dezembro 21, 2020

A Construção do Vazio - Patrícia Reis

Título: 
A Construção do Vazio
Ano da edição original: 2017
Autor: Patrícia Reis
Editora: Publicações Dom Quixote

"Sofia é uma menina-tesoura que sobrevive a uma relação de violência e abuso e cresce com a convicção de que a maldade supera tudo.

Será possível atenuar a dor?
Como se resiste ao fantasma real da infância?
Que decisões partem dessa memória e podem limitar a vida?

Sofia abriga-se na amizade de três homens.
Eduardo, Jaime e Lourenço, e vive sem desejo, sem vontade, de construção em construção, sendo o vazio o objectivo final.

Esta personagem surge pela primeira vez no livro Por Estes Mundo Acima (2011) e faz parte do território ficcional da autora que, com A Construção do Vazio, termina um ciclo de três narrativas independentes iniciado em 2008, com o romance No Silêncio de Deus."

A Construção do Vazio é um livro difícil de ler. É um livro que, mais uma vez, devido à qualidade da escrita de Patrícia Reis, nos faz sentir muito próximos do que se está a contar e, quando o que se conta é doloroso, difícil e triste, a leitura pode ser, por vezes, incómoda.

Sofia é uma menina que cresce sem amor, numa família onde os abusos são constantes, tanto por parte do pai como da mãe. Cresce, por isso, com a certeza de que não merece ser amada, e de forma quase consciente, afasta tudo o que possa apaziguar a sua dor. Não acredita que algo de bom lhe possa estar reservado e acaba por se autossabotar, optando por caminhos que só validam a opinião que tem sobre si própria. 

Até que ponto aquilo que nos acontece enquanto crescemos, nos limita na vida adulta? Temos consciência dessa limitações e do impacto que têm na nossa vida? Como é que ultrapassamos essas limitações? 
A Construção do Vazio põe-nos a pensar, entre outras coisas, sobre estas questões. Sobre não julgarmos sem conhecer a história das pessoas e o seu percurso. 
Não acredito que o passado sirva de justificação para todas as nossas atitudes no presente, no entanto, acredito que o que fazemos com o que nos acontece, a forma como lidamos com o que nos acontece, de bom e de mau, molda a nossa forma de ser, de viver, de pensar. Conhecer de onde vimos é fundamental para sabermos quem somos, para onde queremos ir e com quem queremos ir. 

Mais um livro certeiro da Patricia Reis.

Recomendo sem qualquer hesitação. 

Boas leituras! 

Excerto (pág. 49):

"O meu pai obrigou-me a um almoço. Combinámos num centro comercial e, ao fim de uma hora constrangedora de duro silêncio e acusações mútuas sem o tiroteio das palavras, recusei-me a entrar no carro. Voltaria para casa de metropolitano. Vi-o em estado de perder as estribeiras, a raiva, a vergonha, a surpresa de saber que eu tinha crescido, já não era o seu animalzinho de estimação. Ficou vermelho, levantou a voz, até a mão subiu da altura da sua anca. Estávamos em público e nada podia fazer. Um homem como ele escusar-se-ia a uma cena. Eu sabia. Sem dizer nada, pagou o almoço e eu fui empinando a camisola para ele ver o meu peito, como tinha crescido, como as minhas unhas pintadas eram um gesto de ser outra e que, apesar de tudo, nunca mais me tocaria. Nem um beijo."

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