partindo do (aparente) suicídio de Lola, uma jovem - a narradora anónima
- encontra apoio num grupo de três rapazes que, com ela, se interrogam e
procuram entender tanto a morte de Lola como a sua própria impotência
perante um regime que não se abstém de humilhar e silenciar todos
aqueles que ousam desafiá-lo. Os quatro irão enfrentar os meandros de um
poder corrosivo que visa diminuí-los e isolá-los, aniquilando-lhes a
vontade e a capacidade de ter esperança.
Romance de resistência. Resistência ao silêncio asfixiante, porque
cúmplice e perpetuador de despotismos, A Terra das Ameixas Verdes é um
texto de «palavra difícil» porque as palavras apodrecem verdes na boca,
trivializando experiências de terrível indizibilidade. Como dizer o medo
da experiência? Como descrever a vontade de morrer? E no entanto, há o
imperativo de dizê-lo.
Entre o silêncio impossível e a palavra estrangulada, esta é uma
história de feridas jamais fechadas e do despudor impenitente de uma
ditadura insidiosa que, obrigando à interiorização, sobreviveu nas
marcas inelidíveis que deixou nos corpos e nas almas."
A Terra das Ameixas Verdes não é um livro fácil de ler. A mim custou-me muito a entrar na narrativa e estive muito perto de desistir de o ler, de o guardar para uma outra altura. No entanto, depois de uma pequena pausa, reiniciei a leitura, com mais calma, porque é um livro que, pelo menos de início, exigiu de mim alguma concentração extra. Depois de ter conseguido entrar no ritmo da narrativa este livro acabou por ser uma boa surpresa. Gostei bastante da escrita e da perspectiva em que a narradora colocou a história.
A Terra das Ameixas Verdes não é um livro bonito mas sim um livro opressivo e angustiante. Não poderia ser de outra forma uma vez que retrata os anos 60, 70 da ditadura comunista de
Nicolae Ceausescu na Roménia.
Os protagonistas são um grupo de jovens, Kurt, Georg, Edgar, a narradora, de quem não sabemos o nome e Lola a companheira de quarto da narradora, cuja morte acaba por juntar estes quatro jovens, que descobrem que a sua aversão ao regime os une. São perseguidos, vigiados, ameaçados e interrogados por um agente do
Securitate, a polícia secreta do regime, o Capitão Pjele e o seu cão feroz e ameaçador. Embora este agente os tenha na sua lista, a verdade é que eles não são militantes activos de nenhuma organização anti-regime, são apenas quatro jovens que não concordam com Ceausescu e que são aterrorizados por causa das conversas que têm entre eles. Não distribuem panfletos, não nos é dito que tentem convencer outros a juntarem-se à causa. Parece que estes quatro são perseguidos apenas e só por causa dos seus pensamentos, muitos deles nem sequer verbalizados.
O cerco a estes quatro vai-se apertando a uma velocidade crescente, eles vão ficando cada vez mais deprimidos, perdidos, sem qualquer ponta de esperança, sentimento que, aliás nunca foi muito notório entre eles. A atitude deles sempre foi muito fatalista, como se o desfecho que acabou por ocorrer fosse óbvio, inevitável, nada mais poderia acontecer. Daí este livro ser tão opressivo. Eles nunca tomaram uma atitude que fosse declaradamente contra o regime e as suas vidas foram sendo, de forma lenta mas consistente, desfeitas. Psicologicamente abalados, afastados uns dos outros, intimidados pelas ameaças feitas não só a eles mas também às suas famílias.
Herta Müller mostra-nos aqui uma forma de repressão, de destruição da capacidade de luta e de viver, que por vezes é tão subtil que parece mentira, parece inventada, o que torna este livro ainda mais angustiante. Neste livro não há espaço para o amor, para a confiança despreocupada nos outros. O único espaço que existe é para o medo e para morte, nas suas mais variadas formas.
A maneira como Herta Müller nos vai contando esta história é muito interessante, porque não é um livro típico, dos muitos que já se escreveram sobre ditaduras, quer de direita quer de esquerda, mas sim um livro que se debruça mais sobre cada um destes jovens e vai-nos mostrando, página a página como eles vão sendo destruídos pelo ambiente em que vivem. Com uma escrita nada óbvia e que é quase poética, nalgumas partes do livro, A Terra das Ameixas Verdes é mais do que um romance, uma ficção. A palavra que me ocorre é humano, é um livro muito humano.
Recomendo sem reservas, é um livro que para além de ser uma extraordinária obra literária é também um livro que me obrigou a pesquisar alguns factos. Conheço muito pouco sobre a história dos países da Europa do Leste e a Roménia não é excepção.
|
Um bom sítio para se ler este livro! |
Fiquei a conhecer um pouco melhor aquela região e começo a sentir uma inclinação pelos escritores dos balcãs. Para além de Herta Müller, também
Ivo Andrić foi uma boa surpresa, com o seu
A Ponte Sobre o Drina e, que provavelmente não teria conhecido se nunca tivessem ganho o Prémio Nobel da Literatura, em 2009 e 1961, respectivamente.
Leiam tanto um como outro! Boas leituras!
Excerto:
"Por entre as plantas mais estúpidas que arrancou, o pai diz: As ameixas verdes fazem mal, o caroço ainda está mole e trinca-se a própria morte. Ninguém nos pode valer, morremos mesmo. Com as febres claras, o coração queima-se-te por dentro.
Os olhos do pai estão nublados e a criança vê que o amor que o pai lhe tem é como um vício. Que ele não consegue controlar o seu amor. Que ele, que fez cemitérios, deseja morte à criança.
Daí que mais tarde a criança coma bolsos inteiros de ameixas. Todos os dias, quando o pai não está a ver, a criança esconde metades de árvores na barriga. A criança come e pensa, isto é para morrer.
Porém como o pai não vê, a criança não tem de morrer.
As plantas mais estúpidas eram os cardos-do-coalho.
O pai sabia alguma coisa da vida. Assim como todos os que falam da morte sabem como é que a vida continua."