Título original: Man in the Dark
Ano da edição original: 2008
Autor: Paul Auster
Tradução: José Vieira de LIma
Editora: Edições ASA
Ano da edição original: 2008
Autor: Paul Auster
Tradução: José Vieira de LIma
Editora: Edições ASA
"E se a América não estivesse em guerra como Iraque mas consigo própria? Nesta América, as Torres Gémeas não caíram e as eleições presidenciais de 2000 conduziram à secessão, com estado após estado a abandonar a união e uma sangrenta guerra civil a instalar-se. Este mundo paralelo é criado pela mente e coração perturbados de August Brill, um crítico literário vítima de insónias. Com 72 anos, Brill está a recuperar de um acidente de viação em casa da filha e, para afastar recordações que preferia esquecer - a morte da mulher e o violento assassinato do namorado da neta -, conta histórias a si próprio. Gradualmente, o que Brill tenta desesperadamente impedir insiste em ser contado. Com a neta a juntar-se-lhe de madrugada, ele arranja finalmente coragem para revisitar os seus piores dramas.
Chocante e apaixonante, Homem na Escuridão é o exemplar romance do nosso tempo, um livro que nos obriga a confrontar a escuridão da noite celebrando a existência das pequenas alegrias do dia-a-dia num mundo capaz da mais grotesca violência."
Paul Auster é um dos meus autores favoritos e quando pego num livro dele é sempre com a certeza de que serão dias bem passados. Este Homem na Escuridão, felizmente, confirmou a regra não sendo a excepção. :)
O Homem na Escuridão é August Brill, um septuagenário, que sofreu um acidente de viação e está a recuperar em casa da filha. Sofre de insónias e as noites que passa sozinho no escuro do quarto, passa-as a tentar não recordar tudo aquilo e todos aqueles que perdeu ao longo da vida. Para conseguir sobreviver a mais uma noite sem enlouquecer, Brill inventa histórias, vive-as na sua cabeça, e algumas dessas histórias parecem ganhar vida, numa outra dimensão. Na história que Brill conta a si mesmo na escuridão do quarto, as Torres Gémeas nunca caíram e os EUA não estão em guerra com o Iraque. Nas eleições de 2000, George W. Bush foi o vencedor, no entanto, muitos dos Estados revoltaram-se, proclamaram independência, dando-se início a uma dura guerra civil que se arrasta há uma série de anos.
E de que tenta fugir Brill? Tenta esquecer a morte e a solidão. Tenta não pensar na sua companheira de uma vida, que recentemente lhe morreu, e que nem sempre valorizou. Tenta não pensar no arrependimento. Tenta esquecer a dor da filha, ela própria uma mulher solitária depois de um divórcio complicado com um homem que nunca deixou de amar e tenta ultrapassar a dor de envelhecer sem a mulher e com limitações físicas.
Brill tenta fugir das recordações que o atormentam e a história da guerra civil parece ser a forma que encontrou de continuar a viver com as imagens horríveis que não consegue esquecer, do assassinato do namorado da neta. Se a guerra com o Iraque nunca tivesse acontecido, a neta de Brill nunca teria perdido o namorado que foi, voluntariamente, trabalhar para o Iraque. Brill e a neta nunca teriam assistido ao vídeo onde o namorado é morto pelos rebeldes que o raptaram e ele nunca teria de conviver com a profunda tristeza da neta.
Quando numa dessas intermináveis noites, a neta, também ela a fugir dos fantasmas que vivem na escuridão, vem ter com ele ao quarto e lhe pergunta como conheceu a avó, Brill acaba por reviver toda a sua vida. É neste desfiar de memórias que acabamos por nos ir apercebendo, ao mesmo tempo que o próprio Brill, que a felicidade é feita de pequenas coisas, que no fim aquilo que recordamos é essencialmente bom e que as coisas menos boas, muitas delas provocadas por más escolhas, são também elas essenciais para seguirmos em frente com outras certezas. O que Brill contou à neta foi uma bonita história de amor, que sofreu alguns percalços pelo caminho, mas que nunca deixou de ser uma bonita história de amor, de cumplicidade e de amizade entre duas pessoas bastante diferentes uma da outra.
É nesta fase que sentimos que o processo de luto destes dois se aproxima do fim. A fase em que, pensar nas pessoas que perdemos não nos provoca apenas dor e angústia, a dor e a angústia vêm acompanhadas pela saudade, que nunca nos deixa, e pela memória das coisas boas, que são as que acabam por prevalecer.
Paul Auster recorre mais uma vez às suas histórias dentro da história, arte que domina como ninguém, às referências cinematográficas e às personagens angustiadas e sofredoras. Escreve como ninguém sobre a perda e sobre o processo de sobreviver à perda, ou não, porque nem todos conseguem sobreviver.
Recomendo! Tenho dúvidas de que alguma vez não vá recomendar Paul Auster. Quem o conhece não precisa de recomendações, quem nunca leu, deveria ler. :)
Boas leituras!
Excerto (pág. 46):
"Porque é que eu estou a fazer isto? Porque é que teimo em meter por estes caminhos velhos e gastos; porquê esta compulsão para remexer em velhas feridas e fazer-me sangrar de novo? Seria impossível exagerar o desprezo que às vezes sinto por mim. Eu deveria estar a ler o manuscrito de Miriam e, afinal, estou de olhos fitos numa fenda da parede enquanto vasculho nos poços da memória em busca de fragmentos do passado, coisas que se quebraram e que nunca poderão ser reparadas. Dêem-me a minha história. É tudo o que eu quero agora - a minha insignificante história para manter os fantasmas longe, muito longe de mim."