Título original: The Easter Parade
Ano da edição original: 1976Autor: Richard Yates
Tradução: Nuno Guerreiro Josué
Editora: Quetzal
"Considerado o grande romance de Richard Yates, a par de Revolutionary Road, O Desfile da Primavera conta a história de duas irmãs, Sarah e Emily Grimes. Conhecêmo-las ainda crianças, com os pais recém-divorciados. E ao longo de quarenta anos, acompanhamos os caminhos que as tornam mulheres muito diferentes, embora tentando ambas lidar com um mesmo passado difícil. Sarah, a estável, a determinada, vai para Long Island, vive um casamento infeliz, e acaba por sucumbir ao seu desespero silencioso; Emily, a precoce, a independente, fica em Nova Iorque, percorre vários empregos sem interesse, dorme com vários homens, perde a carreira e perde-se no álcool. Neste sombrio e magistral romance, e com a mestria que caracteriza toda a sua obra, Richard Yates reforça a ideia de que não existe aquilo a que se chama uma vida normal."
Não é novidade que gosto de Richard Yates, mesmo com todas as desgraças de que são vítimas praticamente todas as suas personagens. O melhor é que, mesmo sabendo de antemão que com Richard Yates não há contemplações, quando está mau, das duas uma, ou o livro acaba ou então vai piorar, mesmo sabendo isso, a esperança é algo que nunca me abandona ao longo da leitura. O Desfile da Primavera não é excepção, é antes a confirmação da regra, Richard Yates é bom e as suas histórias são desconcertantes... Nem sei se devia gostar tanto delas... :)
Sarah e Emily são irmãs, filhas de pais separados. A mãe, Pookie é alguém que não sabe muito bem o que fazer da vida. Depois do divórcio, arrasta as filhas de casa em casa, sem conseguir ficar muito tempo num sítio. Dá muita importância às aparências e deposita todas as esperanças na filha mais velha, Sarah, bonita e inteligente, que de certeza casará bem e lhe abrirá as portas para a vida com que sempre sonhou. Não é má pessoa, é notório o amor que tem pelas filhas. Vejo-a mais como uma das muitas pessoas que deabulam pelo mundo sem orientação, sem ferramentas para vingar e para se integrarem, para viver todos os sonhos que têm. Sem nada que as destaque, acabam a viver num comprimento de onda distinto do dos que a rodeiam. E, embora não seja má pessoa acaba por afastar as filhas, que se tornaram o seu único projecto de vida. Projecto que infelizmente não lhe correu tão bem como esperava.
O pai trabalha como revisor num diário importante em Nova Iorque e, vai mantendo contacto com as filhas da forma que pode, acompanhando as incessantes mudanças da ex-mulher. É um homem que paira sobre a infância destas duas miúdas, marcando-a de forma positiva, mas sem fazer efectivamente a diferença na vida disfuncional que levam com mãe. É uma espécie de porto de abrigo, algo que as mantém ancoradas a alguma normalidade. E embora a hipótese de irem viver com ele, aparentemente nunca tenha sido considerada, sentimos enquanto leitores que é algo que só não acontece, porque pai e filhas sabem que isso seria o fim da frágil saúde mental da mãe.
E assim vão crescendo Sarah e Emily. Sarah, a mais velha, é bonita, encantadora e genuinamente boa pessoa. É inteligente e bem humorada, podemos dizer que é a normal da família. É um espírito simples, que apenas deseja ser feliz, sem grandes ambições para além de casar e ter filhos. Emily, uns anos mais nova, parece ter nascido já velha, preocupada com tudo, cheia de medos e inseguranças e com terror de ficar sozinha, é instável e egocêntrica. A sua personalidade é mais complexa, mais densa que a da irmã.
Quando crescem, a segura e divertida Sarah torna-se mais insegura e dependente, após anos de um casamento infeliz, que parecia ter tudo para ser um sucesso, a lutar para manter as aparências, a achar que o amor é apenas aquilo que a vida lhe deu a conhecer, fiel até à última estalada.
Emily, a menina que se recusava a ficar sozinha em casa, torna-se uma mulher independente, procurando colmatar as ansiedades com relações fugazes e através da bebida. Aliás a bebida é o que estas três mulheres acabam por ter em comum, bebem para esquecer. São sem qualquer dúvida alcoólicas e é, no fim, o álcool a única constante das suas vidas.
Emily parece incapaz de amar e de criar uma ligação verdadeira com alguém, embora goste da irmã, quando a oportunidade surge, nada faz para a ajudar, e mantém uma relação muito distante com a mãe. Tem tendência para se aproximar de homens com baixa auto-estima. Estes são os que ela acaba por deixar um dia, os que ela realmente gostaria de manter na sua vida, acabam por sair da dela. Emily não é, no entender destes homens, para casar.
Emily é uma espécie de narradora da história da família Grimes, porque é através dos olhos dela que conhecemos a mãe, o pai, a irmã, o cunhado e os sobrinhos. A última das Grimes, acaba sozinha como sempre temeu, consciente o suficiente para perceber que está a enlouquecer e que afinal é capaz de sentir, pelo menos remorso...
Gostei bastante, gosto muito da escrita e da ténue linha que Yates cria, com mestria, entre a dura realidade e o absurdo, a pura ficção, aqueles elementos que nos fazem manter os pés no chão, conscientes de que se trata de um livro. Gosto das personagens bem desenvolvidas e complexas, sem serem indecifráveis. Gosto da forma como nos aproxima dos sentimentos das personagens, sentimos os desconfortos, os dilemas morais que atravessam, a pontinha de felicidade que vislumbram e perseguem ou que deixam simplesmente passar, porque perseguir o que se quer exige muito mais do que aquilo que se está disposto a dar.
É triste? É.
É bom? É.
Recomendo? Claro!
Boas leituras!
Excerto:
"Mas parou de chorar abruptamente quando se apercebeu que até isso era mentira: aquelas lágrimas, tal como todas as outras que derramara durante toda a sua vida, eram apenas para ela - para a pobre e sensível Emily Grimes, que ninguém compreendia, e que não compreendia nada."
Sarah e Emily são irmãs, filhas de pais separados. A mãe, Pookie é alguém que não sabe muito bem o que fazer da vida. Depois do divórcio, arrasta as filhas de casa em casa, sem conseguir ficar muito tempo num sítio. Dá muita importância às aparências e deposita todas as esperanças na filha mais velha, Sarah, bonita e inteligente, que de certeza casará bem e lhe abrirá as portas para a vida com que sempre sonhou. Não é má pessoa, é notório o amor que tem pelas filhas. Vejo-a mais como uma das muitas pessoas que deabulam pelo mundo sem orientação, sem ferramentas para vingar e para se integrarem, para viver todos os sonhos que têm. Sem nada que as destaque, acabam a viver num comprimento de onda distinto do dos que a rodeiam. E, embora não seja má pessoa acaba por afastar as filhas, que se tornaram o seu único projecto de vida. Projecto que infelizmente não lhe correu tão bem como esperava.
O pai trabalha como revisor num diário importante em Nova Iorque e, vai mantendo contacto com as filhas da forma que pode, acompanhando as incessantes mudanças da ex-mulher. É um homem que paira sobre a infância destas duas miúdas, marcando-a de forma positiva, mas sem fazer efectivamente a diferença na vida disfuncional que levam com mãe. É uma espécie de porto de abrigo, algo que as mantém ancoradas a alguma normalidade. E embora a hipótese de irem viver com ele, aparentemente nunca tenha sido considerada, sentimos enquanto leitores que é algo que só não acontece, porque pai e filhas sabem que isso seria o fim da frágil saúde mental da mãe.
E assim vão crescendo Sarah e Emily. Sarah, a mais velha, é bonita, encantadora e genuinamente boa pessoa. É inteligente e bem humorada, podemos dizer que é a normal da família. É um espírito simples, que apenas deseja ser feliz, sem grandes ambições para além de casar e ter filhos. Emily, uns anos mais nova, parece ter nascido já velha, preocupada com tudo, cheia de medos e inseguranças e com terror de ficar sozinha, é instável e egocêntrica. A sua personalidade é mais complexa, mais densa que a da irmã.
Quando crescem, a segura e divertida Sarah torna-se mais insegura e dependente, após anos de um casamento infeliz, que parecia ter tudo para ser um sucesso, a lutar para manter as aparências, a achar que o amor é apenas aquilo que a vida lhe deu a conhecer, fiel até à última estalada.
Emily, a menina que se recusava a ficar sozinha em casa, torna-se uma mulher independente, procurando colmatar as ansiedades com relações fugazes e através da bebida. Aliás a bebida é o que estas três mulheres acabam por ter em comum, bebem para esquecer. São sem qualquer dúvida alcoólicas e é, no fim, o álcool a única constante das suas vidas.
Emily parece incapaz de amar e de criar uma ligação verdadeira com alguém, embora goste da irmã, quando a oportunidade surge, nada faz para a ajudar, e mantém uma relação muito distante com a mãe. Tem tendência para se aproximar de homens com baixa auto-estima. Estes são os que ela acaba por deixar um dia, os que ela realmente gostaria de manter na sua vida, acabam por sair da dela. Emily não é, no entender destes homens, para casar.
Emily é uma espécie de narradora da história da família Grimes, porque é através dos olhos dela que conhecemos a mãe, o pai, a irmã, o cunhado e os sobrinhos. A última das Grimes, acaba sozinha como sempre temeu, consciente o suficiente para perceber que está a enlouquecer e que afinal é capaz de sentir, pelo menos remorso...
Gostei bastante, gosto muito da escrita e da ténue linha que Yates cria, com mestria, entre a dura realidade e o absurdo, a pura ficção, aqueles elementos que nos fazem manter os pés no chão, conscientes de que se trata de um livro. Gosto das personagens bem desenvolvidas e complexas, sem serem indecifráveis. Gosto da forma como nos aproxima dos sentimentos das personagens, sentimos os desconfortos, os dilemas morais que atravessam, a pontinha de felicidade que vislumbram e perseguem ou que deixam simplesmente passar, porque perseguir o que se quer exige muito mais do que aquilo que se está disposto a dar.
É triste? É.
É bom? É.
Recomendo? Claro!
Boas leituras!
Excerto:
"Mas parou de chorar abruptamente quando se apercebeu que até isso era mentira: aquelas lágrimas, tal como todas as outras que derramara durante toda a sua vida, eram apenas para ela - para a pobre e sensível Emily Grimes, que ninguém compreendia, e que não compreendia nada."