Ano da edição original: 2006
Autor: João de Melo
Editora: Publicações Dom Quixote
"A primeira vez em que viajou até ao país vizinho, Francisco Bravo Mamede, o senhor poeta, viu que as cidades de Espanha ficavam no fim de todos os caminhos. Para se ir de uma para a outra, e não havendo passagem para a cidade seguinte, andava-se por ali ao deus-dará, às voltas e mais voltas para não se enredar a gente no fio de orientação que levava para fora do emaranhado urbano, como quem procura e finalmente encontra a porta de saída de uma casa desconhecida. Ia-se então adiante, sem rumo nem certeza alguma sobre a hora de chegada ao destino que se havia traçado (se haciendo el camino al andar, como no verso do querido mestre Antonio Machado) - e logo toda ela se recortava ao longe, muito nítida de luz, como um baixo-relevo que emergisse do fundo da paisagem."
João de Melo é um dos escritores que ultimamente me tem dado mais prazer descobrir. A qualidade da sua escrita, aliada a histórias surpreendentes, tornam os seus livros num autêntico carrossel de emoções.
O Mar de Madrid é um pouco diferente dos outros livros que já li dele - Gente Feliz Com Lágrimas e Autópsia de um Mar de Ruínas (opinião aqui e aqui) - não só pela contemporaneidade como pelo tema em si. Em O Mar de Madrid, João de Melo leva-nos numa viagem entre Portugal e Espanha, através dos olhos de um poeta e uma escritora de novelas negras. Português o poeta, espanhola a escritora. :) Conhecem-se numa convenção de escritores em Madrid. Ele deslumbrado com a atenção que nuestros hermanos dispensam à sua genialidade como poeta e, ela perdida numa relação destrutiva e que descobriu Portugal e os portugueses há muito pouco tempo.
O Mar de Madrid é um pouco diferente dos outros livros que já li dele - Gente Feliz Com Lágrimas e Autópsia de um Mar de Ruínas (opinião aqui e aqui) - não só pela contemporaneidade como pelo tema em si. Em O Mar de Madrid, João de Melo leva-nos numa viagem entre Portugal e Espanha, através dos olhos de um poeta e uma escritora de novelas negras. Português o poeta, espanhola a escritora. :) Conhecem-se numa convenção de escritores em Madrid. Ele deslumbrado com a atenção que nuestros hermanos dispensam à sua genialidade como poeta e, ela perdida numa relação destrutiva e que descobriu Portugal e os portugueses há muito pouco tempo.
A história vive das ideias pré-concebidas destes dois, Francisco Bravo Mamede e Dolors Claret, sobre os portugueses e os espanhóis, sobre a poesia, sobre os escritores e sobre as relações.
Francisco é um funcionário público que escreve poesia, tendo alguns livros publicados. É fascinado por Espanha e os espanhóis, por achar que são culturalmente superiores aos portugueses, por entenderem e valorizarem a sua poesia, reconhecimento que não encontra em Portugal. É casado com Branca, com quem mantém uma relação por pura rotina, por lealdade e, de certa forma, por pena. É engraçado ver, mais à frente no livro como tudo aquilo que o prende a Branca é uma ilusão, um engano, porque nada sabe sobre a mulher com quem casou. Conhece Dolors na conferência de escritores em Madrid e inicia uma relação conturbada com ela. Dolores parece louca, desequilibrada e ele não faz ideia de como lidar com ela.
Dolors chega à conferência uma mulher insegura e deprimida, após anos de um casamento pouco feliz com Victor, um advogado bem sucedido e um mulherengo incurável, retratado como um típico macho latino. O fascínio que Dolors sente por Francisco quando o vê a discursar na conferência é algo inesperado e que não entende. Francisco vai acabar por ser o factor que faltava para que a Dolors ganhe coragem para mudar de vida. Não será fácil, vai chorar muito, vai passar por crises de ansiedade, mas no fim... No fim pode ser que finalmente aprenda a estar sozinha e a gostar de si mesma.
Para além da relação destes dois, João de Melo fala muito no que nos distingue dos espanhóis e naquilo que nos une. É duro nas comparações e na caracterização que faz dos portugueses, na sua grande maioria exactas, ou pelo menos é assim que a maioria de nós nos vemos. E Francisco, a voz destas comparações, é um português, como todos nós um pouco provinciano na ideia de que tudo e todos são melhores que os portugueses. Para ele a única excepção é a poesia, que só os portugueses sabem fazer bem. :)
É também duro na caracterização que faz dos escritores, todos eles uns deslumbrados, a viverem num mundo à parte, seres superiores e injustiçados pelos leitores que não têm capacidade de abarcar toda a sua genialidade.
O Mar de Madrid é diferente dos outros que já li de João de Melo, talvez menos poético, menos certeiro nas emoções que pretende transmitir mas, não deixa de ser um livro cheio de humor, mordaz na crítica que faz e muito bem escrito. Achei um pouco cansativa a dinâmica de Francisco e Dolors, ela demasiado histérica e desequilibrada e ele, demasiado confuso. No entanto, confesso que, após ter escrito este post, dou por mim a gostar e a compreender melhor o livro. Aparentemente é um desses livros cuja distância permitirá vê-los com novos olhos.
Dolors chega à conferência uma mulher insegura e deprimida, após anos de um casamento pouco feliz com Victor, um advogado bem sucedido e um mulherengo incurável, retratado como um típico macho latino. O fascínio que Dolors sente por Francisco quando o vê a discursar na conferência é algo inesperado e que não entende. Francisco vai acabar por ser o factor que faltava para que a Dolors ganhe coragem para mudar de vida. Não será fácil, vai chorar muito, vai passar por crises de ansiedade, mas no fim... No fim pode ser que finalmente aprenda a estar sozinha e a gostar de si mesma.
Para além da relação destes dois, João de Melo fala muito no que nos distingue dos espanhóis e naquilo que nos une. É duro nas comparações e na caracterização que faz dos portugueses, na sua grande maioria exactas, ou pelo menos é assim que a maioria de nós nos vemos. E Francisco, a voz destas comparações, é um português, como todos nós um pouco provinciano na ideia de que tudo e todos são melhores que os portugueses. Para ele a única excepção é a poesia, que só os portugueses sabem fazer bem. :)
É também duro na caracterização que faz dos escritores, todos eles uns deslumbrados, a viverem num mundo à parte, seres superiores e injustiçados pelos leitores que não têm capacidade de abarcar toda a sua genialidade.
O Mar de Madrid é diferente dos outros que já li de João de Melo, talvez menos poético, menos certeiro nas emoções que pretende transmitir mas, não deixa de ser um livro cheio de humor, mordaz na crítica que faz e muito bem escrito. Achei um pouco cansativa a dinâmica de Francisco e Dolors, ela demasiado histérica e desequilibrada e ele, demasiado confuso. No entanto, confesso que, após ter escrito este post, dou por mim a gostar e a compreender melhor o livro. Aparentemente é um desses livros cuja distância permitirá vê-los com novos olhos.
Recomendo!
Boas leituras!
Excerto (pág. 41):
Boas leituras!
Excerto (pág. 41):
"O silêncio provinha não das vozes que não falavam - ao contrário das contínuas vozes de Espanha - mas dos olhos, da pele, dos ossos secretos das pessoas. Estava no corpo. existia nas mãos e na linguagem. Como um modo de ser e de pensar. Se se estivesse em Espanha, e numa cidade assim, tão breve como Elvas, as mãos seriam como tochas acesas que riscavam o ar, por cima dos gestos, sobre o ruído ensurdecedor doas vozes, e haveria em todas elas um tumulto de palavras. Dolors sabia que nenhum povo no mundo falava tanto, tão alto, tão depressa como os espanhóis. Falavam freneticamente, cheios do universo absoluto das palavras, sendo corpo e alma no acto de comer de pé ao balcão dos bares e restaurantes, paixão de falar, arte e vício de viver ao som das próprias vozes. As vozes de Espanha juntam-se todas no ar, expandem-se pelo tempo fora, vogam no espaço desse império da língua, como se a universalidade espanhola dependesse do hábito de falar mais alto do que o vizinho, e de não permitir que alguém lhe replicasse. Ao invés, o silêncio português conversava a meia-voz, com pausas e suspiros. Sorria com moderação e timidez, abria muito os olhos para escutar e entender, mas ainda assim sua compostura não era isenta de orgulho, nem denotava resignação."