Título original: Nenhum Olhar
Ano da edição original: 2000
Autor: José Luís Peixoto
Editora: Bertrand Editora
Ano da edição original: 2000
Autor: José Luís Peixoto
Editora: Bertrand Editora
"Numa aldeia do Alentejo, com um pano de fundo de uma severa pobreza, o autor vai tecendo histórias de homens e mulheres, endurecidos pela fome e pelo trabalho, de amor, ciúme e violência: o pastor taciturno que vê o seu mundo desmoronar-se quando o diabo lhe conta que a mulher o engana; o velho e sábio Gabriel, confidente e conselheiro; os gémeos siameses Elias e Moisés, cuja terna comunhão se degrada no momento em que um deles se apaixona; ou o próprio Diabo. As suas personagens são universais, assim como a sua esperança face à dificuldade.«... a partir da segunda ou terceira sequência ficamos seguros de que a inclinação é fatal: vamos embater num limite, num muro, num enigma, na origem do mundo e no desastre final...»"
"«Hoje o tempo não me engana. Não se conhece uma aragem na tarde. O ar queima, como se fosse um não quente de lume, e não ar simples de respirar, como se a tarde não quisesse já morrer e começasse aqui a hora do calor. Não há nuvens, há riscos brancos, muito finos, desafiados de nuvens. E o céu, daqui parece fresco, parece a água limpa de um açude. Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu.»"
Desde Livro (opinião aqui) que nunca mais tinha lido José Luís Peixoto e depois deste Nenhum Olhar, espero que não passe tanto tempo até ao próximo livro dele.
Nenhum Olhar é um livro imensamente triste, cheio de silêncios e olhares que dizem tudo. Conversa-se pouco na aldeia alentejana que o autor retrata.
As personagens vivem uma vida desencantada, algumas presas a convenções e ao que se espera deles. Vivem com a consciência de que abdicaram de lutar pela felicidade para cuidarem dos outros, para não romperem com as regras instituídas e estabelecidas. Não perseguiram a felicidade por cobardia ou porque, simplesmente, não saberiam como fazê-lo.
Outros nunca encontraram a felicidade e quando esta aparece não hesitam em agarrá-la com todas as forças que possuem. Outros ainda, tendo nas mãos aquilo que desejaram, estragam tudo por causa de mal-entendidos, da má língua do povo e da maldade de algumas pessoas.
Surpreendeu-me a capacidade de amar em gente que tem tão pouco. A profundidade dos sentimentos em pessoas que quase nunca tiveram razões para sorrir. Surpreendeu-me, ao mesmo tempo, a dormência dos que abdicaram de ser felizes e a dor atroz de quem vê a felicidade escapulir-se por entre os dedos sem que nada possa fazer para mudar o destino. Surpreendeu-me a falta de esperança e a capacidade de amar e de sofrer. Surpreende-me a imutabilidade do tempo, como se a aldeia vivesse presa a um paradoxo temporal, onde geração atrás de geração a história está condenada a repetir-se ad eternum.
Acima de tudo, surpreendeu-me a capacidade de José Luís Peixoto nos fazer sentir toda esta panóplia de sentimentos através de palavras tão simples e com a criação de momentos tão tristes e ao mesmo tempo tão enternecedores.
Nenhum Olhar retrata uma realidade triste com que todos nós nos conseguimos identificar, de certa forma. A vida nas aldeias isoladas, onde o tempo parece seguir outras regras, onde todos se conhecem, ou pensam conhecer e onde o destino parace ser mais certo do que a morte.
E sem nada ter dito sobre a história em si, acho que não preciso dizer mais nada, a não ser que recomendo sem qualquer hesitação. :)
Boas leituras
Excerto (pág. 209):
"A dor: um silêncio de sentido sobre todos os gestos, um abismo a calar o significado de todas as palavras, um véu a tornar o tempo inútil. A mulher que amara mesmo, que amara mesmo, e que não era mais nada no mundo. E a solidão era um céu maior que a noite e onde não havia mais que a noite e frio, era um lugar negro que o olhar vida."